Divulgação/SESC
Publicado em 16/06/2025, às 18h42 - Atualizado às 18h48
São Paulo, 16/06/2025 - Considerado um dos maiores especialistas brasileiros em longevidade, o médico geriatra e pesquisador Emílio H. Morigushi, 67, defende que envelhecer bem é um projeto de sociedade. “Ninguém é longevo sozinho. A felicidade é um conceito coletivo”, afirma. A convicção vem de quase cinco décadas na medicina, sendo três delas dedicadas ao mais longevo estudo sobre envelhecimento saudável do país, realizado em Veranópolis, no Rio Grande do Sul.
O que levou Morigushi à cidade, em 1994, foi o objetivo de entender por que havia ali uma alta proporção de pessoas centenárias. Desde então, pesquisadores do Brasil e do mundo viajaram até a cidade para estudar os efeitos de hábitos alimentares, estilo de vida, genética, fé e relações comunitárias na longevidade de seus moradores. A principal conclusão foi: não basta cuidar da alimentação, fazer atividade física ou não ter pré-disposição genética à diversas doenças, o fator mais decisivo é a convivência social.
Na última semana, Morigushi palestrou no 4º Encontro Nacional de Pessoas Idosas, promovido pelo SESC, e conversou com o Viva sobre as origens do projeto e os paralelos com estudos internacionais, como uma pesquisa da Universidade Harvard e também as chamadas Blue Zones, que ganharam popularidade após a série da Netflix, em 2023. Mas também fez um alerta: o uso excessivo de telas ameaça esse modelo de envelhecimento saudável.
A relação de Morigushi com a longevidade começou em casa. Seu pai, Yukio Morigushi, é considerado o pai da geriatria no Brasil, fundador do primeiro Instituto de Geriatria do país, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), após emigrar do Japão.
Inspirado por ele, Emílio aprofundou-se no tema e durante um doutorado nos Estados Unidos percebeu que poderia buscar no Brasil uma localidade com características favoráveis ao envelhecimento saudável. “Naquela época, já havia protótipos de projetos para desvendar os mistérios dos povos longevos, o que posteriormente foi identificado pelas Blue Zones. Mas o nosso estudo começou quatro anos antes, buscando descobrir o que, em nosso contexto, era importante para envelhecer bem e com felicidade. Porque não adianta envelhecer doente."
Consultando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele descobriu que Veranópolis tinha a maior proporção de idosos do país. Ao chegar lá, encontrou uma cidade pequena, de forte influência italiana e profundamente católica, mas com uma característica marcante: a convivência social moldava as relações das pessoas. “Ali, as pessoas vivem em comunidade. Não é só família: é desde o padeiro que pergunta como você está, o vizinho que ajuda no mercado, o grupo que se reúne na capelas, até as decisões importantes que se discutem na missa de domingo às 10 horas”, observa.
Foi nesse ambiente que, com o apoio da prefeitura, da igreja e da comunidade, começou a coleta de dados, inicialmente acompanhando pessoas acima de 80 anos. “Ficávamos lá semanas, seguindo cada idoso desde a hora que acordava até dormir, coletando tudo: alimentação, atividades, quanto andavam e até quanto vinho bebiam."
Ao longo dos anos, os dados mostraram que dieta alinhada às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), atividade física, descanso e lazer são fundamentais para viver mais e melhor, mas não são suficientes.
“Mais importante que tudo isso são os bons relacionamentos, ter boas companhias. Se tem uma pergunta chave que pode identificar as pessoas que vão envelhecer bem, com qualidade de vida, é: você tem amigos ou família com quem contar em uma hora difícil? As pessoas que respondiam sim eram exatamente as que viviam mais e melhor. Foi o fator mais determinante que identificamos em nossos dados."
Outros hábitos também se destacaram ao longo dos estudos: prática regular de atividade física, ingestão correta de proteínas e gorduras, forte integração comunitária, fé intensa, apreço pelo trabalho, não fumar, consumo moderado de vinho e cultivo de pensamento positivo.
Os números comprovam: de acordo com a prefeitura, enquanto a média nacional de pessoas acima de 80 anos é de 2%, em Veranópolis chega a 17% . O trabalho foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016, quando a cidade entrou para a Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas do Idoso.
Apesar do sucesso, Morigushi alerta para uma ameaça crescente: o excesso de telas. “Ter saúde não é a ausência de doença, é ter um bem-estar, e para atingir isso o fator mais importante é ter família e amigos".
"Hoje todo mundo sabe o que é bom para comer, que atividade física importa, quantas horas dormir, mas precisamos cultivar a comunicação fora da tela. Tem gente falando com o familiar na mesma casa pelo celular”.
Ele menciona que outras pesquisas já descobriram que tempo de tela é inversamente proporcional à saúde, tanto em crianças quanto em idosos. "O que importa é o contato face a face. É o dado de Veranópolis, das Blue Zones, de Harvard. Tudo isso mostra um estado de espírito. Ninguém fica feliz sozinho, é um conceito coletivo."
Para o médico, o impacto vai além da saúde mental. “Temos uma pesquisa que mostra, por exemplo, que as crianças que aos 10 anos abusavam de telas têm maior risco de infarto aos 30 anos." A solução, defende, não é eliminar o uso de dispositivos digitais, mas buscar equilíbrio. “Não vamos conseguir mudar o tempo de tela, mas precisamos incitar mais encontros presenciais."
Morigushi defende que os hábitos de convivência cultivados em Veranópolis podem ser aplicados em qualquer cidade, desde que haja apoio institucional. “Criar grupos de convivência, incentivar atividades, oferecer transporte gratuito e espaços acessíveis. Há muitas coisas que acontecem nas cidades marcadas pela longevidade que se pode transportar para as cidades grandes. Isso é algo que precisamos batalhar com o poder público."
O recente desastre climático no Rio Grande do Sul reforçou a tese. “Em Veranópolis, os idosos sempre se reuniram nas capelas, que dividem a cidade. Foi essa cultura que salvou as pessoas do isolamento durante as enchentes. Agora que tudo está se reestabelecendo, as capelas seguem funcionando, não apenas com idosos, mas também com jovens. Isso é muito saudável e culturalmente é o que faz a manutenção dessa qualidade de vida daqui em diante."
Mas não foi o que ele vivenciou em Porto Alegre após a enchente, onde viu o desmantelamento dos grupos de convivência, especialmente em regiões mais vulneráveis. “Nos bairros que não conseguiram retomar os grupos de convivência, ainda há muitos problemas. Tem pessoas que não voltaram às suas casas, estão com mais problemas de saúde, há até mais casos de dengue por falta de programas de prevenção. Onde os grupos foram retomados, os idosos estão melhores."
“Solidão mata. Isolamento leva à depressão e ao declínio cognitivo. Por isso, precisamos cultivar espaços de convivência em todas as idades. E isso não se compra em farmácia”.
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