Envelhecimento ajuda a reduzir homicídios, mas não reduz violência contra idosos

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Por Bianca Bibiano

Publicado em 19/05/2025, às 10h09

São Paulo, 19/05/2025 - O Brasil está em fase avançada da transição demográfica, com redução das taxas brutas de mortalidade e natalidade e aumento da população idosa. Ao mesmo tempo, o País atingiu, em 2023, a menor taxa de homicídios em 11 anos: 21,2 mortes por 100 mil habitantes, totalizando 45.747 assassinatos no ano. Essa redução de 2,3% em relação a 2022 é destacada no Atlas da Violência 2025, lançado na última semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Ana Amélia Camarano, demógrafa do Ipea e uma das autoras da publicação, aponta que o envelhecimento da população brasileira é um dos fatores que contribuem para essa redução. “Como temos cada vez menos jovens, automaticamente a morte por homicídios diminui. Isso tem mais relação com a queda da natalidade, que entre 15 e 20 anos reduzirá esse grupo, do que com uma redução real da violência contra idosos.”

De fato, o número de nascimentos está caindo no país desde a década de 1980, passando de cerca de 4 milhões em 1985 para abaixo de 2,6 milhões atualmente, segundo os dados do Registro Civil 2023 do Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Jefferson Mariano, analista socioeconômico da instituição, ressalta que essa mudança demográfica traz novos desafios para o país.

“O envelhecimento populacional altera o perfil de morbimortalidade e exige uma revisão das políticas públicas. É um fenômeno irreversível. A pirâmide etária brasileira está se invertendo, e isso exige planejamento de longo prazo.”

Segundo ele, os dados do Registro Civil de 2023 reforçam essa tendência, evidenciando o crescimento proporcional da população idosa e a queda nos nascimentos. A consequência é uma pressão crescente por ações específicas voltadas à garantia dos direitos desse grupo.

Violência contra idosos em várias formas

Mas esse novo cenário não garante segurança para os idosos. Pelo contrário: com o crescimento do número de pessoas com mais de 60 anos, cresce também a incidência de diferentes formas de violência - físicas, patrimoniais, psicológicas e institucionais.

Camarano reforça que a principal forma de violência contra os idosos está no descumprimento de seus direitos, previsto no Estatuto da Pessoa Idosa, o que inclui desde moradia digna até o direito de ir e vir com segurança:

“Consideramos como violência o não cumprimento dos direitos dos idosos. A moradia digna, por exemplo, é um direito, mas está aumentando o número de idosos em situação de rua. Isso é uma violação de direitos.”

Problemas urbanos como quedas em calçadas esburacadas, transporte inadequado, falta de acessibilidade e iluminação pública também configuram violências cotidianas, segundo a especialista.

“A violência contra o idoso nem sempre é deliberada - é uma violência geral da sociedade. Falta de iluminação, de sinalização, buracos nas ruas, exposição dessas pessoas a possibilidade de quedas, tanto em casa quanto na rua - tudo isso representa violência.”

Os riscos são confirmados pela Síntese de Indicadores Sociais 2024 do IBGE, que destaca a precariedade da infraestrutura urbana como um fator direto na redução da qualidade de vida e da mobilidade da população idosa. Segundo o estudo, mais de 30% dos domicílios em áreas urbanas têm calçadas em condições inadequadas, com irregularidades que aumentam o risco de quedas, uma das principais causas de hospitalização de pessoas com 60 anos ou mais.

Além disso, a publicação aponta que, apesar do aumento da expectativa de vida no Brasil, as desigualdades regionais, raciais e de acesso à infraestrutura básica agravam os desafios enfrentados pelos idosos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social.

A demógrafa critica ainda o Estatuto do Idoso por tratar o envelhecimento como uma experiência universal. “O Estatuto do Idoso trata como se o idoso fosse uma questão universal, e não é. Os direitos não são universais. O acesso à saúde, mesmo na rede pública, é menor para a população negra.”

As desigualdades raciais e de gênero também marcam a experiência da velhice. A expectativa de vida de uma mulher branca pode ser até 13 anos maior do que a de um homem negro, segundo a pesquisadora. “O direito à vida é diferente para mulheres, brancos, negros e não negros. É muito discrepante.”

Fonte: Atlas da Violência 2025

Enquanto a taxa de homicídio apresenta queda no longo prazo, a violência interpessoal, ou seja, causada por outra pessoa ao idosos, aumentou 142,2% no Brasil entre 2013 e 2023. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, observou-se as taxas mais altas entre as unidades da federação, variando de 260,7 idosos por 100 mil habitantes, em 2013, a 312,9, em 2023. Segundo o Atlas da Violência, esse crescimento elevado pode apontar também para um aumento das notificações.

Ainda assim, Camarano aponta para outro fator de preocupação, a violência familiar. "Ela é frequentemente subnotificada e difícil de identificar. Muitas vezes é um pai não quer notificar a violência do filho, por exemplo". Segundo a pesquisadora, apesar da gravidade do problema, há sinais de mudança. “De modo geral, a população está mais consciente da necessidade e da importância de denunciar.”

Proteção legal precisará ser revista

Com o envelhecimento acelerado da população brasileira, a proteção jurídica dos idosos ganha cada vez mais importância. Victor Quintiere, professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB), afirma que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) é o principal instrumento legal para garantir direitos às pessoas com 60 anos ou mais. “O Estatuto disciplina uma série de medidas para resguardar essa pessoa.”

Entre elas estão desde o abrigo temporário até o acesso à saúde, assistência psicológica e inclusão em programas comunitários. Em caso de omissão ou abuso por parte da família, do curador ou da instituição, o Estatuto prevê sanções.

A legislação também tipifica crimes específicos, como impedir o acesso de idosos a serviços ou deixar de prestar assistência. Além disso, prevê o agravamento das penas quando a vítima é idosa. “Na teoria de direitos fundamentais, você deve avançar na proteção e não retroceder.” 

Quintiere defende a educação da sociedade como política pública estratégica. “É importante educar os atuais idosos, os adultos, mas também as crianças e adolescentes que logo, logo serão adultos e terão que cuidar dessas pessoas.”

Atualmente, as denúncias de violência contra idosos podem ser feitas em delegacias voltadas à população geral ou em unidades especializadas, as chamadas "delegacias de idosos", que existem em 23 estados no País. Também podem ser denunciadas ao Ministério Público, que conta com atendimento específico a esse público. Além desses canais de atendimento, também é possível fazer relatos anônimos pelo Disque Denúncia 181 e 100.

A dor invisível: a violência autoinfligida

Entre os tipos de violência mais silenciosos e menos discutidos está a violência autoinfligida, como os casos de suicídio e autonegligência. Segundo o Atlas da Violência, essa é a categoria que mais cresce entre os idosos, com aumento de 611,6% no Brasil entre 2013 e 2023. “Violência autodeferida é o suicídio, ou uma lesão autoprovocada que pode levar a óbito ou não. É o índice que mais cresceu”, explica Camarano.

Esse tipo de violência, observa a pesquisadora, está profundamente ligado ao sofrimento acumulado e à exposição a múltiplas formas de violência ao longo da vida. “Existe muito preconceito e tabu em torno disso, mas muitas vezes essa ação é resultado de um sofrimento muito grande. É um processo doloroso, a pessoa foi exposta a muitas violências anteriores.”

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