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Por Fabiana Holtz
[email protected]São Paulo, 30/06/2025 – Finanças pessoais são um assunto distante das escolas, quase um tabu. Por isso mesmo é que o período de férias é uma oportunidade de introduzir noções de como lidar com o dinheiro com atividades leves e construtivas para as crianças em casa ou nas viagens.
Esse tempo livre em família pode ser utilizado para proporcionar experiências ricas e transformadoras para o futuro das crianças e adolescentes. Mas calma, falar de educação financeira não é formar um investidor, mas sim ensinar noções básicas de consumo, planejamento e valor do dinheiro.
Educação financeira real fala muito mais sobre se organizar para pagar suas contas em dia, não acumular dívida e menos sobre investir na bolsa e viver de renda. "Não se trata de ficar rico, como prometem equivocadamente alguns influenciadores digitais", afirma Thiago Godoy, educador financeiro e cofundador da Bem Educação e autor do livro “Emoções Financeiras”.
Os especialistas defendem que falar sobre as finanças da família pode contribuir para que o dinheiro não se torne um tabu também para as próximas gerações.
Os pais podem e devem trazer o assunto dinheiro na comunicação da casa, em todos os momentos possíveis. Ele cita alguns exemplos: "ensinar a comparar preços no mercado, falando sobre qualidade, padrão de vida, explicando porque não pode comprar sempre o chocolate importado, montar a lista de mercado junto. Tudo isso é válido”, diz.
Godoy alerta que simplesmente dizer que não tem dinheiro quando a criança pede algo não é a resposta ideal e passa a mensagem errada.
“Essa resposta não faz sentido para a criança. O mesmo vale para o velho conhecido: na volta a gente compra. É bom deixar claro que não está comprando porque não estava planejado. Você pode até criar para ela um caderno de desejos para estabelecer objetivos e mostrar que comprar não é algo tão banal assim”, explica.
Trazer a criança para a tomada de decisões, incentivar e trazer metas para a família é muito construtivo e a ideia é fazer isso de forma leve. Sem exageros.
Ele cita como exemplo um esforço conjunto para a formação de uma reserva para uma viagem em família no final do ano.
De acordo com Godoy, um grande problema é quando a família blinda a criança o tempo inteiro sobre a questão financeira. “Quando essa pessoa chega ao mercado de trabalho ela não irá saber nem como lidar com o salário”, alerta.
Cássia D’Aquino, consultora internacional de educação financeira e autora de vários livros sobre o assunto, concorda e reforça que dinheiro é um assunto espinhoso para a maior parte das pessoas.
“É normal trocar os pés pelas mãos”, pondera. “O ideal é dizer não para consumo que se considera desnecessário”. Educar basicamente é frustrar, afirma, e quando você diz não, você educa.
Segundo Ana Leoni, CEO da Associação de Planejamento Financeiro (Planejar), entidade responsável no Brasil pela certificação de planejadores financeiros, a principal recomendação nesse caso é sempre ser transparente com as crianças.
“Eles têm mais capacidade de compreender coisas do que a gente imagina. Muitas vezes deixamos nossos filhos completamente alienados da situação financeira da família, mas não se consegue blindar dessa forma, pois as crianças percebem”, diz.
Para Clariana Barcelos, pedagoga, especialista em educação financeira infantil e fundadora da Poderoso Cofrinho, empresa de educação financeira para crianças, a infância é a fase mais poderosa para formar hábitos duradouros. “E isso vale também para os hábitos relacionados ao uso do dinheiro. Férias são momentos de decisões práticas — como planejar um passeio, economizar para algo desejado ou até aprender a lidar com frustrações — e tudo isso pode ser usado como ferramenta pedagógica”.
Se a criança aprende desde muito cedo a diferenciar desejo de necessidade, a lidar com limites e a fazer escolhas, ela leva isso para a vida. “Não é sobre dinheiro em si, é sobre desenvolver autonomia, responsabilidade e consciência social”, diz Barcelos.
Segundo os especialistas tudo pode ser feito de maneira leve e lúdica, respeitando cada fase de desenvolvimento da criança.
O que se sabe que os hábitos financeiros começam a se formar por volta dos sete anos de idade, segundo um estudo da Universidade de Cambridge.
E parte da população já reconhece que a falta de educação financeira tem fortes repercussões na vida adulta. Tanto é que pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que 58% dos brasileiros não foram educados financeiramente na infância, e muitos reconhecem que essa ausência impacta suas decisões até hoje.
D’Aquino concorda que por volta dos seis anos de idade seja um momento marcante para a maior parte das crianças. É quando ela se torna muito interessada em organizar o conhecimento já adquirido e está aprendendo a ler. “Elas ficam muito curiosas e esse é um bom momento para inserir as semanadas como instrumento pedagógico”, afirma.
Atenção aqui. Os pais precisam entrar em acordo sobre as regras, periodicidade, valores. Somente com isso tudo já definido é que se deve comunicar à criança. A semanada ou mesada deve incluir certos compromissos e expectativas em relação ao aproveitamento que ela fará com esse dinheiro.
É importante acompanhar, afirmam os educadores financeiros, ou seja, ensinar a anotar os gastos, estimular a ter objetivos com esse dinheiro. Estabelecer e atingir metas ajuda a desenvolver uma mentalidade poupadora e trabalha a sensação de espera. Pode ser um objetivo de curto prazo, como comprar um brinquedo que ela quer muito.
A primeira confusão comum dos pais é estabelecer uma relação entre o ganho da semana com o desempenho escolar ou ao cumprimento de tarefas domésticas, concordam os especialistas. “Filho não é empregado, filho é filho. Instituir um item a mais para pressionar o seu desempenho escolar deixará a criança ainda mais ansiosa e agitada”, explica D’Aquino.
A autoridade de pai e mãe precisa estar baseada simplesmente no afeto, defende ela. “Isso só cria uma confusão entre afeto e dinheiro”, afirma. A criança deve colaborar com as atividades da casa porque também mora nela, acrescenta Barcelos.
Trabalhar educação financeira infantil vai além do controle de gastos ou poupança: “Estamos formando cidadãos mais conscientes, com capacidade de pensar sobre consumo, sustentabilidade e justiça social. A criança que aprende a lidar com dinheiro, aprende também a lidar com o tempo, com os próprios desejos e com o outro”.
Segundo Cássia D’Aquino, o assunto finanças deve ser trabalhado sob quatro pilares.
Caso vocês já tenham estabelecido regras para a semanada, mas o dinheiro acabou antes do prazo, o que fazer: dar ou emprestar?
Leoni, que também é cofundadora da Bem Educação, recomenda deixar claro que, se for empréstimo, esse valor será descontado da semanada do seu filho. Ele terá de pagar de volta. Ela destaca que isso em nenhum momento deve funcionar como punição, mas sim como um exemplo de como a vida adulta funciona. Da mesma forma como ter um cofrinho e metas.
“Isso se chama dívida, você está trabalhando esse conceito. No futuro, no mundo real, ninguém vai perdoar a sua dívida”, ensina.
Outro ponto importante, segundo os educadores financeiros, é transmitir às crianças a noção de risco e ensinar como é essencial estar atento ao que acontece no mundo. “Toda essa soma de curiosidades e atenções fará dessa criança um adulto muito mais acurado, interessado e bem sucedido”, diz D’Aquino.
Cássia D’Aquino recomenda que os pais tenham em mente que antes de estabelecer uma poupança para os filhos, eles precisam pensar em constituir uma reserva financeira para si. “Eles vão precisar de cuidados primeiro”, acrescenta.
Ela pondera ainda que poupar se torna um exercício mais difícil em um país que culturalmente tem pouca tradição de planejamento financeiro e mais interessada no consumo imediato, mesmo que isso envolva mais endividamento. No entanto, esse cenário pode mudar com campanhas públicas de incentivo, acredita a especialista. “Vimos esse estímulo para constituição da poupança interna acontecer na Coreia do Sul e economicamente se viu o resultado. Mas não vemos isso aqui”, lamenta.
Aproveite o mês de julho para exercitar com as crianças essas cinco dicas simples para introduzi-las no universo financeiro de forma lúdica e construtiva:
Cássia D’Aquino é bacharel em História com pós-graduação em Ciências Políticas e especializada em educação infantil, criou o 'Programa de Educação Financeira' que é utilizado em diversas escolas pelo país. No site da B3 você pode acessar um curso on-line ministrado por ela. É gratuito e tem duração de 1 hora. A especialista também é autora dos livros ‘Como ensinar o seu filho a lidar com dinheiro’, ‘Dinheiro compra tudo? Educação financeira para crianças’, ‘Ganhei um dinheirinho: O que eu posso fazer com ele?’. No âmbito internacional é a única representante da América do Sul na Internacional Association for Children’s Social and Economics Education (IACSEE), organização com sede na Inglaterra.
Thiago Godoy, cofundador da Bem Educação em parceria com Ana Leoni, empresa que presta serviços de educação financeira para escolas e autor do livro "Emoções financeiras". O especialista também tem um canal no Instagram, “Papai Financeiro”, com dicas de educação financeira para quem busca organizar suas contas e entender melhor conceitos básicos do universo financeiro e seu impacto na economia real.
Ana Leoni, CEO da Associação de Planejamento Financeiro (Planejar), cofundadora da Bem Educação em parceria com Godoy, colunista do Valor Investe e comentarista da Rádio CBN, também é consultora de instituições financeiras, escolas, fintechs e fundações.
Clariana Barcelos é pedagoga, empresária, palestrante, autora de livros infantis, colunista da Revista Crescer e fundadora da Poderoso Cofrinho, empresa de educação financeira infantil que oferece soluções financeiras para famílias e escolas.
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