Exclusivo: Envelhecimento coloca pressões 'sem precedentes' na América Latina

Divulgação/BID

América Latina e o Caribe, junto com a Europa, serão as únicas regiões onde 30% da população terá 65 anos ou mais, aponta especialista do BID - Divulgação/BID
América Latina e o Caribe, junto com a Europa, serão as únicas regiões onde 30% da população terá 65 anos ou mais, aponta especialista do BID

Por Por Aline Bronzati, da Broadcast, especial para o Viva

redacao@viva.com.br
Publicado em 01/10/2025, às 14h12 - Atualizado às 15h08

Nova York, 01/10/2025 - O envelhecimento populacional colocará pressões fiscais e sociais sem precedentes na América Latina e no Caribe, alerta Marco Stampini, especialista líder em proteção social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A região caminha para ser uma das mais envelhecidas do planeta, conforme ele.

"A América Latina e o Caribe envelhecem mais rápido que qualquer outra região do mundo", diz Stampini, em entrevista ao Viva. A velocidade preocupa. Na Europa, foram 56 anos para saltar de 10% para 20% de idosos. Na América Latina, o mesmo movimento ocorrerá em metade do tempo. Até 2091, um terço dos latino-americanos terá 65 anos ou mais.

Leia também: Exclusivo: Violência contra idoso não comove como ‘adultização’, expõe secretário

Para Stampini, reformas integradas são urgentes. "Gastar de forma mais eficiente é crucial", diz. Ajustes nas aposentadorias ganham apoio se vierem acompanhados de melhor acesso à saúde e cuidados. Abaixo, os principais trechos da entrevista, por conta do Dia da Pessoa Idosa, celebrado nesta quarta-feira, da 1º de outubro:

Viva: O desafio do envelhecimento é maior na América Latina? Por quê?

Marco Stampini: Sim. A América Latina e o Caribe envelhecem mais rápido que qualquer outra região do mundo. Isso significa que o passado não é um bom preditor dos desafios que virão. Entre 1990 e 2020, a parcela da população com mais de 65 anos na região passou de 4,8% para 9%. Hoje, esse índice se assemelha à média mundial, de 9,3%, mas ainda está bem abaixo das regiões de alta renda, como a Europa, com 19,1%, e a América do Norte, com 16,8%.

Velocidade é o nome do jogo?

O que torna o desafio único é justamente a velocidade da mudança. Na Europa, foram 56 anos para que a parcela da população com mais de 65 anos subisse de 10% para 20%. Na América Latina e no Caribe, essa mesma mudança ocorrerá em cerca de metade do tempo, segundo projeções do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP). Até 2091, a América Latina e o Caribe, junto com a Europa, serão as únicas regiões onde 30% da população terá 65 anos ou mais.

Algum país ou região serve como modelo para políticas voltadas a idosos?

O BID analisou a proteção social para idosos na região em duas dimensões - cobertura e qualidade - e em três áreas: previdência, saúde e cuidados de longo prazo. Argentina, Uruguai, Costa Rica e Chile apresentam os níveis mais altos de proteção social para idosos. A previdência é o ponto forte da região, seguida pela saúde. Nenhum país obteve pontuação alta. A maioria dos países, incluindo nomes como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e outros, fica no nível intermediário: a cobertura costuma ser elevada, mas a qualidade, deficiente. O Chile foge à regra, com cobertura relativamente baixa e qualidade comparativamente alta.

Qual a área mais necessitada?

Os cuidados de longo prazo. Argentina, Bahamas, Barbados e Costa Rica registram proteção de nível intermediário, com alta cobertura, mas baixa qualidade; nenhum país alcança pontuação alta no geral. Como destaca o relatório do BID 'Envelhecimento na América Latina e no Caribe: Proteção Social e Qualidade de Vida dos Idosos', nas três áreas analisadas, a cobertura costuma superar a qualidade, e os cuidados de longo prazo seguem como a forma menos desenvolvida de proteção.

Como as pressões fiscais desafiam as políticas de proteção social para os idosos na região da América Latina e Caribe?

O envelhecimento populacional colocará pressões fiscais e sociais sem precedentes na América Latina e no Caribe. A sustentabilidade fiscal é a capacidade dos países de financiar transferências e serviços aos idosos, enquanto a sustentabilidade social refere-se à oferta de serviços que aliviem a pressão sobre famílias e comunidades. À medida que o número de idosos cresce, os gastos com previdência tendem a subir quase automaticamente. Já os serviços de saúde e de cuidados de longo prazo também avançarão, mas, nesses casos, o impacto fiscal pode ser moderado com ganhos de eficiência e ajustes nos serviços.

De que tamanho será esse impacto?

O gasto total com previdência, saúde, pública e privada para idosos, e cuidados de longo prazo deve crescer de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 para 14% em 2050. A previdência responderá por quase metade desse acréscimo (48%), passando de 3,9% para 7,4% do PIB. Já os gastos com saúde de pessoas com mais de 65 anos devem subir de 2,2% para 4,8% do PIB.

Isso deve pressionar ainda mais os cuidados de longo prazo?

A pressão para desenvolver serviços de cuidados de longo prazo deve se intensificar. Até 2050, o número de idosos dependentes de cuidados pode chegar a 23 milhões - quase o triplo do atual. Oferecer cuidados de longo prazo a até 50% desse grupo custaria, em média, 1,4% do PIB.

Como é possível avançar na melhoria da cobertura e qualidade da proteção social controlando as pressões fiscais?

É possível ampliar a cobertura e elevar a qualidade da proteção social sem perder o controle das pressões fiscais, mas isso exige reformas coordenadas e bem planejadas. Essas reformas devem considerar as interações entre previdência, saúde e cuidados de longo prazo. As políticas nas três áreas precisam de uma abordagem holística, que reconheça suas complementaridades, sobreposições e compensações para garantir um piso mínimo de proteção aos idosos.

Existe uma receita?

Gastar de forma mais eficiente é crucial. Os países podem ganhar eficiência ao adotar reformas conjuntas que combinem elementos das agendas de pensões, saúde e cuidados de longo prazo. Ampliar a cobertura e a qualidade da saúde e dos cuidados de longo prazo pode, por sua vez, ajudar a conter os gastos com previdência e tornar a proteção social mais sustentável.

Uma nova reforma da previdência é um desafio no Brasil e em outros países. Qual é o caminho para superar os desafios?

Reformas previdenciárias voltadas a melhorar a sustentabilidade fiscal, com redução de benefícios para determinados grupos, têm mais chance de aceitação social e política quando vêm acompanhadas de maior cobertura e qualidade nos serviços de saúde e nos cuidados de longo prazo. Da mesma forma, oferecer aos idosos melhor acesso a esses serviços pode reduzir a pressão por pensões mais altas, já que cobre itens que pesam nos seus orçamentos. Investir em um sistema robusto de cuidados de longo prazo também ajuda a conter os custos de saúde e, assim, aliviar as restrições fiscais gerais.

O que falta?

Independentemente do formato ou da maturidade do sistema de proteção social, os países precisam criar instituições para adaptar melhor pensões, saúde e cuidados de longo prazo às mudanças demográficas. As reformas são politicamente e socialmente complexas. A experiência de países mais envelhecidos mostra, porém, que instituições voltadas a guiar os sistemas de proteção social, conforme evoluem as tendências econômicas, demográficas ou tecnológicas, podem ajudar. Alguns países já adotam mecanismos de autocorreção, chamados de "fatores de sustentabilidade" ou "regras de ajuste", para contrabalançar desequilíbrios em seus regimes de previdência. Esses mecanismos não eliminam de imediato os desequilíbrios, mas os sinalizam cedo e acionam ajustes legislativos antes que o problema se agrave.

E no setor de saúde?

No setor de saúde, alguns países revisam periodicamente suas políticas nacionais, considerando o envelhecimento populacional, e criam instituições para monitorar custos e qualidade e orientar a política pública. Exemplos notáveis são as agências de avaliação de tecnologias em saúde, como o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE), no Reino Unido, e o Programa de Avaliação de Intervenções e Tecnologias em Saúde, na Tailândia. Essas instituições analisam a relação custo-efetividade de novos medicamentos e tecnologias médicas para embasar decisões de política pública.


Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Últimas Notícias