São Paulo, 23/10/2025 - As empresas que precisam levantar recursos no mercado estão tendo maior facilidade para emitir títulos de dívida como debêntures incentivadas, graças a mudanças regulatórias para esses papéis. Com isso, o volume de crédito captado por essa via já supera o oferecido pelos bancos e pelo sistema financeiro nacional.
Mas o que parece positivo à primeira vista pode estar trazendo dificuldades para o Banco Central no controle dos juros da economia, de acordo com especialistas ouvidos pela Broadcast.
Em condições normais, o custo de captação de recursos pelas empresas tende a seguir os movimentos da taxa básica Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia). Porém, graças a recentes mudanças regulatórias, a demanda do mercado por debêntures incentivadas (títulos de dívidas emitidos por empresas para financiar projetos de infraestrutura) aumentou significativamente. E, com isso, elas não precisam mais oferecer juros tão altos para pegar dinheiro emprestado dos investidores.
"O aumento da demanda por esses papéis distorceu o prêmio de risco das emissões. Empresas que deveriam pagar Selic mais 10 pontos em risco de crédito estão pagando Selic mais 2 pontos agora. Elas conseguem ir a mercado pagando um prêmio menor do que deveriam, conseguindo um caminho para captar a juros baixos mesmo com Selic alta", explica Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
De acordo com informações do chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, o crédito ampliado ao setor não financeiro somou R$ 19,7 trilhões em agosto, ou seja, 159% do PIB brasileiro, recorde da série histórica do BC.
"A estrutura do mercado privado de crédito passou por uma alteração expressiva, com possível alteração de como a política monetária impacta a tomada de crédito. Antes a estrutura de crédito do mercado privado era mais dada por bancos, mas agora tem um mercado de capitais mais desenvolvido", compara o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso.
A Moody’s Local, em relatório, aponta que as empresas têm buscado alternativas às fontes tradicionais de crédito, impulsionando a adoção de instrumentos como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), a Letra Imobiliária Garantida (LIG) e as debêntures. Isso amplia o acesso ao capital, diversifica a base de investidores e reduz a dependência de bancos locais.
Por outro lado, com essa facilidade de captar recursos, as empresas ficam menos sujeitas aos efeitos da taxa de juros que o governo, por meio da política monetária do BC, eleva para controlar a inflação na economia.
"O efeito desse juro alto na concessão de crédito ficou menor por conta da explosão desses mecanismos incentivados. Por isso deve ser uma preocupação para o BC", afirma Barros, da ARX.
Para o economista-chefe da Azimut Brasil Management, Gino Olivares, a expansão do crédito não impede o BC de trazer a inflação de volta à meta. Mas é um dos motivos pelos quais o BC teve que subir mais os juros. "Se há um setor relevante de crédito que não reage à política monetária da mesma maneira, é preciso apertar mais o resto. É similar ao que ocorre com créditos via BNDES", afirma.