Algoritmos e outdoors em aeroportos fazem processos contra aéreas decolar

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Por meio das redes sociais, anúncios chegam antes mesmo de o passageiro voar -- identificados a partir de algoritmos - Envato
Por meio das redes sociais, anúncios chegam antes mesmo de o passageiro voar -- identificados a partir de algoritmos

Por Elisa Calmon e Luiz Araújo, do Broadcast

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Publicado em 25/06/2025, às 17h16 - Atualizado às 18h58

São Paulo e Brasília, 25/06/2025 - As propagandas de empresas que mediam processos judiciais contra companhias aéreas estampam as áreas dos maiores aeroportos do Brasil. Por meio das redes sociais, os anúncios chegam antes mesmo de o passageiro voar - identificados a partir de algoritmos. Essas estratégias de captação dividem opiniões, com debate que busca identificar o limite entre o direito dos consumidores e exageros que podem pesar sobre a viabilidade operacional da aviação comercial.

Por um lado, advogados e consultorias defendem que quanto mais informado o passageiro estiver sobre seus direitos, menor é a chance de ele ser lesado. Na outra ponta, representantes do setor avaliam que as propagandas estimulam uma judicialização excessiva, gerando mais custos para as empresas e, consequentemente, para os passageiros, já que o risco é embutido no preço dos bilhetes. Os custos com processos movidos por clientes saltaram de R$ 586 milhões em 2018 para R$ 1,16 bilhão em 2023 - último ano com dados consolidados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

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Anúncios oferecendo os serviços aos passageiros - Reprodução



Na área externa do Aeroporto de Brasília - o terceiro mais movimentado do País - dezenas de painéis de led alternam entre publicidades de companhias aéreas e de empresas especializadas em processá-las. "Seu voo atrasou? Teve a mala extraviada? Conheça seus direitos", diz um dos anúncios. Após uma viagem, ainda que sem qualquer intercorrência, é frequente o recebimentos de publicidades em redes sociais com a promessa de praticidade no processo e potenciais ganhos financeiros.

Limite da regularidade

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) observa desafios éticos na linha tênue entre informar o consumidor e captar clientes de forma indevida. A Ordem divide as publicidades entre passivas e ativas, permitindo apenas o primeiro grupo. A publicidade passiva é a divulgação que atinge um público específico que já buscou informações sobre o anunciante, sobre os temas anunciados, ou que concordou previamente em receber a comunicação. Já a ativa é a divulgação que visa atingir um público indeterminado.

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As irregularidades se caracterizam também quando, por exemplo, o marketing utiliza resultados favoráveis como peça publicitária. É o que explica o advogado Josué Justino, presidente da 28ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB São Paulo. "Não é a simples publicação do resultado, mas o fato de que isso gera uma expectativa que pode não se concretizar, já que cada caso terá entendimentos diferentes dos juízes", afirma. As punições vão desde termos de ajustamento de conduta (TAC) até censuras públicas e suspensões temporárias da advocacia em casos graves.

No entanto, advogados especializados nesse tipo de processo e as empresas mais conhecidas no segmento se promovem justamente divulgando o número de processos vencidos e detalhando casos. Há perfis no Instagram dedicados apenas a oferecer esses serviços. Uma advogada que conta com mais de 300 mil seguidores, por exemplo, publica diariamente relatos de clientes que chegam a ganhar R$ 20 mil de indenização.

Assessorias

Ainda que apontada como irregular pelas companhias aéreas e até por escritórios de advocacia consultados pela reportagem, há no mercado de judicialização uma figura que dribla as diretrizes da OAB. São as chamadas consultorias ou assessorias, que ficam responsáveis pela captação e no máximo por tentativa de acordo extrajudicial, mas não por mover um processo na Justiça. Essa etapa, se necessária, é terceirizada a escritórios parceiros.

A AirHelp está no grupo que se define como intermediário. A empresa diz ser líder global no segmento, afirmando já ter "ajudado 2,5 milhões de passageiros a receber suas indenizações" em todo o mundo. Na visão de seus representantes, não há impedimentos sobre o uso de publicidade a partir de algoritmos nas redes sociais. Eles defendem que esse é um serviço que colabora para informar os consumidores.

Para a empresa, o alto volume de ações judiciais não se deve à litigância predatória, mas à resistência das companhias aéreas em solucionar os conflitos a partir de acordos. Sobre a definição quanto seguir ou não com uma causa, a AirHelp diz que realiza uma triagem prévia rigorosa, com análise documental e verificação da elegibilidade de cada caso.

Compra de créditos

Entre as empresas no segmento, há aquelas que oferecem pagamentos adiantados pela compra dos direitos legais do consumidor. "Compramos o seu problema e você não precisa se preocupar com mais nada. Dinheiro na conta", diz um anúncio impulsionado pelo Google. Outra empresa anuncia: "Somos a única a pagar até R$ 1,2 mil na hora pelo seu problema com voo".

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 Também há oferta de pagamentos adiantados pela compra dos direitos legais do consumidor - Reprodução



Depois disso, os processos são conduzidos e, em caso de indenização, todo o valor ficará com a empresa que comprou os direitos do processo. Essa prática já foi criticada publicamente pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. "Hoje, depois de um atraso de uma hora, um escritório de advocacia entra em contato com o cidadão e ele recebe R$ 1 mil. Depois de seis, sete meses, a companhia tem que pagar R$ 7 mil. Completamente contraproducente. Não podemos compactuar com isso."

Embora o entendimento médio seja de que indenizações só cabem para atrasos superiores a quatro horas, há diversos caminhos para forçar uma cobrança por tempo inferior. A AirHelp, por exemplo, diz em seu site que clientes podem ter esse direito a partir de duas horas de atraso. Uma definição exata sobre esses parâmetros está entre as demandas das companhias aéreas.

Palavras-chave Brasília aéreas processos voos

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