Exclusivo: Violência contra idoso não comove como ‘adultização’, expõe secretário

Por Paula Bulka Durães paula.bulka@viva.com.br

Publicado em 28/09/2025, às 09h00

São Paulo, 28/09/2025 - O Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, disse que a violência contra o idoso não mobiliza a sociedade brasileira tanto quanto às causas relacionadas à criança e o adolescente, como no recente debate sobre ‘adultização’. “Nós temos violações e violências acontecendo quase que diariamente contra as pessoas idosas, e muitas não foram elevadas ao mesmo nível”, opina. 

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Silva, cuja secretaria está vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, falou sobre as expectativas para a 6ª Conferência Nacional de Direitos da Pessoa Idosa (Conadipi), que ocorrerá em dezembro, em Brasília-DF, sobre o debate das ‘múltiplas velhices’, que consiste na diversidade que permeia o envelhecer no País. Segundo o secretário, “cada grupo social tem a sua potência” e o poder público precisa se esforçar para expandir essa potência e garantir acesso aos direitos básicos.

Sobre o idadismo (ou etarismo), preconceito relacionado à idade, Silva reforçou o receio que as próprias pessoas têm de envelhecer, devido a discriminação. “Parte da população não quer ser vista como uma pessoa mais velha”, expõe.

Prestes a completar 23 anos, no dia 1º de outubro, o Estatuto da Pessoa Idosa, que garantiu direitos primordiais à população com mais de 60 anos, envelheceu, e é um dos marcos regulatórios que precisam ser atualizados para combater a invisibilidade da situação dos mais velhos no País. A seguir, os principais trechos da entrevista, que está completa no vídeo.

Viva: Passadas mais de duas décadas da promulgação do Estatuto da Pessoa Idosa, um grande marco para a legislação brasileira, ele segue atual?

Alexandre da Silva: O Estatuto envelheceu. Envelheceu no sentido de que ele é parte da nossa história e representa um grande avanço dentro dos marcos normativos. É importante destacar que o Brasil é um grande inovador e pioneiro na proteção, por lei, dos direitos da pessoa idosa. É lógico que toda legislação precisa ser aprimorada e atualizada, o Estatuto demanda hoje mudanças e essa é uma das metas do nosso Plano Nacional, que tem um eixo que trata justamente dessa revisão do marco normativo. O aumento da longevidade, que para nós é uma grande conquista, trouxe também algumas outras prioridades, como o cuidado com as pessoas idosas, nas mais diversas condições de vulnerabilidade

E o que poderia ser aprimorado? 

O conjunto de marcos normativos. Nós estamos falando, e isso já é um assunto desde 2015, da ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. Essa ratificação seria um conjunto de marcos normativos que dão conta, em termos legais, do que as pessoas idosas precisam no nosso País. 

Ainda neste ano ocorrerá a 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (Conadipi). O que é essa diversidade no envelhecer que vocês querem trazer como tema principal? 

 A ideia é entendermos como as atuais políticas podem, cada vez mais, alcançar as pessoas idosas nos seus municípios, e quais melhoramentos podemos fazer para que as propostas debatidas sejam encaminhadas ao final dessa conferência e rapidamente incorporadas, para fazer a diferença no cotidiano das pessoas idosas, que vivem múltiplas velhices

E o que são essas múltiplas velhices? 

Múltiplas velhices é compreender que cada grupo social tem a sua potência. Então, quando nós falamos de mulheres, posso dialogar tanto com mulheres da área urbana, quanto mulheres da área rural. A mesma coisa com pessoas idosas negras, indígenas, quilombolas. Precisamos falar das pessoas idosas em situação de rua, que estão inseridas no sistema prisional, dos idosos LGBTQIAPN+, das pessoas idosas com deficiência... Então falar dessas múltiplas velhices é justamente trazer todo esse universo de grupos sociais, cada um desses grupos com suas potências. 

Mas tudo o que será definido nas conferências será pautado para o próximo ano, e se concretizará, de fato, em políticas públicas? A secretaria tem força hoje para dar vazão a essas mudanças? 

Tem força sim. Hoje, nós temos programas que já respondem às demandas das pessoas idosas, tanto por uma lógica do território, de transformar e melhorar o local, o bairro ou o município onde a pessoa reside, como é o caso do programa Envelhecer nos Territórios, quanto das demandas específicas dos grupos sociais, com o programa Viva Mais Cidadania. Então, hoje nós já temos ações voltadas para povos indígenas, quilombolas, romani. 

Qual é hoje o principal desafio da pasta, inclusive na gestão de recursos orçamentários, para articular todas essas iniciativas que, como foi pontuado aqui, já estão acontecendo? 

O desafio hoje, e estar falando com o Viva ajuda a cumpri-lo, é que possamos alcançar toda a sociedade para falar sobre envelhecimento. Estou falando de parte da população que muitas vezes não quer ser vista como uma pessoa mais velha, e essa atitude muitas vezes é para tentar driblar o idadismo. Então, o enfrentamento às várias manifestações do idadismo, para mim, é realmente o grande desafio.

Você acredita que causas como da criança e do adolescente, como no caso da discussão nacional sobre a ‘adultização’, ainda comovem mais o povo brasileiro, do que causas relacionadas às pessoas idosas? 

Infelizmente sim. Eu entendo que é necessário e justo que se faça tudo que tem sido feito agora na questão do enfrentamento da adultização das crianças e adolescentes. Eu mesmo tenho filhas e me preocupo com essa pauta. Mas, ao mesmo tempo, nós temos violações e violências acontecendo quase que diariamente contra as pessoas idosas, e muitas não foram elevadas ao mesmo nível desse absurdo.

Nós tivemos pessoas idosas que foram colocadas na rua, como se fazia com cachorro ou animais de estimação. Em nenhum momento houve uma grande comoção da sociedade para parar e pensar: 'o que estamos fazendo com o nosso futuro?'

O futuro de todo mundo é envelhecer ou morrer precocemente. Então, se estão jogando nossa velhice nas ruas e isso não mexe com as pessoas como deveria, a ponto de ter um rearranjo das instituições na garantia de mais direitos, é porque ainda a gente não consegue colocar a dimensão e a importância que é falar da velhice. A velhice pode ser, e já temos registros disso, a fase mais longa da vida. 

Justamente pensando na parcela da população idosa mais marginalizada, qual é a prioridade para atuação da secretaria? 

O primeiro ponto é garantir o direito de envelhecer. Isso pode parecer óbvio, mas não é. Ainda temos pessoas que não têm assegurado o direito para envelhecer. E ao falar sobre direito para envelhecer, eu estou falando de garantir a autonomia das pessoas idosas. Então, que nós, enquanto poder público, também possamos criar mais ações, mais programas, não só federais, mas também estaduais e municipais, que vão garantir esse protagonismo das pessoas idosas. É sobre dar aos mais velhos acesso à moradia digna, dele ter o trabalho que quiser, aprender o que quiser, conhecer e socializar com mais pessoas, visitar mais lugares, que ela possa ter tudo aquilo que ela precisa ter e que foi arrancado dele desde o começo de sua história. 

E como envelhecer ‘bem’ em nosso País? 

Envelhecer bem é quando você consegue ser você mesmo, sem os atravessamentos da idade ou aparência, marcas deixadas pela trajetória de vida. Quando nós falamos de políticas públicas ou políticas do setor privado, ou ainda em ações do terceiro setor, do Judiciário ou do Parlamento, estamos falando de fazer tudo o que pode ser feito para que a pessoa idosa seja de fato ator central de uma peça teatral. Para mim, tudo tem que ser em torno dela, para que ela se sinta, de fato, visibilizada por ser quem ela é, com a liberdade de manifestar sua cultura. Esse é o direito de envelhecer bem.

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