O que explica as recuperações judiciais das companhias aéreas brasileiras?

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A companhia aérea Azul entrou com pedido de recuperação nos EUA

Por Elisa Calmon, do Broadcast

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Publicado em 29/05/2025, às 08h24
São Paulo, 29/5/2025 - O aumento das recuperações judiciais no setor aéreo não é uma exclusividade brasileira. No entanto, particularidades locais ajudam a explicar porque as três empresas que atuam no País entraram em Chapter 11 em um intervalo de cinco anos.

Entre os principais fatores estão o descasamento de moedas, já que a maior parte dos custos das companhias são dolarizadas, enquanto a receita é em real.

Além de elevar as despesas, principalmente com combustível, esse desencontro cambial pesa também no endividamento das aéreas brasileiras. Assim como os custos, as dívidas também são em dólar, o que as deixam mais expostas à valorização da moeda americana ante o real. A situação é agravada ainda pela alta taxa de juros local, que, de um lado, encarece a rolagem de dívidas e, de outro, inibe o consumo.

Diante dessa combinação de fatores, a Azul protagonizará o terceiro Chapter 11 de companhias aéreas no Brasil desde 2020. Há cinco anos, durante a pandemia, a Latam ingressou no processo, encerrado em 2022. No início do ano passado, foi a vez da Gol, que projeta a saída no início de junho. Especialistas consideram que não há demérito em recorrer ao instrumento, que permite, inclusive, que as empresas saiam mais fortes do processo. Contudo, a sequência de recuperações reflete problemas estruturais do setor no País.

"As companhias aéreas já têm margens muito baixas. Por isso, são menos resilientes a distúrbios econômicos. O problema é que no Brasil, o ambiente é ainda mais complexo, com alto custo de dívida, por exemplo", explica Júlio Favarin, sócio-fundador da Garín Partners, assessoria financeira especializada em infraestrutura.

O sócio-diretor da consultoria Macroinfra, Olivier Girard, reforça que a aviação sofre mundialmente com problemas financeiros. Isso exige que os governos intervenham por meio de subsídios ou participações nas empresas, o que não acontece no Brasil. "Para piorar, a estrutura de custos aqui é muito voltada para o arrendamento (leasing) e combustível, cobrados em dólar. Por outro lado, as passagens, principal fonte de receita das companhias, são pagas em real", afirma.

Os altos custos com funcionários também são citados por Girard, assim como o acesso limitado da população a viagens aéreas. "Apesar de o País ter dimensões continentais, o que torna a aviação essencial, a maior parte da população não tem recursos financeiros para viajar de avião", diz, destacando que isso leva com que empresas tenham que reduzir preços de passagens para ocupar as aeronaves.

Thomaz Santana, sócio da PGLaw, também vê os custos com leasing e combustível como principais gargalos para a aviação brasileira. O advogado complementa que, na outra ponta, um dos principais ativos das companhias, os slots (espécie de cota que define os horários que cada companhia pode pousar e decolar), são concessões públicas, ou seja, não pertencem, de fato, às empresas. "A pressão de custos é agravada pela flexibilidade desses ativos", avalia.

Os altos índices de casos judiciais envolvendo a aviação é outro fenômeno brasileiro que pressiona os balanços das companhias. O Brasil concentrou 98,5% de todas as ações judiciais contra as aéreas no mundo entre 2020 e 2023, segundo estudo da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) divulgado no ano passado.

Por que decretar recuperação nos EUA?

Além da sequência de recuperações judiciais de companhias brasileiras, chama a atenção também o fato de todas as três companhias terem optado pelo Chapter 11 nos Estados Unidos. Os especialistas atribuem isso ao fato da maioria dos credores das companhias serem internacionais e à maior segurança jurídica. "O processo no Brasil é muito mais ruidoso, então o risco jurídico é maior", afirma Favarin, da Garín Partners.

Na mesma linha, Santana, da PGLaw, também afirma que o mercado dos EUA prevê maior segurança jurídica, enquanto é mais vantajoso também do ponto de vista econômico. "Se uma empresa pede recuperação judicial no Brasil, os bancos fecham a torneira. Lá fora, há muito mais acesso ao mercado secundário de financiamento", explica.

A familiaridade da Justiça americana com Chapter 11 aéreos contribuem para que o instrumento seja mais consolidado nos EUA. Apesar das recuperações judiciais do setor serem comuns também por lá, a pulverização do mercado minimiza os impactos, segundo Girard, da Macroinfra. "Até mesmo se uma aérea falir nos EUA, o impacto é menor, porque as empresas possuem participações de mercado menos relevantes, diferente do que acontece no Brasil, com apenas três empresas atuando", diz.

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