Renato S. Cerqueira/Ato Press/Estadão Conteúdo
Publicado em 12/05/2025, às 08h00 - Atualizado às 08h55
São Paulo, 12/05/2025 - Com o noticiário voltado para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), aumentaram os questionamentos entre economistas sobre a viabilidade do sistema previdenciário brasileiro no longo prazo.
Para especialistas ouvidos pelo Broadcast/Viva, a sustentabilidade da previdência social está diretamente atrelada a uma série de fatores estruturais, econômicos e políticos. E as possíveis saídas passam, inevitavelmente, por uma nova reforma. Entenda a seguir os principais desafios e possíveis encaminhamentos.
Os números demonstram bem a pressão crescente. Em 2024, a despesa total do regime geral da Previdência Social, pago pelo INSS, foi de R$ 938,5 bilhões, enquanto a receita somou R$ 641,2 bilhões, resultando em um déficit de R$ 294,4 bilhões. O problema também se agrava no segmento rural, onde a arrecadação foi de apenas R$ 9,8 bilhões, frente a uma despesa proporcionalmente muito maior.
Segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, isso faz com que o regime siga desequilibrado mesmo após sucessivas reformas, com a despesa crescendo em um ritmo mais rápido que a receita. “Em 2019, já dizia que em cinco ou dez anos seria necessária uma nova reforma. Isso está se confirmando agora”, diz Salto, que era diretor executivo do IFI - Instituição Fiscal Independente do Senado na época da promulgação da Reforma da Previdência, em novembro de 2019.
Ele explica que os principais gargalos passam pela previdência dos servidores públicos, trabalhadores rurais e militares, além da revisão de regras como a idade mínima para aposentadoria - e sua correção conforme a expectativa de vida.
“Os resultados do INSS mostram crescimento forte da despesa, e a receita não acompanha.”
Carla Beni, professora da FGV e conselheira do Conselho Regional de Economia – 2ª Região (Corecon-SP) explica, por exemplo, que os militares foram os mais beneficiados na última reforma e acumulam o maior déficit per capita: “Uma nova reforma precisa tratar disso. A questão dos gatilhos automáticos de aposentadoria, usados na Europa, também deve ser considerada. No Brasil, isso virou debate político e foi retirado.”
Nas conversas de dia a dia e comentários online, o INSS, responsável pelo pagamento da Previdência Social, é frequentemente tratado como uma bomba-relógio fiscal. Mas Beni afirma que o descrédito é, na realidade, parte de uma construção narrativa que deve ser vista com cuidado.
“O Brasil passa por um processo de desmerecer a aposentadoria. Quando você conversa com as pessoas, elas acham que não vão receber o benefício, ou que o INSS vai quebrar, que a aposentadoria pública não funciona”, pondera. E completa: “Isso é uma construção proposital para desvirtuar o sistema, dizendo que não funciona, que o ideal seria a previdência privada, quando na verdade o setor privado usa esse dinheiro para comprar dívida pública.”
Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, explica que a lógica do sistema atual é coletiva: “A geração que trabalha hoje paga o aposentado de hoje, que atuou no passado. Não é uma aposentadoria proporcional à sua contribuição individual. Eu trabalho hoje para pagar o esforço de quem já pagou no passado, e no futuro vão pagar a minha aposentadoria.”
Esse modelo é conhecido como repartição simples — e depende do equilíbrio entre contribuintes ativos e beneficiários. “O mercado de trabalho é o que sustenta a aposentadoria”, lembra Felipe Salto.
“Estamos envelhecendo, e isso já vem produzindo um desafio intertemporal.”
A própria percepção das novas gerações colabora para o descolamento do regime. “As gerações mais jovens têm menos apego ao regime tradicional, sim, e podem acessar outros mecanismos — corretoras, bancos — para cuidar da sua aposentadoria dessa forma. Mas isso não é decisivo na Previdência, porque quem tem salário médio e mais baixo ainda aposta no regime geral”, destaca Salto.
Para Cortez, o problema da Previdência também é estrutural: “Em sociedades que ficam mais ricas, com mais longevidade e expectativa de vida, começa a haver um desbalanço. O país envelhece, tem menos gente para pagar. Esse sistema demanda cada vez mais recursos do Estado. E isso pressiona o orçamento.”
Outro fator que ele aponta como relevante é a informalidade e a transformação do mercado de trabalho. “O acesso ao trabalho formal também entra como um desafio. Tem que ter trabalho formal para contribuir com o montante que paga o INSS”, diz, e exemplifica: “O motorista de Uber hoje, se não faz contribuição individualmente, chega lá na frente sem respaldo da Previdência e vai acabar tendo que recorrer ao Estado”.
Entre os especialistas, a indexação do salário mínimo à aposentadoria também aparece como um dos principais pontos de pressão. “Hoje as despesas obrigatórias consomem o orçamento”, diz Cortez. “A regra de aumento do salário mínimo dificulta a formalização e pressiona o bolo dos aposentados. Aumenta o custo do trabalho e, com isso, o custo da Previdência.”
Contudo Carla Beni reflete que, embora “desindexar o salário mínimo da aposentadoria custe menos ao sistema", é preciso que garantir ao menos a correção da inflação, conforme a Constituição Federal. "O argumento de cortar apenas o número não considera o impacto dessas medidas na vida dos aposentados.”
Todos os especialistas ouvidos concordam que novas reformas serão inevitáveis - e até necessárias. “Tivemos reformas nos governos FHC, Lula, Dilma, outra negociada no governo Temer e aprovada no governo Bolsonaro. Portanto, é natural que a gente tenha algumas reformas em breve, em cerca de três a quatro anos possivelmente. Isso é necessário”, exemplifica Beni.
Cortez também aponta para a urgência de um pacto político futuro: “Esses problemas são estruturais. Dada a forte polarização, o problema se agrava. Pode vir a ser tema das eleições de 2026, mas quem ganhar em 2027 vai ter que revisitar o gasto público, incluindo o gasto previdenciário.”
Embora a necessidade de uma nova reforma na Previdência já venha sendo amplamente ponderada, a alteração iniciada em 2019 ainda está em fase de transição. Isso porque, quando começou a aplicar regras vigentes em novembro daquele ano, o Governo Federal estabeleceu um período de transição para que pessoas na iminência de aposentar não fossem prejudicadas ou até pudessem ter o benefício antecipado em sistemas de pedágio.
Segundo estabelecido na época, as regras de transição terminam apenas em 2033 e mudam anualmente de forma progressiva. Entenda a seguir o que está valendo para este ano:
Além da idade mínima e tempo de contribuição, as regras de transição da reforma também consideraram a possibilidade de aposentadoria por um sistema de pontos, no qual é preciso somar idade com tempo de contribuição. Essa pontuação sobe um ponto a cada ano até chegar a 100 pontos para mulheres, em 2033, e 105 pontos para homens, até 2028.
Atualmente, a tabela progressiva indica que as mulheres precisam de 92 pontos para se aposentar, sendo necessário ter, ao menos, 30 anos de contribuição. Já os homens precisam de 102 pontos, sendo necessário ter, ao menos, 35 anos de contribuição. Em 2026, os pontos sobem para 93 e 103, respectivamente.
Para saber quanto tempo falta para se aposentar pelo INSS, faça uma simulação no aplicativo ou site Meu INSS.
Política de comentários
Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.