Decreto sobre BPC vai gerar cortes de beneficiários e judicialização, dizem analistas

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Idosos que não podem se manter sozinhos ou serem mantidos pelas famílias têm direito ao benefício - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Idosos que não podem se manter sozinhos ou serem mantidos pelas famílias têm direito ao benefício

Por Victor Ohana, da Broadcast

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Publicado em 30/06/2025, às 17h05

Brasília, 30/06/2025 - O decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicado em 26 de junho com uma nova regulamentação sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) deve gerar corte de beneficiários e disputas judiciais, segundo especialistas ouvidos pelo Broadcast Político. A medida foi adotada num cenário em que o governo precisa recuperar a sua popularidade nas pesquisas, ao mesmo tempo em que é cobrado pelo Congresso Nacional a fazer corte de despesas.

Questionados, os ministérios do Desenvolvimento Social (MDS) e da Previdência Social ainda não informaram estimativas de quantos benefícios podem ser cortados e qual o valor deve ser economizado com as mudanças. Entre janeiro e maio deste ano, o governo já gastou mais de R$ 52 bilhões com o BPC, segundo o Relatório do Tesouro Nacional de maio. O benefício atende pessoas com deficiência de qualquer idade e pessoas com 65 anos ou mais que não podem se manter sozinhas ou ser mantidas pela família, somando um total de mais de 6 milhões de beneficiários, que recebem cada um valor correspondente a um salário mínimo.

Uma das alterações do decreto recai sobre um dos critérios para uma pessoa receber o BPC: a renda familiar. Segundo a legislação, para ter direito ao BPC, o solicitante deve ter renda familiar de até um quarto do salário mínimo por pessoa na mesma casa.

Revogação

Um decreto presidencial de 2007 previa que "não serão computados como renda mensal bruta familiar benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e valores oriundos de programas sociais de transferência de renda". O decreto da semana passada, no entanto, revogou esses dispositivos e listou objetivamente quais rendimentos serão desconsiderados na análise da renda familiar.

Na prática, de acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social, os rendimentos que não estão listados passarão a ser computados como renda no cálculo para elegibilidade ao benefício. Ou seja, caso alguém da família sob o mesmo teto do solicitante receba, por exemplo, Bolsa Família, Pé-de-Meia, seguro-defeso, Vale-Gás ou programas de transferência de renda estadual e municipal, agora esses valores serão contabilizados.

O MDS afirma que essa mudança ocorreu porque a Lei 15.077/2024 "não respalda mais esses descontos no cálculo da renda familiar". A lei foi aprovada no Congresso Nacional como parte do pacote fiscal de corte de gastos proposto pelo governo. Conforme o texto, passaram a ser "vedadas deduções não previstas em lei" no cálculo da renda familiar. A previsão de que transferências de renda não seriam computadas constava de um decreto.

Fila do INSS

Para o diretor de Atuação Parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli, como muitas famílias que recebem o BPC também têm rendimentos oriundos de outros programas sociais, "muitos benefícios poderão ser cessados pelo INSS ou indeferidos". Na sua visão, as medidas devem gerar discussão judicial sobre a constitucionalidade da regra. "No cenário atual, essa situação poderá agravar a fila do INSS e a judicialização", avalia.

Já o diretor do Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV), Átila Abella, avalia que a judicialização deve ocorrer porque, mesmo após a aprovação da lei do ano passado, o INSS vinha desconsiderando o valor do Bolsa Família, ainda com base no decreto de 2007. Segundo ele, a relativização da renda já é o maior alvo dos processos na Justiça sobre o BPC, porque a Constituição traz proteção ao público-alvo do benefício.

"Os critérios trazidos por decreto vão ser discutidos e relativizados caso a caso, porque a Constituição protege pessoas com idade avançada, com deficiência ou em vulnerabilidade social. Então, qualquer lei ou decreto que venha afrontar o espírito constitucional da proteção social do BPC pode ser judicializado", declarou.

Sem usurpação

O especialista em Direito Previdenciário e CEO da WB Cursos, Washington Barbosa, opina que o decreto está cumprindo o seu papel de regulamentar uma matéria já aprovada no Congresso, portanto, não vê usurpação de poder pelo Executivo. Porém, o professor avalia que a judicialização deve se basear no princípio da vedação ao retrocesso social. "Pode haver questionamento com base no argumento de que era uma garantia, era uma condição que você tinha, e está havendo um retrocesso nesse aspecto", analisa.

Nas redes sociais, a oposição já usa o decreto para desgastar o governo. O deputado Filipe Barros (PL-PR) disse no X que vai oficializar um projeto de decreto legislativo (PDL) nesta semana para derrubar o que chamou de "assalto ao bolso de quem mais precisa". Segundo ele, o decreto "dificulta ainda mais o acesso ao BPC" e se trata de um "golpe petista contra a população que eles ainda têm coragem de dizer que defendem". O ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou a postagem de Barros.

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