Brasília, 08/08/2025 - Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que as transferências do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) - destinadas a operações de crédito - vêm sendo registradas como despesa financeira, e não como despesa primária, o que mascara o real impacto dos valores nas contas públicas.
A análise consta em uma nota técnica obtida pela Broadcast. Entre 2022 e 2024, esses repasses totalizaram R$ 14,68 bilhões, evidenciando um aumento expressivo nos recursos direcionados ao setor, segundo a Corte de Contas. O TCU também vê nas operações um subsídio oculto, não registrado no Orçamento.
O movimento foi identificado no âmbito da auditoria operacional conduzida pelo TCU, que tem como objetivo investigar a realização de despesas públicas ou financiamento de políticas públicas por meio de recursos que não transitam diretamente pelo Orçamento da União. A auditoria, aprovada em dezembro de 2024 pelo presidente da Corte de Contas, ministro Vital do Rêgo Filho, tem como relator o ministro Bruno Dantas.
O que é o FNDCT
O FNDCT é um fundo público de fomento à ciência e inovação no Brasil, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Parte de seus recursos é operada pela Finep, estatal responsável por financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento em empresas e instituições, por meio de crédito ou apoio direto.
O fundo tem sua previsão de recursos definida anualmente na Lei Orçamentária Anual (LOA) e integra o orçamento do MCTI. Em 2025, a peça destina R$ 14,67 bilhões ao fundo, dos quais 50% vão para operações de crédito por meio da Finep. O restante contempla ações não reembolsáveis, com foco em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Distorções
A unidade fiscal do TCU apontou duas distorções no modelo de repasse do FNDCT para a Finep. A primeira, classificada como "custo fiscal oculto", decorre da substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa Referencial (TR) - mais baixa - nos financiamentos concedidos pela Finep, em razão de uma lei sancionada em 2023. A mudança foi aplicada inclusive de forma retroativa, atingindo contratos já firmados.
Como os recursos utilizados nos financiamentos têm origem no FNDCT, a cobrança de juros menores reduz o retorno financeiro ao fundo. Na prática, segundo o TCU, isso configura um subsídio implícito cujo custo total não é demonstrado no Orçamento, comprometendo a transparência das contas públicas.
A segunda distorção diz respeito à classificação contábil das transferências como despesa financeira. O TCU questiona esse enquadramento, uma vez que a Finep não está sujeita às mesmas exigências prudenciais impostas aos bancos comerciais. Com isso, a contabilização atual pode estar subestimando o déficit primário da União, ao não considerar essas transferências como despesa primária.
A proposta preliminar da auditoria sugere recomendar ao Banco Central uma reavaliação na atual classificação fiscal dos repasses, além de propor ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) o desenvolvimento de uma metodologia capaz de calcular e dar transparência ao valor total dos subsídios implícitos nessas operações. As sugestões ainda aguardam manifestação formal dos gestores responsáveis.
Procurado, o MPO disse em nota que não comenta auditorias que ainda estão em curso no TCU. A Pasta reforçou que a Lei Complementar nº 177, de 2021, que alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e a Lei nº 11.540, de 2007 (que rege o FNDCT), vêm sendo atendidas conforme preveem as regras fiscais no âmbito dos Orçamentos da União.
Já o MCTI informou que a Finep está em diálogo com a Corte de Contas sobre a matéria. O Ministério reforçou que a discussão encontra-se ainda em fase preliminar e envolve outros órgãos do Executivo e empresas públicas.
Auditoria
A auditoria conduzida pelo TCU já identificou cinco grandes conjuntos de achados na execução orçamentária e fiscal do governo federal. O primeiro ponto evidencia a existência de receitas e despesas de natureza pública que não são registradas no Orçamento da União. O segundo mostra que fundos privados vêm sendo capitalizados com recursos públicos sem passar pela Conta Única do Tesouro Nacional e sem autorização orçamentária formal.
Já o terceiro achado aponta o descumprimento de princípios orçamentários e a perda de transparência na condução de políticas públicas financiadas por meio desses fundos. O quarto item aponta os efeitos fiscais decorrentes do uso dessas estruturas para conceder crédito. Por fim, a quinta categoria ressalta o risco de perda de credibilidade na gestão fiscal e orçamentária da União diante da persistência dessas práticas.