As mudanças do papel das mães em um mundo com menos filhos

Divulgação

Mary del Priore traça um panorama da evolução das mães na sociedade moderna - Divulgação
Mary del Priore traça um panorama da evolução das mães na sociedade moderna
Por Alessandra Taraborelli [email protected]

Publicado em 09/05/2025, às 14h06

São Paulo, 09/05/2025 - No domingo, 11 de maio, será comemorado mais um Dia da Mães. A data naturalmente suscita um olhar para a questão da mulher, que ao longo do tempo deixou de ser somente a reprodutora e passou a dividir as 24 horas do dia em múltiplas funções: mãe, companheira, trabalhadora e gestora da casa, sem abrir mão das escolhas pessoais.

A segunda metade do século 20 colocou o filho no centro de tudo. Entretanto, muitas mulheres não conseguiram gerar ou optaram por seguir suas vidas sem experimentar a maternidade. Outra mudança significativa na passagem das décadas é que entre os anos 1970 e 1980, as mães deixaram de consultar as avós sobre as dúvidas com o filho e passaram a consultar pediatras, psicólogos e professores.

A historiadora, professora e escritora Mary del Priore lembra, que no início do século 20, a mãe era uma espécie de astro-rei, onde os filhos a orbitavam. Após décadas, os papéis se inverteram e as mães passaram a orbitar os filhos. Essa nova dinâmica pode ser explicada pela entrada da mulher no mercado de trabalho que, segundo a escritora, gerou uma enorme culpa.

Mary del Priore é autora de vários livros, além de organizadora de publicações como o premiado  "História das Mulheres no Brasil", lançado em 2004, ganhador do Jabuti e Casa Grande e Senzala. A obra, da qual participam duas dezenas de historiadores, mostra como nasciam, viviam e morriam as brasileiras no passado e o mundo material e simbólico que as cercavam.

Cada vez mais sobrecarregadas, essas mães começaram a cobrir as crianças de presentes e soltaram os "freios", para compensar a falta. "A mãe não é mais o carrasco do filho, como no século passado, ele é o carrasco da mãe", observa del Priore. 

A historiadora conta que, desde a pré-história, ser mãe é um dos papéis mais fundamentais para a mulher. Antes, ela era vista como um útero, por sua função da reprodução, e era avaliada em várias culturas pela capacidade de ter filhos. "Ela fortalecia a família através desses filhos que fariam casamentos, alianças, e eram responsáveis por unir famílias dentro de uma comunidade. Uma mulher com muitos filhos era muito valorizada. Já a mulher estéril, a donzelona, a solteirona, que nunca colaboraram para a sociedade trazendo mão de obra, essas eram repudiadas", explica.

Os problemas de sexualidade e virilidade dos homens só começaram a ser analisados muito mais tarde. "Se não havia filho, a culpa era sempre da mulher. Portanto, eu diria que desde sempre a maternidade foi uma forma de poder", diz Mary del Priore.

A historiadora lembra ainda que as mães são uma figura central não só da organização familiar mas também da organização da comunidade. "Elas acabam não tendo esse papel que alguns atribuem de fraqueza e fragilidade, muito pelo contrário, são mulheres que vão lutar para manter seus negócios e suas propriedades", ressalta, acrescentando que a mãe é uma espécie de centro de poder e de saber, que ensina a ler, escrever, rezar e cuidar dos filhos.

Menos filhos

Del Priore observa que no Brasil, no final do século 18, São Paulo era uma cidade de mulheres brasileiras que tocavam suas famílias e filhos de variados companheiros, morando com outras mulheres, mais velhas, irmãs e escravizadas. "Esses lares mais bifocais são uma realidade que temos até hoje no Brasil, um grande número de mulheres à frente de suas famílias". 

De acordo com memorialistas, entre 1920 e 1930 as mulheres começaram a ter menos filhos. O presidente Getúlio Vargas, preocupado com os poucos nascimentos no País, durante a primeira e a segunda guerra mundial, criou um programa para que as mulheres tivessem mais filhos. O programa oferecia não só uma subvenção para as famílias, mas passou a valorizar o papel da mãe, com a criação de concursos. "É um momento de glorificação da mãe. Ao mesmo tempo, temos a mulher entrando para o mercado de trabalho, com Getúlio tentando corrigir isso, e querendo, de alguma maneira, devolver a mulher para o seu papel originário de mãe e provedora dos serviços caseiros. Para essa empreitada, ele conta com o apoio da igreja católica", lembra. 

A industrialização e a urbanização mudaram o papel da mulher na sociedade. A historiadora observa  que a mulher sempre trabalhou, mas surgiu a oportunidade dela atuar em vários tipos de serviços. Nesse momento, aconteceu uma mudança no papel da mulher e da mãe na sociedade. "Após a Proclamação da República, começaram a trabalhar como modistas, cabeleireiras, à frente de pequenos bancos, responsáveis pela importação de automóveis e integradas ao mundo do trabalho", explica.  

A partir dos anos 1950, os chamados anos dourados, as mulheres passaram a desempenhar um papel diferente, certamente decorrente de sua entrada no mercado de trabalho. A partir daí as pesquisas começaram a mostrar uma redução da taxa de fecundidade. Essa redução de filhos acontece antes da chegada da pílula anticoncepcional e se intensifica com a entrada dos métodos contraceptivos. 

De acordo com um estudo da Secretaria Nacional da Família - ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos -, a taxa de fecundidade no Brasil diminuiu de 6,28 para 1,87 em 50 anos (1960 a 2010), devendo chegar ao patamar de 1,5 em 2030. A pesquisa foi elaborada a partir de dados do Institulo Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Mães de hoje

“Quem foi que disse que uma mulher não pode erguer muros, misturar cimento, subir em andaimes e construir um futuro melhor?", diz Bia Kern, 66 anos, mãe de duas filhas, fundadora do projeto Mulheres na Construção.

De acordo com a executiva, o projeto, que existe há 19 anos, foi criado com o objetivo de capacitar a mulher no trabalho da construção civil, visando resgatar seus valores, direitos e independência econômica. 

Bia Kern
Bia Kern, do projeto Mulheres na Construção, questiona papeis masculinos e femininos - Foto: Arquivo pessoal

Bia Kern diz que sempre ouviu da mãe, dona Diva, que a mulher precisa ser independente e batalhadora, sem deixar de ser parceira do homem.

No lar, junto com três irmãos e três irmãs, aprendeu que não tem coisa de homem nem coisa de mulher. "Todo mundo pode e deve lutar pela sua felicidade, de preferência unido, sem disputa ou concorrência", afirma.

A força da mãe, que criou sete filhos sozinha, foi a inspiração para o seu projeto, que além de ensinar às mulheres várias funções dentro da construção civil, também atua para que elas recebam proposta de emprego antes mesmo da conclusão da capacitação. Além disso, o projeto também oferece assistência social e psicológica.

Enfrentando preconceitos

Laine Cristina Halush Firmo, 46 anos, trabalha na Ilha Barnabé, no setor de Fiscalização de Granéis Líquidos Químicos, também foi uma desbravadora. Foi a primeira mulher nesta função. Mas este não foi o seu primeiro desafio. Em 2011, quando entrou na empresa também foi pioneira ao trabalhar no setor de atracação de navios. Ela diz ter enfrentado a falta de infraestrutura adequada para mulheres, o preconceito e a resistência dos colegas. "Foi uma luta. Não havia vestiários femininos e o ambiente era hostil. Aos poucos, fomos conquistando espaço e mudando essa realidade", relata 

A profissional, que é mãe de dois filhos, de 14 e sete anos, ressalta que o suporte da família ou de uma rede de apoio são essenciais. "Hoje, tem muitas mulheres sozinhas, acabou isso de homem provedor. Se quiser melhorar de vida, a mãe tem que estudar. Muitas mulheres deixam de realizar seus sonhos por estar só", afirma.

Laine Cristina
"Não é um papel fácil", diz Laine Cristina - Foto: Arquivo pessoal

Ela concorda que ao ir para o mercado de trabalho houve mudanças na relação com os filhos, como por exemplo, a falta de tempo para ir buscar a criança na escola. "Não é um papel fácil, é extremamente difícil. Mãe é 24 horas, não tem pausa". 

Laine ressalta que, mesmo com toda a responsabilidade que a dupla jornada exigem, ela consegue separar um tempo para si. "Sempre tive meu tempo, minha privacidade e minha liberdade. A mulher precisa se jogar, andar para frente, ter paciência e persistência", afirma.

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Últimas Notícias