Brasil tem dez mulheres assassinadas por dia, maior patamar desde 2018

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A estimativa é que um terço dos casos seriam feminicídios
Por Estadão Conteúdo [email protected]

Publicado em 12/05/2025, às 13h52

São Paulo, 12/05/2025 - A cada dia, dez mulheres com diferentes trajetórias de vida são assassinadas no Brasil. Foram 3.903 ocorrências em 2023, o maior patamar desde 2018. Isso é o que aponta o Atlas da Violência, relatório produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A estimativa é que um terço dos casos seriam feminicídios. Conforme os dados, divulgados nesta segunda-feira, 12, para cada 100 mil habitantes, houve 3,5 casos de homicídios de mulheres no período mais recente para o qual há dados.

"É preocupante", afirma Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ela, não há uma única explicação para o aumento - a hipótese de que, para além dos feminicídios, haja mais mulheres engajadas em dinâmicas em condutas criminosas, por exemplo, não é descartada.

A pesquisadora ressalta que, independentemente da leitura, o cenário cobra a adoção urgente de políticas públicas focadas em diminuir a violência contra a mulher.

Em um dos casos recentes, Jane Domdoca, a influenciadora de 42 anos baleada e morta na região da 25 de Março, no centro de São Paulo. Ela foi assassinada pelo ex-marido, preso em flagrante por feminicídio.

"O mais interessante sobre essas taxas é comparar: quando a gente olha para as taxas de homicídios em geral, a gente percebe um recuo de casos. Quando a gente olha para a taxa de homicídios de mulheres, não", afirma. "A gente precisa melhorar no desenho, na implementação de serviços públicos para mulheres vítimas de violência."

O Brasil teve queda de 2,3% na taxa de homicídios, também segundo o Atlas. O índice ficou em 21,2, menor patamar pelo menos desde 2013, ano que marca o início da série histórica.

No caso dos homicídios de modo geral, estudos e especialistas que analisam os dados de violência no País têm apontado que facções criminosas, e não políticas públicas, têm sido a principal causa da variação das taxas de homicídio no Brasil na última década, como mostrou o Estadão.

A base das organizações criminosas é composta majoritariamente por homens, mas há também a presença de mulheres na criminalidade de rua. Recentemente, por exemplo, a Polícia Civil de São Paulo prendeu a "Mainha do Crime", apontada como financiadora de gangues que assaltam com motos na capital.

Metodologia

O relatório do Atlas, um dos mais completos da área, busca retratar a violência no Brasil principalmente a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

Esse modo de análise permite ter uma visão mais ampla sobre a violência no País, "desviando" de possíveis subnotificações. Em vez de lançar luz sobre feminicídios registrados, por exemplo, o relatório foca em homicídios de mulheres.

"A lei (do feminicídio) começa em 2015 como uma categoria penal. No entanto, o feminicídio existe desde que o mundo é mundo. Então a gente queria achar uma proxy, uma medida indireta do feminicídio no Brasil mesmo antes da criação da lei", afirma Daniel Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea.

A opção foi usar os homicídios de mulher que ocorrem dentro de casa como feminicídio. "As evidências nacionais e internacionais mostram que, quando uma pessoa é assassinada dentro de casa, em mais de 90% das vezes o perpetrador é íntimo da vítima: marido, ex-cônjuge ou familiar muito próximo", explica o pesquisador.

Conforme o Atlas, de acordo com os registros do SIM, em 2023, do total de homicídios registrados de mulheres, 35% aconteceram na residência. "Considerando essa proporção, 1.370 dos 3.903 homicídios registrados no ano teriam acontecido nesse local, sendo lidos, portanto, como feminicídio", aponta o relatório.

Polarização e valores do patriarcado

Segundo Cerqueira, é difícil cravar qual a razão de um número tão expressivo. "O que a gente pode falar, de muitos anos, é que há o recrudescimento da polarização e radicalização política, que muitas vezes traz à tona valores culturais que reforçam a ideia e os valores do patriarcado como meio de resolver problemas", diz.

O pesquisador explica que, para além dos números levantados no Atlas, há um aumento "grande nos feminicídios, segundo os registros policiais", e agora as estatísticas chegam perto da estimativa de feminicídio apresentada no relatório.

"Isso acontece porque há um processo de aprendizagem dentro das autoridades policiais que, muitas vezes, pegavam aquela morte da mulher e classificavam apenas como homicídio", diz o pesquisador. "Hoje a gente vê os dados policiais andando mais juntos com os dados da saúde."

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