Guilhermo Garza
Publicado em 26/03/2025, às 20h56 - Atualizado em 28/03/2025, às 06h56
Protagonista do filme “O Último Azul”, Denise Weinberg, tem muito a comemorar. O longa, vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim, além de melhor filme da competição concedido pelo júri ecumênico, conta a história de Tereza, 77 anos, que é forçada a ir para uma colônia de idosos na Amazônia, sob o argumento de “uma vida melhor”, determinada pelo governo, e foge.
Assim, como sua personagem, Weinberg, que completa 69 anos em abril, também tem energia de sobra. “Estou no bônus extra”, brinca a atriz, refutando as supostas limitações da idade, e admite que nunca trabalhou tanto quanto nesta fase da maturidade.
Com 25 filmes no currículo, dezenas de peças de teatro e papéis na televisão, Weinberg defende que nunca é tarde para começar e cita Fernanda Montenegro como exemplo de longevidade e profissionalismo.
Quanto ao debate em torno da questão do etarismo no Oscar, Weinberg pondera que já houve premiações para atrizes maduras, mas que, no caso desta edição, que entregou a estatueta de melhor atriz para a jovem Mikey Madison, por seu papel em “Anora”, venceu a lógica do capitalismo.
“Não é nem a questão do etarismo. Eles investem numa pessoa jovem para que ela vire um produto e dê dinheiro para a indústria. É o conceito do capitalismo selvagem”.Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva para o Viva:
Eu não fiquei com medo, eu tive certeza de que um dia isso vai acontecer. O diretor (Gabriel Mascaro) classifica o filme como distópico, só tem a localização, que é a Amazônia. Eu falei que de distópico não tem nada. Porque se amanhã vier uma outra pandemia, é bem capaz de acontecer esse negócio. Vão tirar os velhos das casas, vão dar para os jovens trabalharem sem problemas. Na pandemia foi bem ventilado esse assunto, a gente tem que produzir, tem que trabalhar, tem que ir, o País não pode parar. Isso faz parte desse plano selvagem do capitalismo.
Eu fui assistir “Anora” e fiquei chocada, esse filme levou três Oscar. Não é nem a questão do etarismo, não é por aí. É o conceito do capitalismo selvagem, lançar uma pessoa jovem para que ela vire um produto e dê dinheiro para a indústria.
Nem vou discutir o trabalho dessa menina, o da Fernandinha e das outras atrizes que estavam concorrendo. O trabalho dessa menina é mais um, mas merecer um Oscar? A indústria já referendou várias atrizes com mais de 50 anos. O que me choca é o critério absurdo que as pessoas têm do que é bom, o que é incrível, mas não é. Como fizeram com a Gwyneth Paltrow e a Fernanda Montenegro (no Oscar de 1999). E a Fernandona está aí, estreando um filme chamado “Vitória”, muito significativo.
Nunca é tarde. Isso é lenda de quando a sociedade morria mais jovem. Para ser sincera, eu nunca trabalhei tanto quanto nessa época da minha vida. Um diretor de televisão me disse: ‘suas rugas valem ouro’, e comentou que não existe atriz na minha idade que não tenha feito plásticas.
Essa síndrome de ficar jovem é doentia. Eu prezo as minhas rugas. Talvez por eu nunca ter me preocupado em ser bonita. No teatro não tem isso, às vezes as bonitas ficam feias no palco e as feias ficam bonitas.
A sociedade global está envelhecendo e os jovens não querem ter filhos. Lá fora, eles estão escrevendo muito para velhos. Eu vi uma peça em Paris, chamada “Poeira”, sobre sete septuagenários que iam de férias todos os anos para uma praia. Foi incrível ver sete pessoas de mais de 70 anos no palco. O fato de as pessoas estarem envelhecendo mais vai fazer com que a cabeça das produções mude.
No filme “O Último Azul”, nem me preocupei em fazer uma velha. Eu fiz com a minha energia, pois não é porque a personagem tem 77 anos que a pessoa está capenga. É mostrar que mesmo com o etarismo, as pessoas estão produzindo, as pessoas têm sabedoria.
A arte te modifica e eu tenho a sorte de estar numa profissão onde as coisas não se repetem. Hoje eu estou aqui, amanhã em Berlim e, de repente, no Japão. Ter esse prêmio é como se falassem para mim: vai, siga em frente. É sempre assim na minha vida, quando eu estou quase jogando a toalha, vou me aposentar, pegar uma casinha no campo ou na praia e ficar por lá, aí a vida não me deixa.
Sim, parece que a gente está ressurgindo das trevas. É uma ressurreição mesmo. Acabaram com a gente, quase nos enterraram. Foi muito duro o que passamos. Muito emocionante isso, que estamos chamando a atenção para o cinema brasileiro. Quem poderia pensar isso há quatro anos?
Abriu-se um portão enorme, eu fico muito feliz de estar participando desse processo como artista no Brasil. O Walter Salles (diretor de “Ainda estou Aqui”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2025), junto com a Fernandinha (Fernanda Torres, indicada a Melhor Atriz), abriram um raio de luz e fomos nessa esteira. Eu ouvi coisas incríveis. As lindas críticas que saíram na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França. Foi unânime a imprensa internacional avalizar “O Último Azul”. É interessante que nós colonizados criamos uma obra e ela precisa do aval do colonizador para voltar para o Brasil avalizado. Essa síndrome do patinho feio.
Tem uma técnica para todos os trabalhos que faço, que é começar pela fala. Tem que ter a embocadura do personagem, não pode ser eu, a Denise, falando. Isso eu faço em casa, sozinha. Boto o texto na boca e fico repetindo todo dia até aquilo entrar na Denise, até eu entender que eu estou numa segunda natureza, que é a criação do personagem. Além disso, faço preparação física - pilates três vezes por semana, eu trabalho muito com o corpo.
Na Amazônia, foram dois meses filmando num barco parado no Igarapé. Tudo era dentro do barco, comer, se trocar, se maquiar. Nós ficamos em Manacapuru, cidade perto de Manaus, depois fomos para Novo Airão, no Rio Negro. Eu estou em todas as cenas, e ensaiava todos os dias, com o Rodrigo Santoro e com os atores que fazem papéis pequenos. Eu peguei um a um para me conhecerem, para a gente trocar, foi muito orgânico.
A gente trabalhava 12 horas por dia, e eu tinha o privilégio de ver o sol nascer e o pôr do sol. Só isso já é um detox. Realmente foi um presente que os deuses me deram. É impossível não sair modificada da Amazônia.
Desde jovem eu tive uma educação muito europeia. Meu pai era um judeu romeno. Nós íamos a concertos inglês, francês, balé, piano… o que me diferenciou de toda uma geração no Rio de Janeiro, que não estava nem aí para isso. Nós tínhamos um grupo de praia em Ipanema, onde estava o Eduardo Tolentino de Araújo, que hoje é o diretor do Grupo Tapas. Mas só fui me tornar atriz, de escrever ‘eu sou atriz’, quando vim para São Paulo, em 1986, perto dos 30 anos. Entramos com o Grupo Tapas no teatro Aliança Francesa, onde ficamos por 20 anos. O que mais me emocionou foi o Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, foram seis anos em cartaz, era genial. O Grupo Tapa mergulhou durante meses na pesquisa. E eu, como bióloga de formação, adoro pesquisar. Comecei no cinema em 1997, com “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende, e, a partir daí, viramos grandes parceiros, já fizemos sete filmes juntos.
Estou no bônus extra, já fiz o check-in na minha lista. Mas eu gosto de fazer coisas, eu gosto de saber. Quero usar minha energia para tirar um pouco dessa mediocridade abundante que o nosso País vive. Não tenho planos futuros, mas várias possibilidades. Não me deixam parar, e eu também não quero.
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