Obra de criador de Mafalda deixa de ser publicada por editora após 55 anos

São Paulo, 02/07/2025 - A obra do cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, conhecido mundialmente como Quino, deixou de ser publicada pela editora Ediciones de La Flor, responsável por seuslivros desde a década de 1970, incluindo as histórias da famosa personagem Mafalda.

A notícia foi publicada ontem nas páginas da empresa nas redes sociais. "Lamentamos que, pode decisão de seus sobrinhos herdeiros, não podemos mais continuar cuidando de sua obra como temos feito desde que nos escolheu como sua casa, há mais de meio século", diz a nota.

As publicações de Quino eram lançadas pela mesma editora há 55 anos, e a decisão de interromper o projeto veio da família do autor. Ao portal Infobae, Ana María “Kuki” Miller, uma das responsáveis pela Ediciones de la Flor disse que a notícia "os encheu com enorme tristeza".

"Me custa entender o motivo pelo qual os sobrinhos tomaram essa decisão. Mais de uma vez, quando conversávamos com Quino sobre o tempo que estávamos publicando suas obras, ele me dizia: 'Na Argentina, a Ediciones de la Flor deixará de me editar quando você decidir", afirmou.

Os sobrinhos mencionados na nota e na fala de Miller são os herdeiros de Quino, que faleceu em 2020. Até 2023, uma das sobrinhas, Julieta Colombo, era representante legal do cartunista, mas com seu falecimento os demais herdeiros entraram na operação do espólio. "Com a morte de Julieta, as decisões ficaram nas mãos dos sobrinhos, proprietários de toda a obra. Quero acreditar que eles realmente não sabiam o que seu tio aceitava ou não fazer com sua criação, já que sempre estiveram próximos afetivamente, mas não profissionalmente", completou Miller.

Quem é a personagem Mafalda?

Mafalda é fruto de uma campanha publicitária criada por Quino para uma rede de eletrodomésticos e foi lançada oficialmente como personagem de histórias em quadrinhos em 1964. Segundo artigo de Bárbara Zocal da Silva, publicado na revista 9ª Arte, da Universidade de São Paulo (USP), as primeiras tiras publicadas no semanário Revista Plana deram origem ao primeiro livro do autor e ganharam a América Latina e o mundo em 1966.

Na época, a personagem foi exceção entre os quadrinhos argentinos que conseguiram atravessar a fronteira territorial e editorial até serem publicados no Brasil por três editoras diferentes e um time de tradutores que incluía o cartunista brasileiro Henfil.

O período de publicações de Mafalda, de 1964 a 1973, foi historicamente conturbado, no qual a Argentina passava  por uma ditadura e outros países também enfrentavam golpes  militares e repressão política, enquanto o mundo ainda vivia sob ocontexto da Guerra Fria.

Silva escreve que, em  razão de sua abordagem política, Quino tinha em vista um público adulto e acreditava que o fato de suas tiras despertarem interesse também no público infantil devia-se aos meios de comunicação, "sobretudo os eletrônicos, que transmitem conteúdos nacionais e internacionais,  permitindo que as crianças reflitam mais sobre o que se passa em torno delas", e completa:

"O fato é que o caráter aparentemente infantil da Mafalda pode ter sido o que a livrou da repressão política, considerava Quino, embora a Argentina passasse por momentos de censura e inclusive algumas outras páginas de humor de sua própria autoria tivessem sofrido com isso".

Nos anos 1990 e 2000, as tiras de Mafalda foram amplamente usadas em atividades escolares e até provas de vestibular, fazendo com que a personagem caísse no gosto nacional e seguisse sendo citada e replicada até hoje, principalmente nas redes sociais.