Brasília, 12/08/2025 - O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que o Brasil não procura uma ação em bloco contra o tarifaço dos Estados Unidos ao se comunicar com líderes dos Brics. Segundo Amorim, o governo brasileiro procura trocar experiências com os países e discutir métodos de defesa do multilateralismo.
“O Brasil não necessariamente está procurando uma ação em bloco. Agora, trocar experiências, ideias e saber como reagir e defender o multilateralismo é natural. Um dos objetivos dos Brics é defender o multilateralismo”, afirmou Amorim.
Desde que a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros entrou em vigor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) telefonou para líderes dos Brics para discutir sobre as investidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na quinta, 7, ele ligou para o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. No sábado, 9, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ligou para o petista.
Nesta segunda-feira, 11, Lula telefonou para o premiê chinês, Xi Jinping. Em entrevistas, o presidente defende uma ação conjunta dos Brics como resposta ao tarifaço imposto por Trump.
Dificuldade de comunicação
Amorim reforçou o discurso do governo de que, por trás do tarifaço, está uma ação dirigida pela extrema direita dos Estados Unidos e do ideólogo Steve Bannon, que busca “desestabilizar o Brasil”.
“Eu não atribuiria todo o poder ao Bolsonaro. Há desejo da extrema direita dos Estados Unidos, que é dirigida pelo Steve Bannon, de realmente desestabilizar o Brasil. Temos que estar conscientes disso”, afirmou Amorim.
Segundo Amorim, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o comunicou que o governo não está tendo facilidade de se comunicar com o centro do poder de Washington. Segundo o assessor especial, os canais de comunicação não estão fechados por parte do Brasil.
“Da nossa parte, os canais não estão fechados. Mas, o próprio ministro me falou que, aparentemente, não há facilidade de contactar quem decide as coisas nos Estados Unidos”, disse Amorim.
Uma atitude do governo brasileiro em se “auto-humilhar” para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não seria a atitude correta a ser adotada diante da crise do tarifaço.
“Atitude de auto-humilhação para se evitar o pior não é uma atitude correta. Nós não estamos sendo arrogantes. Pelo contrário, houve várias buscas de contatos”, disse Amorim.
O assessor especial também declarou que não acredita que os Estados Unidos vão aplicar uma sobretaxa sobre a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Porém, diante da possibilidade, Amorim disse que o Planalto “tem pensado em tudo que é necessário fazer”.
“É um absurdo tão grande, que eu me recuso a acreditar. Mas, estaremos preparados. O governo tem pensado em tudo que é necessário fazer”, declarou.
Amorim avaliou que as exigências impostas pelo presidente dos Estados Unidos são “inaceitáveis de propósito” para justificar um agravamento das tensões por parte de Washington e ressaltou a postura cautelosa do Itamaraty. O assessor especial também criticou brasileiros que, segundo ele, possuem uma “mentalidade de dependência” diante da crise tarifária.
“No Brasil, muita gente tem uma mentalidade de dependência. Tudo que os americanos criticam e acham ruim passa a ser uma coisa amedrontadora no Brasil. Eu acho que a gente não pode se curvar. A gente fala em defesa da integridade territorial, mas a gente tem que defender a integridade da dignidade nacional”, afirmou o assessor especial.
OMC e BRICS
O assessor especial disse ainda que a Organização Mundial do Comércio (OMC) precisa ser “testada”, mas ele reconhece que ela possui limitações provocadas por vetos de nomeações de juízes por parte dos Estados Unidos. Amorim disse ainda que a crise com os Estados Unidos é a situação mais complexa que lidou na carreira diplomática de seis décadas.
“É o mais complexo em muitos sentidos. O mundo está vivendo uma situação onde você está vivendo duas guerras com potencial de se tornarem guerras globais”, disse Amorim.
Amorim disse ainda que defende que os países do Brics aumentem o comércio em moedas locais, deixando de lado o dólar. O diplomata afirmou que esse é um processo natural que é independente das vontades de líderes mundiais, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Vai acontecer e é bom que aconteça. Isso vai acontecer até independentemente da vontade dos governantes pela maneira de atuar. A aceitação do dólar como moeda de reserva para todos está ligado ao sistema multilateral, isso não é uma coisa que nasceu à toa”, afirmou Amorim.
Manipulação sobre holocausto
Amorim afirmou ainda que o Brasil saiu da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), no mês passado, porque se sentiu manipulado pelas formas em que Israel estava definindo o antissemitismo.
“Estava se sentindo manipulado. A gente sabe as pressões que existem. Eu apoio a decisão que foi tomada que, em função do que eles tentavam definir como antissemitismo. Qualquer coisa de defesa da Palestina já era tido (como antissemitismo)”, afirmou Amorim
Segundo Amorim, que endossou a posição brasileira favorável à solução dos dois Estados, a morte de milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial não pode ser utilizado como motivo para os excessos cometidos por Israel no conflito. “Você não pode usar o Holocausto como justificativa para haver um genocídio na Palestina”, disse.
Sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, Amorim disse que o Brasil é a favor de uma “paz possível” e um acordo que respeite os limites territoriais ucranianos diante da realidade do conflito militar. O assessor especial declarou ainda que defende um cessar-fogo e uma moratória entre os países antes da discussão de um acordo que possa colocar um fim nas tensões no Leste Europeu.
“O Brasil é a favor da paz e tem uma noção da paz possível. O Brasil assinou uma declaração que condenou a invasão por parte da Rússia, porque resolver militarmente não é correto. Agora, sabemos que há outros fatores, é complexo e não é uma coisa que se resolve em um único momento”, disse Amorim.