Crianças e adolescentes estão expostas à violência em plataformas digitais

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O Viva localizou, em buscas simples pelo TikTok e Instagram, diversas páginas e postagens com conotação sexual infantil ou com invites (convites virtuais) para servidores de conversa - Adobe Stock
O Viva localizou, em buscas simples pelo TikTok e Instagram, diversas páginas e postagens com conotação sexual infantil ou com invites (convites virtuais) para servidores de conversa
Por Paula Bulka Durães [email protected]

Publicado em 21/06/2025, às 09h27

São Paulo, 21/06/2025 - Roblox e Discord são nomes que as crianças e adolescentes conhecem bem. Ambas são plataformas digitais, com o recurso de chat (troca de mensagens) em tempo real. Se o seu filho ou neto estuda de manhã, por exemplo, provavelmente a primeira coisa que ele faz ao chegar em casa é acessar pelo celular ou computador uma dessas plataformas para conversar e jogar com os amigos online.

Se antigamente o MSN, bate-papo da Microsoft, era a escolha certeira dos jovens para se comunicar, hoje a cartela aumentou e muito. A Roblox é uma plataforma com jogos desenvolvidos pelos próprios usuários, mas as opções passam pelo Valorant, League of Legends (LoL), Counter-Strike (CS) e tantos outros games com chat ou microfone ativo na tela. 

O Discord soma-se ao Instagram, Telegram, TikTok e Whatsapp, como redes sociais em que crianças e adolescentes vivem conectadas. Se por um lado, a diversão reina no ambiente virtual, por outro, predadores sexuais, agressores que praticam bullying e cyberbullying e comunidades que propagam discursos machistas e misóginos podem estar à espreita de vítimas vulneráveis. 

O Viva localizou, em buscas simples pelo TikTok e Instagram, diversas páginas e postagens com conotação sexual infantil ou com invites (convites virtuais) para servidores de conversa no Discord e na Roblox. 

Falando especificamente desses convites, eles são identificáveis pelo termo “paneleiros”, como são chamados os membros de chats que manipulam, aliciam e chantageiam menores de idade a praticar desafios violentos, como prender a própria respiração, se automutilar ou enviar fotos com conotação sexual. 

No ano passado, Pedro Ricardo Conceição da Rocha, conhecido como “King do Discord” foi condenado pela Justiça do Rio de Janeiro por crimes como estupro de vulnerável, associação criminosa e divulgar e armazenar conteúdo erótico infantojuvenil. No Instagram, encontramos páginas que criam crianças e adolescentes através da inteligência artificial (IA), repletas de comentários alarmantes.

A dúvida que fica, com tamanha facilidade de acesso a páginas e chats violentos, é como proteger as crianças e adolescentes que já têm livre acesso ao ambiente virtual.

Para a embaixadora do Movimento Desconecta e ativista contra a violência sexual e online, Sheylli Caleffi, é preciso ter um diálogo claro com o jovem sobre o que ele pode encontrar nas redes e obedecer o limite etário imposto por cada plataforma.

“É uma responsabilidade orientar e conversar sobre todos os riscos, porque a partir do momento em que a criança ou adolescente tiver acesso a redes sociais e a determinados ambientes sem supervisão, ele pode ter contato com conteúdos nocivos. ‘Ah, mas meu filho é muito pequeno, como é que eu vou falar de pornografia?’ Bom, então não está na hora dele entrar na rede social”. 

Para fazer uma conta em uma rede social ou jogo, o jovem assinará um contrato, através dos termos de uso de cada plataforma. A ativista reforça que o próprio ato de cadastro deve ser olhado com atenção. Os pais precisam entender minimamente as configurações e termos de uso de uma rede social antes de permitir que o filho faça a conta. "Para começar, aplicativos como a Roblox não permitem usuários menores de 10 anos em jogos online e isso deve ser respeitado. E o próprio fato de estar na rede já significa ter cedido permissões de uso de dados, então devemos pensar: com que idade devo permitir uma criança assinar um contrato?”, afirma.

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Post no TikTok de convite para servidor na Roblox de "paneleiros" - Reprodução/TikTok

A educadora parental e pós-graduanda em Neurociência e Desenvolvimento Infantil pela PUC-RS, Priscilla Montes, reforça que as crianças e  adolescentes precisam se sentir pertencentes ao ambiente familiar. “Jovens que se sentem reprimidos ou que convivem com uma educação excessivamente rígida tendem a buscar online um espaço onde se sintam aceitos, valorizados e importantes. A ausência de afeto e diálogo é, muitas vezes, a raiz de comportamentos destrutivos no ambiente digital”, explica.

A química Laís*, 45, é mãe do Chico*, de 12 anos. Desde pequeno, o filho tem acesso ao computador da família e aparelho de videogame, mas com cautela e diálogo. "Olha, eu fico bem tranquila, porque temos um combinado que funciona. Eu não determino muito o tempo de tela porque eu vejo que ele acaba se cansando sozinho. Ele faz karatê e academia nas horas vagas. Uma regra que criamos é que ele pode jogar, desde que as notas não caiam e prejudiquem o aprendizado na escola".

Montes alerta que os pais e avós devem estar atentos a mudanças de comportamento das crianças e adolescentes, como isolamento repentino, irritabilidade excessiva ou tristeza constante, queda no desempenho escolar, alterações no sono ou apetite e sintomas psicossomáticos, como dores de cabeça e abdominais frequentes, febre e gastrite. Usar roupas de inverno, como moletons, em dias quentes, também podem ser um sinal de atenção. 

Conheça o Discord e a Roblox

O Discord é um aplicativo de conversa desenvolvido para o público gamer. A diferença para uma plataforma de trocas de mensagem como o WhatsApp é a quantidade de recursos, que permitem a criação de servidores, grupos fechados de usuários, com canais de voz e texto. Também é possível fazer transmissões de tela e videochamadas. A idade mínima para criar uma conta é 13 anos. 

Em servidores maiores, formados por comunidades que jogam um determinado game ou que tem gostos parecidos, existe a possibilidade de adicionar cargos de administração, como moderadores. A interface permite compras online para customizar os perfis, como o update para conta "Nitro", que adiciona mais funcionalibilidades a conta. 

Já a Roblox é plataforma de desenvolvimento de jogos, ou seja, dentro do aplicativo, os usuários podem programar jogos simples a mais complexos e liberar o acesso online. O programa ainda permite a monetização desses jogos e compras e vendas de itens virtuais, através da moeda digital "Robux". Em alguns games, o chat e o microfone são liberados. 

Em nota para o Viva, a Roblox reafirma o compromisso em investir em tecnologias de segurança cada vez mais avançadas, incluindo o desenvolvimento de ferramentas de controle parental de gerenciamento remoto. Segundo o aplicativo, existem hoje milhares de moderadores fiscalizando os jogos, além filtros de detectação de violações nos chats.

"No painel de Controle dos Pais, é possível visualizar o tempo médio de uso de tela na última semana e a lista de amigos da criança. Pais e responsáveis também podem definir limites diários de tempo de uso. Pessoas com menos de 13 anos não podem enviar mensagens diretas para outras fora dos jogos ou experiências (também conhecido como chat da plataforma)", diz a Roblox.

A plataforma também fundou o sistema Lantern, de compartilhamento de sinais com outras redes sociais e games online, já que entendem que os perigos não ficam limitados ao site.

O TikTok disse monitorar continuamente conteúdos que direcionam usuários a grupos extremistas, incluindo as chamadas "panelas" e convites para outros aplicativos, como Discord. Conteúdos que violam as Diretrizes da Comunidade são sempre excluídos quando encontrados, de acordo com a rede social. No útlimo trimestre de 2024, a plataforma afirmou ter removido 98% do conteúdo violento foi removido antes de receber denúncia. O site também disponibiliza controle parental para contas de usuários de 13 a 18 anos, através do Guia de Controle Pais e Responsáveis e da ferramenta de Sincronização Familiar.

A reportagem não obteve respostas da Meta (Instagram) e Discord até o fechamento.

E se meu filho ou neto for uma vítima?

Caso tenha havido crime, o primeiro passo é recolher o maior número possível de provas, como explica Jennifer Moraes, doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca.

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Convite para servidor no Discord, em vídeo do TikTok - Reprodução/TikTok

“A primeira atitude é não apagar qualquer tipo de material que possa ser utilizado como prova, antes mesmo de fazer a denúncia, como capturas de tela das conversas e o nome da conta dos usuários agressores. Lógico, não é obrigação da vítima fornecer nenhum tipo de evidência, mas é uma etapa que facilita o andamento da investigação”, explica a advogada.

A segunda etapa é registrar o crime em uma delegacia, de preferência uma especializada no atendimento a criança ou adolescente, além de denunciar os conteúdos pela própria plataforma, depois da coleta dos materiais, para que não seja excluída nenhuma evidência.

“É uma delegacia que vai ter um maior cuidado na lida com a vítima, no sentido de extrair o ocorrido com mais gentileza, mas é possível registrar o crime como um boletim de ocorrência em qualquer unidade policial ou virtualmente”.

Hoje no País, a proteção de crianças e adolescentes de violências na internet é prevista pelo conjunto dos Códigos Penais estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pelo Marco Civil da Internet e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como explica a advogada Patrícia Peck, doutora em Direito pela USP. 

“A União Europeia, por exemplo, impõe obrigações mais rigorosas às grandes plataformas, exigindo a avaliação e mitigação de riscos sistêmicos, a implementação de mecanismos eficazes de denúncia e ação para conteúdo ilegal e prejudicial. No Brasil, embora não tenhamos uma lei equivalente específica, a interpretação conjunta das três legislações, somada aos debates sobre a regulamentação das plataformas, aponta para uma maior responsabilização e exigência de medidas preventivas e proativas”.

Quando a criança ou adolescente é o agressor

A minissérie Adolescência (2025), da Netflix, mostrou ao público global um outro lado – a da criança e adolescente agressora, com reprodução de conteúdo misógino, de ódio, desprezo e preconceito contra as mulheres. Esse é um conteúdo bastante difundido nas “panelas” dos Discord e da Roblox.

A advogada Patricia Peck reforça que para ser considerado ato infracional, o adolescente deve ser maior de 12 anos. Entretanto, só vai responder no sistema penal do País jovem maior de 18 anos, como assegurado pelo ECA. A legislação também difere quando o crime é cometido com intenção ou quando o jovem é manipulado, chantageado ou ameaçado para agredir o próximo, com penas estabelecidas diferentes. 

Se os responsáveis legais se depararem com a criança ou adolescente enquanto autora das violências, a melhor saída é buscar ajuda psicológica para o agressor. “O réu não é obrigado a produzir prova contra si mesmo", diz Peck.

"Agora, o que eu vejo como imprescindível nesses casos é um acompanhamento psicológico. Os pais precisam, a partir do momento que houve esse fato, pensar no futuro, para não prejudicar mais ainda o desenvolvimento de um ser humano que está em processo de amadurecimento”.

Glossário da violência

Como repercussão da série Adolescência (Netflix), mães e pais se reuniram para montar um glossário de termos, gírias e emojis potencialmente prejudiciais utilizados nas plataformas sociais e de games

Vale reforçar que nem sempre esses símbolos postados na internet carregam essas traduções, pois são termos e figuras normalmente apropriadas dentro de comunidades violentas e predatórias específicas. Usamos como base parte do conteúdo do Guia Vivo da Cultura Digital Jovem.

  • Incels (involuntariamente celibatários): jovens que culpam as mulheres por não conseguirem se relacionar afetivamente ou sexualmente;
  • Redpill: exploram essa dor e insegurança masculina vendendo cursos sobre “como ser um homem de verdade” (muitos com foco em dinheiro e dominação);
  • Grooming: Manipulação emocional de menores por adultos;
  • 🍆 e 🍑: Genitais (conotação sexual);
  • 💊 Red / Black Pill: Discurso machista e niilista;
  • 💯: Referência à “regra 80/20” (poucas mulheres escolhem poucos homens);
  • 🌀🏈🍕: Códigos que podem ser usados em contextos de pedofilia.

*Nome fictício para proteger a identidade da fonte.

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