Renato S. Cerqueira/Ato Press/Estadão Conteúdo
São Paulo, 22/06/2025 - A Parada LGBT+ de São Paulo, que ocorre neste domingo, 22, tradicionalmente depois do feriado de Corpus Christi, escolheu como tema desta edição homenagear as pessoas com mais de 60 anos que pertencem à comunidade. O evento pretende resgatar a memória, incluindo episódios de resistência que perduram até os dias atuais, além de trazer uma reflexão sobre o futuro para os mais maduros e as próximas gerações.
Para Zélia Duncan, 60, envelhecer, carregando a bandeira LGBTQIAPN+, é um privilégio.
“Eu fiz 60 e estou lidando com isso bem, porque a juventude nunca me pareceu eterna e porque eu gosto do tempo”, afirmou, em entrevista excusiva para o Viva.
A cantora se descobriu lésbica aos 16 anos de idade. Desde então, construiu uma longa carreira na música popular brasileira e se tornou uma figura emblemática para gerações de pessoas que enxergam o amor e as relações de forma plural.
"Ser LGBT neste processo de envelhecimento, não é uma desvantagem especial. Eu sou casada há quase dez anos, me sinto muito bem acompanhada. A luta não tem fim, mas algumas agonias eu já resolvi e foi a maturidade que me deu isso. Visibilidade, orgulho, leveza, foram conquistadas a duras penas, mas são reais pra mim.”
Para o ativista Toni Reis, 61, a idade também é motivo de orgulho. “Já me falaram que eu sou velho e acho isso muito legal”. Nascido em Coronel Vivida, município do interior do Paraná, há 42 anos Reis luta pelos direitos humanos da comunidade LGBTQIAPN+, como fundador do Grupo Dignidade e outras entidades que atuam no combate a violência e discriminação da comunidade.
“Ser velho para mim é ter sido um jovem que deu certo. Eu sobrevivi a muitas epidemias e pandemias, sobrevivi à Aids, aos assassinatos, à Covid-19, ao Chikungunya e estou lindamente vivendo minha vida”.
Toni destacou a importância de manter uma vida ativa, com exercícios físicos regulares, e cuidado com a saúde mental. Quando questionado se encara com preocupação o etarismo e discriminação a comunidade, reforçou a importância de se manter ‘antenado’.
“Quando eu tinha 12 anos eu falei para minha mãe: ‘vou crescer, casar com um homem lindo e ter dois filhos". A minha mãe falou assim: ‘Vai estudar meu filho, isso aí não é coisa de Deus’. No meu tempo eram poucos os atores e cantores que de fato levantavam a bandeira, hoje a comunidade faz mais barulho, a informação está logo ali”. Reis está casado há 35 anos e tem três filhos.
Fundadora do primeiro bar LGBT+ de Curitiba, Lu Marins, 77, guarda para si memórias de intimidades. Apesar de ter passado ilesa à LGBTfobia, a escritora, artista e técnica de edificações viu uma cidade marcada pelo preconceito.
A casa noturna Marrahech foi um espaço para música, mas também de acolhimento para os ‘excluídos’, como a Gilda, travesti em situação de rua, famosa na cidade pelo bordão ‘uma moeda ou um beijo’.
Na epidemia do HIV, viu amigos próximos contraírem a doença e perderem a vida. "O Estatuto da Pessoa Idosa é importante, mas ele sozinho não vai impor respeito, o respeito vem das pessoas”, desabafa.
O Brasil segue, pelo 16º ano consecutivo, como o país que mais mata pessoas travestis e transsexuais no mundo. De acordo com o relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foram registrados 122 assassinatos em 2024, 16% a menos do que no ano anterior. Apesar do recuo, o número é 110% mais expressivo do que em 2008, ano que o País obteve o menor número de mortes violentas.
Segundo o levantamento recente do Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2022 para 2023, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais registrados no sistema de saúde aumentaram 35%, enquanto os casos de violência contra pessoas transsexuais e travestis cresceram em 43%.
Hoje, Marins enxerga o envelhecer como hora extra. “Acredito que meu prazo de validade acabou lá na Covid", brinca, citando também que depois teve um problema nos rins.
Apesar disso, em 2022, publicou o livro “Além do Apenas Vivido: com bolinhos de chuva e pinhão”, resultado de escritos, poesias e crônicas redigidas por mais de uma década. Em uma das histórias sensíveis, Lu Marins retrata uma jovem mulher violentada pela sociedade. A autora quer ver a história virar filme. “É uma coisa que eu ainda gostaria de ver em vida, quem sabe?”
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