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“Quando as mulheres fazem 50, se tornam invisíveis”, diz Miss 50+

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“Beleza não tem idade. Aos 50, 60, 70, não importa. Você pode ser bela, sim, ser linda”, diz a miss Cris Leite - Divulgação
“Beleza não tem idade. Aos 50, 60, 70, não importa. Você pode ser bela, sim, ser linda”, diz a miss Cris Leite

Por Bianca Bibiano

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Publicado em 07/04/2025, às 06h39

A dentista Cristina Leite, 51, elevou o debate sobre etarismo a novos patamares ao se tornar a primeira mulher com mais de 50 anos de idade a participar do Miss Universe Brasil. O tradicional concurso de beleza passou a aceitar concorrentes com mais de 28 anos apenas em 2024. Em fevereiro, ela ficou entre 12 finalistas na etapa final da competição e fez história.

Cris, como prefere ser chamada, conta sua história de superação, depois de um acidente que lhe deixou com fraturas no crânio. Quando entrou para o mundo da moda, ao se deparar com a diferença entre prática e discurso das marcas em relação à idade das modelos, liderou o manifesto "Nós Não Somos Invisíveis", uma semana antes da São Paulo Fashion Week 2024.

Na entrevista a seguir, ela fala sobre sua jornada profissional e como enxerga as possibilidades de carreira para outras mulheres maduras.

O Miss Universe começou a abrir para a diversidade etária apenas em 2024, quando permitiu que modelos com mais de 28 anos de idade competissem. Como você recebeu esse convite?


Eu achei fantástico. Porque, na verdade, quando as mulheres fazem 50 anos, elas se tornam invisíveis para a sociedade. Muitas até acreditam nisso e acabam não se cuidando ou achando que não podem mudar de carreira ou que têm que ficar o dia inteiro em casa, pensando: “eu não posso fazer isso ou aquilo”. E eu comecei a demonstrar que sim, podemos mudar de carreira, nos ressignificar, ser belas e ter cabelos brancos a qualquer tempo. Por causa dessa minha luta pela representatividade, fui convidada para representar o estado de Rondônia no Miss Universe Brasil deste ano, aos 51 anos.

Após ser convidada para o concurso, como você cuidou da sua preparação?


Foi tudo muito rápido, só tive oito dias para me preparar. Fui atrás de pessoas para me ajudar, mas não tive uma equipe grande. Cheguei no hotel com minha escova de cabelo, minhas unhas básicas e minha maquiagem do Boticário [risos]. Foi tudo muito corrido, mas eu fui com muita garra e determinação. Eu queria usar essa plataforma para falar sobre a falta de representatividade.

E como foi sua trajetória profissional até chegar ao concurso?


Não foi convencional. Até 2017, eu era dentista, com 25 anos na área e especialista em implantodontia. Dei aulas em congressos e tinha uma clínica com 12 colaboradores onde eu trabalhava com odontologia integrativa. Um dia, passeando no shopping, uma pessoa atrás de mim tropeçou e eu caí de frente com a escada, sem conseguir me segurar em nada. Isso resultou em 11 fraturas no crânio. Fui imediatamente socorrida, fiquei dez dias em coma, um mês no hospital. Quando voltei para casa, estava usando cadeira de rodas, e tinha só 44 anos. Não conseguia andar porque fiquei totalmente sem equilíbrio.

modelo de cabelo grisalho, Cris Leite
A Miss Rondônia, Cris Leite, é a primeira com mais de 50 anos no concurso - Divulgação

Levei mais ou menos um ano para me recuperar totalmente. Foi um processo difícil, mas eu treinava todos os dias em casa. Nesse processo, fechei a clínica porque não conseguia mais cuidar dos pacientes e dos 12 profissionais que trabalhavam comigo.

Voltei a trabalhar como dentista em consultórios de amigos, mas quase entrei em depressão. Na minha cabeça, eu falava: "Deus me salvou, me deu uma nova oportunidade de vida, e eu estou voltando a fazer as mesmas coisas?" Eu não queria mais isso.

Como começou sua carreira de modelo?

Sempre gostei de arte, de teatro, de fotografia e sonhei em trabalhar nessa área, mas meu pai não deixava. Ele queria que eu fosse dentista. Quando retomei o olhar para isso, observei que no mundo da moda e da publicidade existe uma falta de representatividade das mulheres mais velhas. A moda se diz inclusiva, mas não com a idade. Vi que eu poderia entrar nesse segmento.

Eu comecei a trabalhar em uma agência no interior paulista, em Campinas, e em seguida fui para a capital. A Ford Models me chamou e depois foi muito rápido a minha entrada no mercado. Mas logo percebi que os trabalhos eram pontuais, campanhas sazonais. Não há uma inserção real do meu perfil nas campanhas.

Passei a observar que existe uma falta de pertinência entre o produto e a modelo que o mercado publicitário utiliza. 

Por exemplo, uma propaganda de colágeno, que é um produto destinado a mulheres maduras, é feita por modelos de 25 anos. Por que o mercado publicitário não utiliza mulheres maduras para representar o produto que elas consomem? 

Essa realidade me motivou a criar o manifesto "Nós Não Somos Invisíveis", uma semana antes da São Paulo Fashion Week 2024. O objetivo era dizer que nós, mulheres maduras, estamos aqui para representar as roupas que vão ser desfiladas, os produtos que querem nos vender. E esse manifesto tomou uma proporção gigante, tanto no Brasil quanto fora. Mas, sabe? Embora tenha tido toda essa repercussão, eu nunca fui chamada para desfilar na São Paulo Fashion Week. Nenhuma das mulheres consideradas top models dos anos 1980 e 90 e que apoiaram o manifesto foram chamadas para desfilar após os 50. O público nos aceita, os comentários nas redes sociais mostram isso, mas o mercado ainda não está preparado.

Como essa falta de abertura do mercado para mulheres com mais de 50 anos afeta sua organização financeira?


Quando eu era dentista, tinha uma carreira de sucesso, fazia implantes, que é a área mais rentável da odontologia. Eu consegui fazer um pé-de-meia, investia na bolsa, já tinha minha casa própria. Agora, como modelo, os trabalhos são pontuais, e ainda não consigo guardar dinheiro. Por isso eu luto para que as mulheres tenham mais oportunidades de trabalho contínuo, não apenas sazonais. 

Eu quero mostrar que podemos mudar de carreira a qualquer tempo, ressignificar nossas vidas, e continuar belas em qualquer idade. Beleza não tem idade. Aos 50, 60, 70, 100 anos, não importa. Você pode ser bela, ter um corpo bonito, ter cabelo branco sim e ser linda. Não precisa seguir as imposições da sociedade. Aliás, parei de pintar o cabelo aos 38, quando tive minhas filhas gêmeas. Cortei bem curtinho e deixei crescer naturalmente. Hoje, me sinto muito mais linda com cabelo branco do que quando pintava. 

A gente tem que equilibrar 50 pratos ao mesmo tempo [risos]. Eu me viro como uma leoa para cuidar das três filhas - a mais velha tem 19. Eu sou divorciada, é tudo comigo. Mas tenho o apoio incondicional delas, da minha mãe e da minha irmã. Não quero que no futuro nenhuma das minhas filhas sofra a discriminação que nós, mulheres com mais de 50 anos, sofremos hoje.

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