"O etarismo que me excluiu também me fortaleceu", diz Maria Cândida

Arquivo pessoal

A apresentadora diz ter ouvido que era considerada velha para a televisão quando tinha 40+ - Arquivo pessoal
A apresentadora diz ter ouvido que era considerada velha para a televisão quando tinha 40+
Por Alessandra Taraborelli [email protected]

Publicado em 15/07/2025, às 08h37

São Paulo, 15/07/2025 - Comunicadora com 30 anos de carreira na TV brasileira, a jornalista Maria Cândida tornou-se criadora de conteúdo para mulheres maduras. Isso depois de ter enfrentado o etarismo disfarçado de elogios. Seu currículo com três apresentações de cerimônias do Oscar e seis do Grammy, além de uma centena de entrevistas com celebridades dentro e fora do País, perderam a importância quando ela fez 40 anos e foi colocada de lado.

Aos 46 anos, estava quebrada financeiramente e sem espaço nas grandes emissoras. “Ouvi de muita gente grande na TV que meu tempo já tinha passado. Sofri etarismo antes mesmo dessa palavra ser conhecida”, afirma. 

A dificuldade de recolocação profissional junto com os primeiros sintomas da menopausa contribuíram para que Cândida se reinventasse. Hoje, com 54 anos, ela tem uma produtora, a Hippolyta Filmes, e três livros lançados, sendo o mais recente intitulado “Menopausa como jornada”, combinando sua experiência pessoal com dados científicos e conversas com especialistas.

Ela também cursa pós-graduação em Gerontologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein, e codirige a série documental internacional "Menopausa Sem Fronteiras", em gravação até 2027. O tema precisa ser levado a sério nas políticas públicas, diz ela, com programas específicos de saúde para a população de baixa renda. Leia mais na entrevista a seguir:

Viva: Depois de muitos anos na TV, você diz  ter sido colocada de lado aos 40 anos. O que você sentiu?

Ouvi de muita gente grande na TV que eu era muito boa, mas muito cara. Depois, percebi que, na verdade, na casa dos 40 já me consideravam velha. Foi um absurdo. Eu sofri etarismo antes mesmo dessa palavra existir no vocabulário popular. Isso me abalou profundamente.

Foi quando percebi que tinha algo ali que ninguém estava falando — e que era urgente. Aos 46 anos, sem espaço nas grandes emissoras, eu peguei um celular, um pau de selfie, e comecei a produzir meus próprios conteúdos. Com isso, virei o jogo. A TV Globo me chamou de novo e produzi mais de 100 episódios para o programa ‘É de Casa’.

O etarismo que me excluiu também me fortaleceu para criar um novo caminho. Percebi que havia um público enorme de mulheres maduras que se sentiam como eu: invisibilizadas, mas potentes. Transformei essa dor em potência.

[Colocar ALT]
O livro propõe uma virada na vida - Divulgação

Com quantos anos se descobriu na menopausa e como foi este processo?

Eu comecei a ter os sintomas por volta dos 47, 48 anos. Foi um susto. Não tinha informação suficiente, ninguém falava disso abertamente. Senti que estava enlouquecendo, e só depois percebi que era o climatério. Foi aí que mergulhei nos estudos.

Hoje, estou cursando uma pós-graduação em Gerontologia no Hospital Albert Einstein, justamente para entender profundamente esse período e poder compartilhar com outras mulheres. Meu processo de conhecimento veio da vivência intensa e da busca por respostas que não encontrava.

O sintoma que mais me pegou foi a irritação. Eu tinha vontade de brigar com todo mundo. Era uma irritação absurda, fora do controle.

Também tive insônia pesada, exaustão e esquecimentos — e os esquecimentos me atrapalham até hoje, inclusive quando estou ao vivo. Eram sintomas intensos, que me desestabilizaram emocionalmente e fisicamente. Eu realmente achei que estava enlouquecendo.

O seu livro ‘Menopausa como Jornada’ e o seu documentário nasceram a partir da sua experiência com a menopausa?

Sim, totalmente. Eu vivi tudo isso na pele e senti a urgência de transformar essa vivência em conteúdo relevante. Eu sei que se a mulher não readequar seu estilo de vida, alimentação, a forma de entender o feminino, as amizades, o companheiro… será muito difícil no futuro. Por isso nasceu o livro e também o projeto da série documental, que é uma forma de amplificar essas vozes.

No que o seu livro pode ajudar as mulheres que estão nesta fase?

O livro é um manifesto e um guia. Ele vai além dos sintomas e propõe uma virada — de saúde, liberdade e protagonismo. Eu falo de reposição hormonal, da desigualdade no acesso à saúde, de economia prateada, de sexo na maturidade, da relação com o corpo e do envelhecimento ativo. É um livro para mulheres a partir dos 40 anos que querem se reencontrar com sua potência. A pergunta que abre o livro é: ‘O que você quer ser agora?’ E isso guia toda a jornada.

Na sua investigação sobre o climatério, quais os principais pontos de atenção?

Uma das grandes descobertas é que o ambiente interfere muito nos sintomas da menopausa. As gravações já passaram por Brasil, México, Colômbia e Peru. Mulheres que vivem em altitudes elevadas tendem a entrar mais cedo no climatério. Já as que vivem em cidades muito quentes e com excesso de ruído sofrem ainda mais. Em todos esses países, o acesso à informação e à saúde é muito desigual. Isso chamou muita atenção.

[Colocar ALT]
Maria Cândida colhe depoimentos de mulheres sobre a menopausa em países da América Latina - Foto: Arquivo pessoal

Nos países da América Latina o tabu é enorme. As mulheres muitas vezes não sabem nem nomear o que estão sentindo. É tudo muito silenciado. Mas existem saberes populares e estratégias de enfrentamento que são riquíssimas.

Em comunidades ribeirinhas da Amazônia, por exemplo, as mulheres compartilham experiências de forma oral, passam conhecimento umas às outras. Já em centros urbanos, percebi uma falta gigantesca de acolhimento médico.

Qual é objetivo com o documentário?

A meta é passar por todos os continentes até 2027, 2028. Quero conversar com centenas de mulheres no climatério. É uma jornada longa, mas necessária, para montar um retrato mundial da menopausa.

O filme não vai ser apenas informativo, mas sensível, político e provocador. Vamos ver mulheres reais falando de temas profundos: desde alimentação e sintomas até políticas públicas, desigualdade, trabalho e sexo. Quero tirar esse assunto da sombra.

Como é dirigir um filme depois de anos como repórter e apresentadora?

É diferente e libertador. Antes eu executava pautas que me passavam, agora eu crio, idealizo e dirijo. Estou em contato direto com as histórias. Uso minha bagagem de jornalista para construir algo autoral. É o que eu sempre quis fazer.

Na questão da menopausa, o que os governos poderiam fazer para aliviar este momento?

Primeiro, levar a sério. Criar programas específicos de saúde, implementar a reposição hormonal no SUS, incluir protocolos de acolhimento e tratar a menopausa como uma questão de saúde pública. Hoje, as mulheres chegam nesse momento sem informação e sem apoio - é um abandono institucional.

Você acha que falta uma educação sexual desde cedo para que as mulheres saibam enfrentar as diferentes fases da vida de forma mais natural?

Com certeza. Falta educação sexual desde o começo. Se a gente fosse educada desde cedo sobre nosso corpo, sobre os ciclos hormonais, sobre como a maturidade funciona, seria tudo muito mais leve.

Educação sexual deveria ser obrigatória. A escola é o lugar de formação. Educar meninas e meninos sobre o corpo, as fases da vida, as mudanças, o prazer, a responsabilidade... tudo isso evita sofrimento lá na frente e muda gerações.

Você acha que os ginecologistas em geral sabem orientar suas pacientes corretamente sobre opções para aliviar esta fase?

Muitos não sabem. Ou ignoram os sintomas. Eu fui em vários e ouvi que era tudo psicológico. Faltam médicos atualizados, com conhecimento sobre climatério e novas terapias. O problema é sistêmico e as mulheres acabam desinformadas, desistindo de buscar ajuda.

Como os parceiros podem contribuir para esta fase da parceira?

Com escuta, empatia e compreensão. Saber que não é frescura. O parceiro precisa se informar também, entender que é um momento de transição hormonal real. Quando o parceiro apoia, tudo muda. A relação se fortalece.

Que dica você dá para evitar que as mulheres caiam em curas falsas?

Cuidado com quem promete milagres. Procure profissionais com formação, com embasamento. Não é porque está na internet que é verdade. Eu estudo profundamente o assunto. A mulher precisa ser crítica, buscar informação de qualidade e não cair em modismos. Esse é um tema sério de saúde.

Você acabou de completar 54 anos. O que esperar daqui para frente?

Muito mais. Agora que estou com minha produtora estruturada, quero produzir cada vez mais conteúdos sobre saúde, menopausa, maturidade e etarismo. Continuar viajando com o documentário, lançando projetos, palestrando e transformando. Quero ser essa voz que abre caminhos para outras mulheres.

Só quero reforçar que essa jornada não é só minha. Ela é de muitas mulheres. Eu só dei voz. Quero que a menopausa deixe de ser um tabu, que o etarismo seja combatido em todos os setores e que a maturidade seja vista com respeito e potência. Estamos só começando.

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Últimas Notícias