Renato Domingos/Divulgação
Por Gabriel Serpa, especial para o Viva
redacao@viva.com.brSão Paulo, 13/11/2025 - Três crianças aguardam o retorno de seus pais dentro de um pequeno cômodo gradeado, em um campo de detenção para refugiados. Para passar o tempo, buscam resgatar pedaços da infância, desgastada pela fuga e pelo exílio. Mas as figuras que jogam pião e brincam de família, em cima do palco, são atores com mais de 70 anos.
É a partir dessa visível contradição que a peça “Juego de Niños”, em cartaz no Itaú Cultural, propõe discutir o envelhecimento precoce de jovens imigrantes e refugiados. A dor do abandono, a falta de pertencimento e a tragédia humanitária também ditam o tom da trama transgressora e atual, escrita por Newton Moreno.
A dramaturgia faz alusão a episódios verídicos em que crianças imigrantes, separadas de seus pais, foram mantidas em gaiolas no estado do Texas, nos Estados Unidos, durante a primeira gestão do presidente Donald Trump. Em outro momento, resgata a imagem de uma mãe refugiada amamentando seu bebê através de uma cerca de metal.
“Colocar atores mais velhos para interpretar crianças gera distanciamento e possibilita pensar diferente sobre um tema conhecido”, explica o diretor Bernardo Bibancos.
A ideia surgiu de uma passagem do texto original sobre jovens em situação de vulnerabilidade amadurecerem mais cedo. Bibancos conta que ao procurar Moreno, descobriu que o autor também imaginava o mesmo: “Uma feliz coincidência entre dramaturgia e direção”, resume.
A passagem do tempo na história não é sentida pelo espectador a não ser pelo arco de transformação dos personagens. A iminente chegada dos pais por vezes se confunde com a aproximação de guardas, descritos como medonhos pelas crianças.
A relação entre espera e estagnação temporal resulta em uma sensação de desconforto e abandono para quem assiste. O espaço, reduzido, ainda é disputado pelos atores com alguns poucos brinquedos e uma cama beliche de metal, envolta por grades.
A performance dos atores 70+ ainda proporciona a reflexão sobre a perda do direito à infância. Para Genézio de Barros, 75, o processo teatral proporcionou a investigação do mundo por lentes que não revisitava há muito tempo: “Não queria imitar uma criança e busquei memórias auditivas, emotivas, de como me movimentava e falava na infância”, diz o ator que interpreta México, menino de 8 anos que não se lembra do nome de seu pai.
Vera Mancini, 71, vive a garota Honduras, de 11 anos; e Luiz Guilherme Favati, 74, faz o papel do jovem Nicarágua, de 13 anos. A pesquisa proposta pela preparadora de elenco levou cada um deles a resultados distintos, que dão pistas de suas trajetórias individuais.
A atriz Lu Grimaldi, preparadora do elenco de “Juego de Niños”, propôs aos atores que trouxessem gestos e movimentos para os ensaios que não fossem infantilizados, mas expressassem fragilidade e espontaneidade — típicas de criança. A ideia era respeitar o corpo dos atores e deixá-los expressar, de maneira orgânica, a contradição contida no exercício.
“Reuni técnicas de trabalho, dos meus 50 anos de carreira, pensadas para os corpos deles”, explica Grimaldi, hoje aos 71. Ela também pediu que os três trouxessem referências visuais, como fotografias, quadros e esculturas de crianças para ajudar na construção das expressões corporais e do imaginário lúdico.
“A Vera junta as mãos, como se fosse dormir. Já o Luiz Guilherme, personagem mais velho, vive de braços cruzados, para se proteger”, exemplifica Lu Grimaldi. Juntas, as personagens estabelecem mecanismos de escape da realidade ficcional, através dos jogos, nos momentos de alívio para os espectadores. “A brincadeira vira uma boia salva-vidas para essas crianças”, afirma a preparadora de elenco.
Peça: “Juego de Niños”
Onde: Itaú Cultural, na Av. Paulista, desde 30 de outubro até 16 de novembro
Ingressos: gratuitos na primeira temporada, no site do Itaú Cultural
A peça estreia a segunda temporada dia 18 de novembro até 9 de dezembro.
Onde: Teatro Estúdio, no bairro de Santa Cecília - R. Conselheiro Nébias, 891
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada) e podem ser comprados pelo Sympla.
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