Neca Setubal: "O envelhecimento não me assusta. Hoje sou uma pessoa melhor"

Nellie Solitrenick

Filantropa e socióloga, Neca Setubal ganhou destaque em 2025 com podcast 'Escute as Mais Velhas', sobre feminismo e longevidade - Nellie Solitrenick
Filantropa e socióloga, Neca Setubal ganhou destaque em 2025 com podcast 'Escute as Mais Velhas', sobre feminismo e longevidade
Por Bianca Bibiano [email protected]

Publicado em 18/06/2025, às 08h00

São Paulo, 18/06/2025 - Filantropa, socióloga e recém nomeada presidenta do Conselho da Fundação Padre Anchieta, Maria Alice Setubal, 73, é uma voz ativa no debate sobre educação e direitos sociais no País. Conhecida como Neca, em 2024 ela abraçou uma nova empreitada nessa direção, lançando em parceria a amiga, filósofa e ativista Sueli Carneiro o podcast 'Escute as Mais Velhas', da Fundação Tide Setubal e produzido pela Rádio Novelo.

A primeira temporada foi ao ar em março e terminou no início deste mês, com foco em resgatar e valorizar a trajetória de mulheres que atuaram e continuam atuando no espaço público pela luta feminista e pelos direitos sociais no Brasil. As conversas trazem nomes como a escritora Conceição Evaristo, a cantora e deputada estadual Leci Brandão, a socióloga e cientista política Jacqueline Pitanguy e a socióloga Maria Malta Campos, dentre outras que ajudam a entender e consolidar a presença feminina na construção da redemocratização.

Em entrevista ao Viva, ela, que também é uma das herdeiras do Banco Itaú, contou como surgiu a ideia do podcast, como vê seu próprio envelhecimento e como tem enxergado a educação e o etarismo em uma sociedade marcada por uma mudança na pirâmide etária. Confira:

Viva: Por que você decidiu criar o podcast? Qual era a motivação inicial?

Neca Setubal: A Sueli Carneiro e eu nos tornamos muito amigas. Ela faz parte do conselho curador da Fundação Tide Setubal, e em uma das nossas conversas eu sugeri: “Sueli, vamos nós duas sermos entrevistadoras? Podemos conversar com mulheres que atuaram no espaço público, que lutaram pelas mulheres, pelo feminismo”. Pensamos em trazer mulheres negras e brancas, de trajetórias diversas. Sueli, que costuma ser meio resistente a dar entrevistas, topou na hora, desde que fosse para fazer perguntas, não para respondê-las [risos].

Ela tinha muito essa preocupação de trazer a história do feminismo, especialmente dessa segunda onda, para que as jovens conhecessem. Ela achou que o podcast era um veículo inovador, que as jovens escutariam. Há livros que registraram essa história, como os da Jacqueline, da Branca Moreira Alves e tantas outras, mas o podcast é mais vivo, mais contemporâneo. Ela topou na hora.

E como esse processo do podcast te iluminou para um novo olhar sobre o envelhecimento feminino? O que te trouxe de novidade?

Para mim, foi muito interessante. Eu gosto muito do formato, mas como ouvinte, não sou jornalista, não sou entrevistadora. Foi uma experiência muito interessante ver o alcance. Foi surpreendente como ele furou muitas bolhas. A temporada terminou agora, mas desde o dia que começou, em todo lugar que eu e Sueli vamos, alguém menciona o podcast. Pessoas mais velhas, jovens, homens, mulheres, pessoas do setor financeiro, da periferia... Ficamos muito felizes.

O que fez com que esse podcast furasse tantas bolhas? 

Primeiro, é um tema importante. Às vezes, o feminismo é um gatilho que afasta, mas trazer histórias de mulheres mais velhas, que foram pioneiras, que venceram muitos preconceitos e que estão atuando até hoje, fez muita diferença. Elas não trouxeram uma fala nostálgica, é uma história em movimento, viva, contemporânea.

Muitas têm 70, 80 anos e ainda estão atuantes. Contaram suas histórias de uma forma que faz sentido até hoje. E eram mulheres de diferentes classes sociais, brancas e negras, que atuaram em campos diversos: filosofia, educação, religiosidade, saúde, samba, música... Foi um conjunto muito bonito, que mostra a potência dessas mulheres. Muitas foram apagadas da história, tiveram cargos importantes, mas não são valorizadas como deveriam.

O podcast provocou também reflexões sobre seu próprio envelhecimento?

Muitas. Na juventude, eu não tinha esse olhar. Quando a gente é jovem, acha que sabe tudo, não olha muito para trás. Hoje eu vejo diferente. Minha trajetória sempre teve muito da educação. Apesar de ser socióloga, tenho uma alma de educadora, gosto de passar conhecimento, de ver as pessoas crescerem, se fortalecerem. Acredito muito no poder do desenvolvimento das pessoas para a vida. 

Eu vejo meu envelhecimento com muita tranquilidade. Me sinto melhor hoje do que antes, de verdade. Gostaria de ter menos dores? Talvez. O corpo não é o mesmo, claro. Mas me sinto uma pessoa melhor, com mais experiência, mais tranquila.

Especialistas em longevidade falam sobre o poder da convivência social para uma vida longa e ativa. Você se considera uma pessoa ativa socialmente?

Com certeza. Eu me sinto um ser humano melhor por tudo que vivi, mas também sou uma pessoa de muitos privilégios, econômicos, de saúde. E, também por ter esses privilégios, continuo muito ativa. Trabalho na Fundação Tide Setubal, faço parte de vários conselhos e agora vou assumir a presidência do Conselho da Fundação Padre Anchieta, da TV Cultura, o que é uma honra. Tenho uma convivência social intensa e uma convivência familiar muito grande. Eu tenho três filhos, sete netos, seis irmãos, muitos sobrinhos. E também relações profissionais diárias. Isso me mantém muito conectada com o mundo contemporâneo.

Você mencionou seu histórico de atuação na área da educação. Como vê atualmente a educação de pessoas adultas no Brasil?

Vejo que a educação dos adultos passa a ser uma educação constante, ao longo da vida. As atualizações são obrigatórias, porque o mundo do trabalho está em constante mudança. Então, a capacitação permanente vai ter que acontecer sempre. A educação a distância (EAD) é ótima, mas agora o MEC colocou restrições, porque estava acontecendo algo absurdo, com cursos totalmente a distância que não faziam sentido. Isso foi um avanço. Por outro lado, a EAD é uma tecnologia de inclusão superimportante, que permite levar cursos para todo o Brasil.

Como socióloga, como você enxerga o momento social e político de crescente intolerância, com aumento de ataques a mulheres, pessoas negras, idosos e outros grupos subrepresentados?

Acho muito difícil. Parece que se deu uma certa licença para falar e agir de forma grosseira, agressiva, especialmente contra mulheres, pessoas negras, questões de gênero e também contra pessoas mais velhas. Ao mesmo tempo que se avança em pautas progressistas, há uma reação imediata, muito agressiva, muito polarizada. E o etarismo entrou junto com o machismo, o racismo. Talvez não com a mesma força, mas também entra [no debate].

Quando houve o ataque recente a Marina Silva no Congresso, como você reagiu, considerando seu histórico de apoio a ela?

Foi horrível. Passou de todos os limites. Mas, por outro lado, ela teve um enorme apoio, porque realmente ultrapassaram qualquer limite. Isso acabou virando contra os agressores. O apoio que ela recebeu da sociedade civil, de pessoas públicas, foi enorme.

Vocês planejam uma nova temporada do podcast?

Sim, está nos planos. Devemos começar a gravar em julho e deve sair no começo do ano que vem. Vamos manter a mesma temática, ou seja, mulheres mais velhas que atuaram no espaço público e que lutaram por outras. Foi um foco que deu certo e queremos continuar, porque há muitas mulheres importantes para destacar.

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