STJ estabelece regras especiais para heranças digitais protegidas por senha

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A medida busca preservar os direitos da personalidade e a intimidade do falecido; medida é avanço na jurisprudência brasileira sobre o tema - Envato
A medida busca preservar os direitos da personalidade e a intimidade do falecido; medida é avanço na jurisprudência brasileira sobre o tema

Por Felipe Cavalheiro*

redacao@viva.com.br
Publicado em 04/10/2025, às 10h00

São Paulo, 04/10/2025 - Em decisão inédita, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o acesso a bens digitais protegidos por senha, após a morte de seu titular, exige a instauração de um incidente processual próprio, separado do inventário tradicional. A medida visa a preservar os direitos da personalidade e a intimidade do falecido, ao mesmo tempo em que permite a partilha de ativos digitais com valor patrimonial.

Leia também: Identidade e herança digital: o que muda com o novo Código Civil?

A decisão marca um avanço na jurisprudência brasileira sobre herança digital, tema ainda carente de regulamentação específica. Segundo o STJ, o procedimento deverá contar com a nomeação de um inventariante digital, responsável por filtrar os bens digitais que possam ser partilhados daqueles que dizem respeito à esfera íntima e existencial do falecido.

Para a doutora em Direito Civil Danielle Biazi, professora de Direito de Família e Sucessões, e sócia do escritório Biazi Advogados Associados, a decisão do STJ preenche um importante vácuo jurídico. “Ainda existe um vazio legislativo sobre o tema. O STJ decidiu uma questão que vinha sendo tratada apenas por doutrina e decisões esparsas nos tribunais estaduais. Agora, estabelece-se que os bens digitais devem ser apurados em um incidente processual próprio, com a figura do inventariante digital, que fará o filtro entre o que pode ser partilhado e o que deve ser preservado por envolver direitos existenciais.”

 A advogada explica que bens digitais incluem desde contas de e-mail e redes sociais até plataformas de armazenamento em nuvem. Alguns desses bens, como perfis em redes sociais que geram receita, podem ter valor patrimonial e ser objeto de partilha. Já conteúdos íntimos, como mensagens pessoais ou diários digitais, não são sucessíveis.

“É como se estivéssemos abrindo um cofre digital. Dentro dele há dinheiro, joias e um diário. O dinheiro e as joias são partilháveis, o diário não. O desafio é separar esses conteúdos no ambiente virtual, algo que não ocorre com facilidade na vida real”, afirma.

Embora a decisão do STJ não tenha efeito vinculante, ela cria um precedente relevante que pode ser replicado por juízes de instâncias inferiores. No caso analisado, todos os herdeiros estavam de acordo quanto ao acesso às plataformas digitais, o que, segundo a professora poderia ter sido resolvido dentro do próprio inventário. No entanto, o tribunal optou por criar uma nova dinâmica processual. “Inventários já são procedimentos complexos e morosos. A criação de um incidente específico pode representar mais custos e tempo. Ainda não sabemos se essa figura do inventariante digital será mantida em futuras decisões”, pondera a advogada.

Na ausência de legislação específica, Biazi recomenda que os cidadãos se antecipem: “É fundamental que as pessoas deixem claro, por meio de testamento ou declaração pública, como desejam que seus bens digitais sejam tratados após a morte. É possível indicar um inventariante digital, definir quem terá acesso às senhas e até utilizar ferramentas oferecidas por plataformas como o Facebook, que permitem nomear um sucessor digital”, finaliza.

*Estagiário supervisionado por Cláudio Marques

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