Confira os prováveis impactos do aumento da tarifa dos EUA a produtos brasileiros

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Tarifa de 50% imposta por Trump ao Brasil tem impacto, mas sem desastre no PIB - Adobe Stock
Tarifa de 50% imposta por Trump ao Brasil tem impacto, mas sem desastre no PIB

Por Por Aline Bronzati, Eduardo Laguna, Altamiro Silva Júnior e Gustavo Nicoletta e Márcio Rodrigues, da Broadcast

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Publicado em 10/07/2025, às 08h08 - Atualizado às 08h09

Nova York e São Paulo, 10/07/2025 - Do alívio à perplexidade, a tarifa dos Estados Unidos contra o Brasil subiu do piso (10%) para o teto (50%), numa medida que, se não for revertida, ameaça riscar a maior economia do mundo do mapa de muitos exportadores. Os efeitos da taxação devem pesar, sobretudo, no câmbio, com o dólar futuro já sendo atingido, e agrava ainda mais a situação de processos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) entre empresas brasileiras e americanas.

Pode causar recessão?

Não. Mesmo sendo o segundo maior destino dos embarques brasileiros, os Estados Unidos não têm peso suficiente para levar sozinho a economia brasileira à recessão, de modo que o impacto no Produto Interno Bruto (PIB), ainda que não desprezível, deve passar longe de ser uma tragédia. Nas contas do Goldman Sachs, se forem "duradouras e sem grandes retaliações", as novas tarifas de Trump podem ter impacto negativo de 0,3 a 0,4 ponto porcentual no PIB brasileiro. O cenário-base do banco americano já contempla efeito de 0,1 ponto porcentual.

Depois de ameaças, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na tarde de quarta-feira uma tarifa de 50% a produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto, muito acima dos 10% anunciados em abril. No primeiro anúncio do tarifaço, em 2 de abril, o sentimento entre exportadores brasileiros era de "dos males, o menor". Havia até mesmo uma leitura de que o Brasil poderia tirar vantagem por ter ficado com a menor tarifa.

Só que o cenário mudou radicalmente hoje, com Trump comunicando que o Brasil vai pagar a maior alíquota, o que impõe ao Brasil o desafio de buscar novos clientes quando o resto do mundo também procura destinos alternativos aos Estados Unidos.

A imprevisibilidade já é a principal marca da política comercial americana, mas ainda assim o anúncio não deixou de surpreender, já que as apostas eram, em geral, de que Trump não elevaria a taxa de entrada dos produtos brasileiros para mais de 20%.

"É um grande aumento, porque a tarifa efetiva sobre o Brasil agora é de cerca de 8%. Então, aumentar de 8% para 50% parece assustador, enorme", avaliou a economista-chefe de mercados emergentes da gestora VanEck, Natalia Gurushina, baseada em Nova York.

Quais setores serão afetados?

Para o consultor Welber Barral, a tarifa de 50% deixa o Brasil praticamente de fora do mercado americano, já que os consumidores dificilmente aceitarão o repasse da elevação tarifária, exceção a produtos específicos e insubstituíveis. "Não tem como transferir isso para o preço, né? Então, a maioria [dos setores] vai ter um impacto grande na exportação", comentou Barral.

O economista e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas diz que a tarifa de 50% a produtos brasileiros anunciada pelos Estados Unidos carece de fundamento econômico e terá um impacto significativo sobre empresas exportadoras. "É uma medida que não tem fundamento econômico e, pela própria forma como foi veiculada, é um exercício de geopolítica imperial. Cita questões políticas, diz que o Supremo Tribunal Federal censura empresas, o que absolutamente não é verdade", diz.

Segundo ele, entre os setores mais prejudicados por uma tarifa desta magnitude estão o siderúrgico e a indústria de aviação - a Embraer e seus fornecedores. "Os empresários do setor do aço não vão dormir esta noite. É um produto que já vinha perdendo competitividade", acrescenta. O agronegócio também deve ser prejudicado pela tarifa de 50%, especialmente a venda de café e carnes.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a taxação de Trump inviabiliza o comércio de manufaturas com os Estados Unidos. As empresas, numa primeira reação à medida, devem suspender vendas aos Estados Unidos, até que se tenha uma definição sobre as tarifas. Conforme Castro, agora é a hora da diplomacia entrar em campo na tentativa de reversão.

Se aplicada a partir de 1º de agosto, conforme anunciado por Trump, a tarifa tornaria inviáveis os negócios com os EUA para vários setores. Associações empresariais e comerciais como Confederação Nacional da Indústria (CNI), Abiquim (indústria química), Abit (indústria têxtil), Abicalçados, Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) e Câmara de Comércio Americana para o Brasil (Amcham) manifestaram preocupação com os possíveis efeitos da medida, que não teria sentido econômico, uma vez que os EUA têm superávit comercial com o Brasil.

O aumento da tarifa de importação a produtos brasileiros atrapalha o plano de empresas de comprarem ou se fundirem com concorrentes americanas para tentar crescer nos Estados Unidos. O ambiente de crescente incerteza tem feito as próprias companhias americanas postergarem negociações de fusão e aquisição e já há relatos de operações de brasileiras que foram paralisadas nos últimos dias.

O Brasil pode retaliar?

Ramos, do Goldman Sachs, diz que a retaliação geraria um impacto negativo maior na atividade brasileira e na inflação, mas esse movimento ainda não está claro. "A inclinação política pode ser para fazê-lo, mas antecipamos que os exportadores locais instarão o governo a desescalar", diz.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica".

Ao impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos (EUA), Trump usou como um dos argumentos "déficits comerciais insustentáveis" contra o seu país. Mas a frieza dos números não corrobora as palavras de Trump. Aliás, se considerarmos os 25 anos deste século, o Brasil só teve superávit comercial com os norte-americanos nos primeiros oito, entre 2001 e 2008. A partir de então, são 17 anos consecutivos de saldo negativo nas trocas de mercadorias, incluindo o resultado acumulado em 2025 até agora.

"Entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, que causam déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!", afirmou o presidente dos EUA na carta endereçada a Lula.

No entanto, de 2008 em diante, último ano em que o Brasil teve superávit com os EUA, de US$ 928 milhões, o saldo negativo acumulado pelos brasileiros em relação aos americanos supera US$ 90 bilhões.

O governo brasileiro vinha, inclusive, usando essa sequência de déficits como argumento contra as tarifas impostas ao País. Desde a cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro, que reuniu países não alinhados aos EUA, como o Irã, e que resultou em uma declaração favorável ao uso de uma moeda única nas trocas comerciais, além de críticas às políticas comerciais dos EUA e aos ataques dos americanos ao país persa, o tom de Trump contra o Brasil e nações alinhadas ao Brics endureceu.

Interferência política

A motivação política da taxação de Trump aos produtos brasileiros também repercutiu nos EUA, da política à economia. O CEO da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, afirmou que os americanos estão interferindo na política interna do Brasil com a justificativa de que a alíquota responde aos ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na carta direcionada ao presidente Lula, o republicano afirmou que a taxação é uma resposta ao tratamento dado pelo País ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas de tecnologia.

Trump abre a carta dizendo: "Eu conheci e tratei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro e o respeitei muito, assim como a maioria dos demais líderes de países. A maneira como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!"

"Seria intolerável para os líderes políticos americanos (republicanos e democratas) se outro país tentasse isso nos Estados Unidos", avaliou Bremmer, em seu perfil no 'X'.

Já Paul Krugman, economista norte-americano, vencedor do Nobel de Economia de 2008, disse que a nova tacada de Trump é motivo para o impeachment do atual chefe da Casa Branca. "Se ainda tivéssemos uma democracia que funcionasse, essa jogada contra o Brasil seria, por si só, motivo para impeachment", diz Krugman, em postagem, nesta quarta-feira. A medida é "tanto maligna quanto megalomaníaca" e não deve ser ignorada, conclui.

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