Até o CEO do LinkedIn teve de lidar com etarismo; leia entrevista com Milton Beck

Divulgação/LinkedIn

Milton Beck, CEO do LinkedIn no Brasil, aponta um viés negativo com relação a pessoas mais velhas - Divulgação/LinkedIn
Milton Beck, CEO do LinkedIn no Brasil, aponta um viés negativo com relação a pessoas mais velhas
Por Bianca Bibiano [email protected]

Publicado em 11/06/2025, às 08h00 - Atualizado às 11h55

São Paulo, 11/06/2025 - Com mais de 85 milhões de usuários no Brasil e 1 bilhão no mundo, o LinkedIn é considerada atualmente a principal rede social dedicada a temas corporativos, tendências de carreira e vagas. Um dos assuntos mais quentes em debate entre os assinantes é o mercado de trabalho 50+ e o combate ao preconceito por idade.

O tema é bastante caro ao diretor-geral do LinkedIn para América Latina, Milton Beck, 62, que em entrevista ao Viva relatou ele mesmo ter sofrido etarismo. "Há um viés negativo com relação a pessoas mais velhas. Com a expectativa de vida maior, se não fizermos algo para mantê-las ativas no mercado de trabalho, se elas começarem a não encontrar emprego acima dos 45 anos, a situação ficará crítica, não tem como crescer e essas pessoas se manterem".

Embora não revele dados dos usuários por faixa etária, a plataforma diz que tem em sua base uma grande parcela de pessoas 50+ e que busca, por meio de políticas de comunidade e algoritmos barrar diferentes formas de preconceito, incluindo o etarismo. Leia a seguir a entrevista exclusiva:

Viva: Como o LinkedIn tem observado o público 50+? Esse público está no radar?  

Milton Beck: Esse público tem uma representatividade grande. Hoje, no Brasil em particular, a Geração Z tem uma proporção maior dentro do LinkedIn do que na sociedade. O LinkedIn ficou muito importante para os jovens entrantes no mercado de trabalho, mas para pessoas mais seniores (40+, 50+, 60+), o LinkedIn já era muito usado como rede social de preferência antes do boom recente. E segue crescendo: atualmente 10 mil pessoas abrem perfil novo por dia, de todas as idades.

Qual é a dificuldade principal que esse público enfrenta? 

O que temos ouvido, principalmente de alguns grupos, é a dificuldade de se recolocar. Não é um assunto exclusivo do LinkedIn, é um assunto da sociedade, no mundo. Há um viés negativo com relação a pessoas mais velhas. Com a expectativa de vida maior, se não fizermos algo para mantê-las ativas no mercado de trabalho, se elas começarem a não encontrar emprego acima dos 45 anos, a situação ficará crítica. Não tem como crescer e essas pessoas se manterem. Se pessoas com 45+ não encontram empregos, isso impacta a sociedade como um todo.

O LinkedIn tem medidas específicas para combater o etarismo? Como a tecnologia ajuda nisso?

Sim. Por exemplo, no LinkedIn você não pode buscar candidatos por critérios como raça, foto, gênero ou idade. Isso já impede, de certa forma, que empresas usem esses critérios de busca. Mas quando alguém quer burlar os padrões, consegue. Portanto, mesmo que a pessoa passe pela busca, há um trabalho de conscientização necessário. Algoritmos e softwares não resolvem tudo. É preciso que recrutadores e gestores considerem todos os candidatos sem viés. Fazer com que a pessoa apareça na busca sem viés já acontece. Mas conscientizar é um trabalho que influenciadores podem fazer. Eu também faço dentro da voz que dentro da plataforma, de mostrar que essa diversidade de gerações é importante.

Quanto mais a empresa tem nos seus quadros de funcionários um reflexo do que há na sociedade, mais apta ela está a competir. Esse lado, que não é do software, é o mais difícil de resolver.

Como vocês lidam com comentários ou situações de preconceito em posts?

Diferenças de opiniões são aceitas, o ponto é que temos uma política de comunidades que define o que é aceito ou não. Nem todas as opiniões se enquadram dentro do que a gente tem na política. Opiniões racistas, por exemplo, são removidas porque violam essa política. Mas, independente do post, o desafio maior está nos processos informais. Imagina que você é uma empresa, tem uma vaga, posta vaga na rede e recebe 50 aplicações. Se o critério de decisão, independentemente do que aparecer na busca, tiver viés, é muito difícil tirá-lo, porque depende da análise do recrutador e do dono da vaga.

Aí que a gente tem que agir, mas do ponto de vista qualitativo, com treinamento e conscientização de que não só a idade é o único critério, o mesmo ocorre com formação. As empresas estão cada vez mais buscando profissionais que resolvam seus problemas, independentemente da idade, da formação, do diploma. Mas o Brasil é muito grande, tem empresas que estão muito adiantadas nisso, outras estão no início da jornada.

Enquanto algumas empresas abrem programas afirmativos para 50+, pesquisas mostram o crescimento de lideranças com menos de 35, além de relatos de salários mais baixos para pessoas maduras. 

Na minha opinião, o salário está mais relacionado com a função e a vaga do que com a carreira que a pessoa construiu. O cara pode ser engenheiro, mas se ele decide trabalhar como um analista de contas a pagar, o salário está mais relacionado com a vaga do que com a carreira dele. O ponto todo é o seguinte: as pessoas 50+ não estão conseguindo vagas alinhadas com a experiência delas por causa da idade?

O que eu acho muito injusto seria duas pessoas fazendo a mesma coisa, uma ganhando mais e uma ganhando menos pela idade. Aí, não tem cabimento."

Por que você acha que esse tipo de situação acontece? 

Muita gente põe na cabeça que as pessoas mais velhas não têm domínio da tecnologia. Essa é uma coisa que a gente ouve bastante, uma percepção de que só os jovens entendem das novas tendências e tecnologias. Quando, no mundo real, você tem pessoas mais velhas que entendem bem mais do que os muitos jovens. Você pode querer contratar pessoas que saibam tecnologia. Se essa pessoa é mais velha e não sabe nada, talvez ela realmente não seja adequada para o cargo que você precisa. Contudo, algumas pessoas acham que a experiência é suficiente para manter-se competitivo, sem necessidade de atualização.

A pessoa vai numa entrevista e fala para o recrutador: "Minha neta que tem sua idade também me faz essas perguntas e ela que me ajuda com meu telefone celular porque eu me atrapalho". O tópico [da entrevista] não era esse, não jogue contra você mesmo. É importante que a pessoa mais velha esteja se atualizando, fazendo cursos. Por exemplo, hoje só se fala em inteligência artificial, não é só um hype, se você não aprender a usar, você vai ficar para trás mesmo. E não é um viés, é simplesmente que a expectativa do mercado é diferente da capacidade daquela pessoa  para aquele cargo específico. Mas se a pessoa se mantém atualizada, por que não? 

O que você acha que pode ajudar nessa situação? 

Imagina um time que tem uma pessoa mais velha e cada vez que alguém mais jovem propõe algo, essa pessoa fala: "Eu já tentei isso no passado, isso não funciona, não vai dar certo". Não é muito positivo para para o time esse tom de conversa. Eu já vi isso acontecer. Funciona melhor quanto você tem respeito, quando você entende que eventualmente o fato de você ter feito no passado e não ter dado certo não implica que obrigatoriamente em erro numa nova tentativa, com novos métodos, novos processos, nova tecnologia. Se você puder usar a experiência dessa pessoa, claro, isso ajuda nos times  multigeracionais. Isso inclui habilidades como saber ouvir, saber participar de reuniões onde sua decisão não é aceita, ter empatia, buscar aprendizagem contínua e atualização.

[...] Eu vejo como é duro para muita gente que chega aos 50 anos, às vezes antes dessa idade até, e é barrado de processos seletivos. Muitas vezes, é claramente pela idade, mas em outras é barrada por falta de atualização mesmo.

Assim como existem jovens que são intratáveis, pessoas mais velhas também podem ser. E, ao mesmo tempo, isso não está relacionado com idade. Já houve no Linkedin, por exemplo, um grupo chamado Wisdom, para reunir profissionais mais velhos, mas eu não gostava desse conceito. Sabedoria não vem só com a idade. 

Você próprio sofreu etarismo no mercado de trabalho, correto? Como isso moldou sua carreira?

Sim. Antes do LinkedIn, eu trabalhava na Microsoft, fiquei 13 anos lá, cuidava do [console de jogos] Xbox e de outras linhas de produto. Eu saí, fiquei um tempo desempregado e participei de processos para entrevistas de emprego. Nesses processos, eu vi diversas coisas que me tornaram um profissional melhor para o que eu faço hoje. E passei por processos nos quais o recrutador, por exemplo, não estava preparado para a entrevista ou não dedicava o tempo necessário, não fazia as perguntas certas, seja porque ele estava cansado ou seja porque, numa primeira olhada, ele já me tirava fora do processo. Isso acontece seja pela idade, seja pela forma como você se veste, por alguma atitude, algum viés que seja, e você já é desconsiderado. Algumas vezes eu sentia isso. Eu me preparava para a entrevista, estudava a empresa. Para mim, aquele era o grande momento da minha semana. Aí eu chegava lá e via alguém que talvez não estivesse preparado ou não estivesse interessado na mesma proporção. Em uma entrevista de menos de 15 minutos, o recrutador me dispensava. É dura a vida de quem está buscando um emprego. Assim como os recrutadores têm os problemas deles, a vida de quem busca emprego é muito dura, e todo mundo sabe.

No meu caso em particular, eu tive essa situação, eu não compartilho quem é a empresa para preservar, mas a recrutadora foi muito direta: ela me perguntou se eu não era muito velho para um cargo de marketing digital. 

Normalmente isso se processa de uma forma velada. A pessoa fala algo como: "obrigado, vou te contactar", e depois não te procura. E aí você fica imaginando qual foi o problema que aconteceu, será que meu currículo não era bom, será que eu não fui bem na entrevista, etc. Essa comigo foi muito clara. Eu tinha 47 anos, um bom perfil, currículo acadêmico, performance. Uso minha experiência para tangibilizar, para que fique bem visível o que acontece.

E, convenhamos, com a atual expectativa de vida, 47 anos é muito jovem ainda, né?

Como isso te afetou, do ponto de vista emocional e profissional?

Eu me senti decepcionado. Tem o que é controlável e o incontrolável, né?Se você está com sua autoestima positiva, é uma coisa. Mas se você já sofreu dez negativas, está com problema financeiro, precisando daquele emprego, e escuta uma negativa dessa, o mundo está conspirando contra você. Eu acho que depende muito do momento e do suporte que a pessoa tem, suporte familiar, financeiro, etc. Para muitos é um baque gigante. Para mim, foi uma decepção com o processo, uma decepção com a empresa que fez a entrevista e também um alerta para o tema.

Como o LinkedIn trata contratações multigeracionais?

Há pessoas mais velhas convivendo com as mais novas. Eu acho que é muito positivo para a saúde da empresa. Hoje, eu sou o funcionário mais antigo, e talvez o mais velho, mas a gente tenta ter essa diversidade e se preocupa com esse assunto. Do meu ponto de vista nas redes sociais, principalmente no LinkedIn, onde eu posto, eu tento trazer o assunto por dois motivos. Primeiro, porque eu acho importante, segundo porque eu vejo o que as pessoas me escrevem sobre o que elas passam. Eu acho que é importante fazer a minha parte, mostrar que esse viés existe. Independentemente de quantos seguidores eu tenho, do quanto os artigos são vistos, eu acho que quando você muda a mentalidade de algumas pessoas, já fez uma parte. Mas é longa uma jornada.

Palavras-chave LinkedIn entrevista etarismo

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Últimas Notícias