Pesquisa mostra que falta empatia com a dor alheia

Alessandra Taraborelli

Participantes do evento de divulgação da pesquisa concordam que é necessário um letramento em saúde sobre a dor - Alessandra Taraborelli
Participantes do evento de divulgação da pesquisa concordam que é necessário um letramento em saúde sobre a dor

Por Alessandra Taraborelli e Bianca Bibiano, do Viva

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Publicado em 03/06/2025, às 18h46 - Atualizado em 04/06/2025, às 11h46

São Paulo, 03/06/2025 - O novo estudo, Haleon Pain Index, divulgado pela Haleon, empresa global em saúde do consumidor, nesta terça-feira, revela dados inéditos sobre como a dor é vivida e percebida em diferentes grupos sociais, considerando aspectos geracionais, raciais, de gênero e relacionados ao ambiente de trabalho. De acordo com o levantamento, 91% das pessoas no mundo experimentaram dor no último ano e o impacto emocional e na vida causado pela dor aumentou quase 25% nos últimos dez anos. Entre pessoas acima de 59 anos, mais de 36% relataram sentir dor diariamente. Para pessoas acima de 78 anos, a porcentagem sobe para 48%.

A percepção a dor foi um dos pontos de atenção do estudo, mostrando que as gerações mais jovens relatam frequentemente serem tratadas com desdém ou maltratadas ao discutir sua dor com médicos: 49% das pessoas da geração Z dizem sofrer discriminação nesse sentido, enquanto o número cai para 20% quando analisadas pessoas entre 67 a 77 anos.

Ainda nesse sentido, 51% das pessoas da geração Z acreditam que a sociedade não dá suporte aos que sentem dor, enquanto apenas 42% dos Boomers 2 (entre 67 e 77 anos) compartilham dessa percepção. Já entre 40% dos Millenials (27 a 42 anos), o principal receio é o medo de que pessoas de seu convívio façam suposições a respeito de suas dores relatadas. Entre pessoas de faixas etárias mais avançadas, essa parcela cai para 15%.

De acordo com Andres Zapata, líder médico da Haleon no Brasil, a pesquisa mostra também que o impacto da dor no bem-estar das pessoas está ficando mais grave. “As pessoas com dor têm um sentimento de solidão, porque elas são vistas como fracas, nervosas ou até acusadas de usarem a dor como desculpa para não realizarem alguma tarefa”, explica.

Outro ponto importante que a pesquisa mostrou foi a falta de empatia de profissionais de saúde com a dor do paciente. 37% desejaram que os médicos olhassem para além dos sintomas físicos e 63% desejaram que os médicos olhassem para seus relatos de dor com mais seriedade. Além disso, 58% também gostariam que os médicos oferecessem melhor suporte em relação aos impactos da dor em suas vidas.

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Alessandra Taraborelli

O médico Drauzio Varella, presente no evento, disse que essa questão de empatia é muito importante e que há uma falha no sistema de ensino, que não prepara os futuros médicos para lidarem com a dor. “É necessário um letramento em saúde, as universidades estão treinando mal os profissionais de saúde”, afirma.

Ricardo Kobayashi, especialista em dor pela Universidade de São Paulo (USP), concorda com a urgência de letramento em saúde. “Eu também não tive aula sobre dor. O letramento teria que ser obrigatório nas faculdades, pelo menos o conceito básico”, explica, acrescendo que na ortopedia, área em que atua, já é possível ver iniciativas que contribui para os profissionais entenderem mais sobre a dor.

Lin Tchia Yeng, também especialista em dor pela USP, é uma das responsáveis pelo primeiro centro médico de dor na América Latina, que fica dentro do Hospital das Clínicas, e afirma que é preciso treinar os profissionais para que as pessoas possam ter acesso a dor e tenham um tratamento adequado. “Criamos cursos de dor interdisciplinar. No meu ambulatório, 99% dos profissionais são voluntários, lá temos fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista, educador físico, odontólogo, tudo junto para ver o paciente que está com dor. Sozinho a gente não consegue, a dor tem muitas nuances”, afirma. 

A médica ressaltou ainda que a empatia tem papel fundamental no tratamento e que os pacientes que recebem essa atenção apresentam resultados melhores na recuperação.

Outro ponto levantado pelo Drauzio Varella durante a apresentação da pesquisa foi a necessidade de o profissional olhar e tocar o seu paciente.

“Medicina é uma profissão que se faz com as mãos, você precisa tocar no paciente. Quando você não examina, o paciente entende que não foi bem atendido e tem menos confiança no tratamento sugerido por este profissional”, afirma.

 Tchia Yeng concorda, mas ressalta que está cada dia mais difícil esse procedimento. “O exame físico é essencial. Mas, o serviço público está abarrotado, o profissional mal pergunta o nome do paciente. É preciso treinar o profissional de saúde para a dor, em todas as áreas, isso ajuda o médico. Assim se cria um serviço com excelência”, sugere.

A empatia do médico também tem a ver com a sua qualidade de vida, segundo Kobayashi. “Quando o médico tem que atender um atrás do outro, ele também não tem qualidade de vida. Ele precisa ter qualidade de vida para atender melhor”, explica.

Sobre a questão de atendimento diferenciado para grupos sociais,  Drauzio Varella diz que os vieses existem e que as faculdades precisam reforçar essas questões com seus alunos. “O preconceito ainda é muito forte. Não podemos deixar o preconceito interferir no atendimento de grupos específicos, que sofrem muito. Um gay, por exemplo, muitas vezes é mal-tratado. Precisamos evoluir, é uma irresponsabilidade das faculdades não levar essas questões básicas para a sala de aula”, afirma.

Medicamentos e dificuldades para acessar informação

A pesquisa Haleon Pain Index, realizada em 18 países com mais de 18 mil pessoas, mostra também que a população mais jovem sente a dor com mais intensidade do que pessoas mais maduras e diz ser menos ouvida e sofrer mais preconceito em relação a isso. Entre pessoas acima de 59 anos, a pesquisa identificou que eles sentem menos essa visão.

Dentre as queixas entre mais jovens, são citadas com mais frequência dores de cabeça, dores musculares e de estômago, enquanto adultos acima de 43 tendem a apresentar mais dores articulares no dia a dia.

Além da percepção à dor, a pesquisa questionou os entrevistados sobre o que faziam diante de uma dor. Quase 6 em cada 10 pessoas fazem uso de medicação para dor, enquanto 4 em cada 10 recorrem a remédios naturais ou práticas de medicina alternativa, ambos sem consultar um profissional de saúde.

Nesse sentido, enquanto 49% das pessoas da geração Z dizem buscar descansar diante de uma dor física, apenas 35% das pessoas acima de 67 anos seguem essa orientação e 66% buscam medicamentos. 

Outro dado levantado foi que 45% dos adultos entre 75 e 84 anos têm dificuldade em acessar informações de saúde online, pois não se sentem confiantes para navegar na internet. Esse índice cai para 32% entre as pessoas de 18 a 74 anos.

Venda de remédios em supermercados

Ao final do evento,  Drauzio Varella fez uma forte crítica ao projeto de lei em tramitação que tem por objetivo liberar a comercialização de remédios em supermercados. “Isso é um grande atraso. Estamos andando para trás. Quantos anos nós esperamos para ter farmacêutico de plantão nas farmácias?”.

Lin Tchia Yeng completou: remédio tem que ser vendido em farmácia. Ainda mais no Brasil que a educação é precária. 

Palavras-chave Dr. Drauzio Varella Haleon dor

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