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Publicado em 11/07/2025, às 08h39 - Atualizado às 09h13
São Paulo, 11/07/2025 - A felicidade sempre foi um desejo particular, uma busca ao longo da vida. Mas agora está ganhando maiores dimensões como prática de políticas públicas e de empresas. O Brasil está próximo de ter o seu primeiro índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), e o local escolhido para o projeto piloto é o arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco.
Após vários meses de conversas, visitas e trocas de informações, o FIB chega por meio de um acordo entre a Aguama Ambiental, empresa brasileira especializada em sustentabilidade e turismo regenerativo, e o governo do Butão.
O conceito é aplicado nesse país do sul da Ásia, região conhecida como Himalaia. Além dos aspectos econômicos, os precursores do FIB acreditavam que a conservação ambiental e a qualidade de vida das pessoas representam variáveis importantes no desenvolvimento de uma nação. Portanto, a FIB não trata somente de mensurar os aspectos quantitativos, mas também os qualitativos de uma população.
De acordo com Caio Queiroz, CEO da Aguama Ambiental, a sustentabilidade e a felicidade estão conectadas, e o índice veio para tangibilizar essas questões e contribuir com governos e empresas que estão preocupados com o bem-estar da população.
O FIB possui nove pilares, que são considerados os principais componentes da felicidade: meio ambiente, bem-estar psicológico, uso do tempo, educação, cultura, saúde, comunidade, padrão de vida e governança.
As tratativas para o projeto piloto surgiram no ano passado, quando o ministro do Butão, Dasho Karma Ura, veio ao Brasil participar de um evento sobre sustentabilidade e turismo. “Durante a vinda dele ao Brasil, surgiu a ideia de implementar o FIB em Fernando de Noronha, uma região tão importante para o mundo sob o ponto de vista ambiental e sustentável e que precisa de várias melhorias para exercer com excelência sua vocação para o turismo. E nada como a felicidade para alcançar essa finalidade”, ressalta Queiroz.
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Mas engana-se quem pensa que em Noronha é só alegria. A diretora de felicidade da Heineken Brasil Lívia Azevedo, parceira da Aguama, compartilhou que, apesar da beleza do local, a população da ilha enfrenta diversos problemas, como a falta de alimentos em certas épocas do ano, e o fato de a maioria dos moradores não saber nadar. “Esse trabalho é crucial para a comunidade”, diz.
Durante o mês de julho, 20 agentes equipados com tabletes, irão entrevistar 700 moradores da ilha, ou 10% da população, e as informações serão passadas para o centro de felicidade de Butão. O resultado será apresentado durante o Festival de Sustentabilidade e Turismo, em Noronha, que acontece de 16 a 19 de outubro.
Queiroz ressalta que a pesquisa vai ajudar para que as políticas públicas de Noronha sejam direcionadas para as dores da região, promovendo uma gestão pública mais eficiente. Ele acrescenta ainda que o objetivo é expandir o índice para todo o País. “A prefeitura precisa estar aberta para ouvir as coisas boas e as ruins também e formalizar um termo de cooperação. É um trabalho integrado com a iniciativa pública, privada, associações ONGs, e entidades”, explica.
O tema felicidade dentro das empresas ainda e novo e não vem sendo tratado de forma estratégica. De acordo com a especialista na ciência da felicidade e fundadora da Reconnect Renata Rivetti, isso ocorre por dois motivos, o primeiro é acreditar que é algo superficial, e considerar apenas como um benefício extra, que a empresa pode oferecer ou não. O segundo, por não entenderem o conceito, muitas vezes trabalham apenas programas de bem-estar e benefícios, e não entendem que isso até pode ajudar, mas não faz a pessoa acordar motivada e engajada com o seu próprio trabalho.
A especialista explica que é necessário entender que felicidade é diferente de estar satisfeito. De acordo com ela, a satisfação tem mais a ver com salário, bônus e os benefícios que são oferecidos pela empresa. Já a felicidade está relacionada a três aspectos: encontrar um trabalho com significado, sentir-se incluído, pertencente e valorizado, e o terceiro aspecto é trabalhar de forma harmônica e ter equilíbrio de vida.
A diretora da Heineken concorda que a felicidade precisa ser tratada como estratégia de negócio. Lívia Azevedo lembra que a inciativa, inclusive, partiu de um pedido do presidente da companhia, Maurício Giamellaro, após ele conhecer a felicidade corporativa em um curso em Stanford (EUA), durante a pandemia. A partir daí, ela e a equipe foram se aprofundar no tema buscando integrar a felicidade na cultura da empresa.
Em 2022. foi feita uma pesquisa com os 13 mil colaboradores da empresa para entender o que era felicidade para eles. Em 2023, ela assumiu a diretoria de felicidade com o objetivo de construir uma estratégia para que felicidade se tornasse cultura dentro da Heineken Brasil. Azevedo ressalta ainda que a felicidade além de impactar no bem-estar das pessoas, traz resultados positivos.
“Observamos que a jornada de felicidade impactou positivamente a produtividade, a rentabilidade e a saúde mental dos funcionários, registrando um crescimento de apenas 0,6% em afastamentos por saúde mental em contraste com o índice de 70% no mercado”, explica Azevedo.
Para isso, no entanto, é necessário que o comprometimento com o tema venha das lideranças. Para que os líderes tenham condições de aplicar o conceito em suas equipes, a empresa tem trabalhado o desenvolvimento para o tema com o programa de Embaixadores da Felicidade, que recebem formação semanal sobre a ciência da felicidade para replicar as práticas em suas áreas.
Rivetti concorda que para que a felicidade seja tratada de forma adequada dentro das empresas é necessário o envolvimento da liderança. “Em geral, 70% do engajamento vem de uma liderança inspiradora. O líder tem um grande poder de promover um ambiente de segurança psicológica, uma liderança humanizada, inspiradora, e isso leva as pessoas a se comprometerem mais, gostar mais do dia-a-dia e encontrar atividades que tragam mais sentido para elas”, afirma.
Por outro lado, a Rivetti também chama a atenção para a responsabilidade do colaborador em contribuir para um ambiente feliz. “A pessoa tem que ir atrás, ter autoconceito, ter autoresponsabilidade, entender o que faz sentido para ela, entender o que ela gosta de fazer e como fazer parte. A felicidade corporativa é uma responsabilidade compartilhada e depende de todos atuarem nessa construção”, pondera.
A executiva ressalta ainda a importância de um líder ajudar o colaborador a encontrar uma atividade certa ao seu perfil. “Quando a pessoa de fato faz o que gosta, ela se sente muito mais feliz no trabalho. A liderança precisa estar comprometida e engajada com essa transformação para poder fazer as mudanças necessárias para um ambiente seguro, saudável”, conclui.
O mercado já começa a se movimentar na procura por profissionais ligados a cultura organizacional e bem-estar, como funções para clima organizacional. Esse movimento está alinhado com uma transformação no mercado de trabalho, em que o bem-estar dos colaboradores é um dos pilares estratégicos para a atração e retenção de talentos.
De acordo com a diretora de recursos humanos da Redarbor, grupo dono da Catho Patricia Suzuki, posições de liderança na área da felicidade são relativamente novas no mercado e vêm sendo adotadas por empresas com maior estrutura.
De acordo com a Pesquisa de Tendências 2025 da Catho, 52,5% dos pesquisados afirmam que a segurança e bem-estar do colaborador é muito importante para a companhia e 39% pretendem aumentar os investimentos nesses quesitos.
O cuidado com a saúde emocional e a experiência do colaborador tem se apresentado como uma demanda do próprio negócio. Especialmente após a pandemia, cresceu a consciência de que ambientes saudáveis e inclusivos impactam diretamente na produtividade, assim como na inovação e nos resultados da empresa.
Suzuki explica que esse profissional precisa reunir competências técnicas e comportamentais. Ter conhecimento em gestão de pessoas, psicologia organizacional e cultura corporativa é importante, mas também é essencial que tenha empatia, escuta ativa, visão estratégica e capacidade de influenciar diferentes áreas e lideranças.
“Muitas vezes, o cargo de felicidade está relacionado ao RH, mas com um olhar mais transversal. Ou seja, é alguém que ocupe espaço organizacional, influenciando e promovendo ações que gerem engajamento, pertencimento e propósito no dia a dia do trabalho”, explica.
A profissional acrescenta ainda que um dos principais desafios é que se trata de uma área relativamente nova e, por isso, há poucos profissionais com formação ou experiência específica em felicidade corporativa. Além disso, como é uma função que exige equilíbrio entre sensibilidade humana e visão de negócio, nem sempre é fácil encontrar esse perfil completo no mercado.
"Acredito que as empresas ainda estão aprendendo a definir escopo, metas e indicadores para essa posição."
A primeira dica é buscar formação em áreas como psicologia organizacional, gestão de pessoas, cultura corporativa e metodologias de clima e engajamento. Há também cursos e certificações específicas em felicidade no trabalho que podem agregar muito ao currículo.
Além disso, é importante desenvolver soft skills como empatia, comunicação, escuta ativa e inteligência emocional. O profissional dessa área precisa gostar de gente e entender que, muitas vezes, seu papel será o de influenciar mudanças culturais e comportamentais dentro da empresa.
Colaboradores felizes produzem mais, permanecem mais tempo na organização e se tornam embaixadores da marca. Investir em felicidade corporativa proporciona retorno direto em clima, performance e reputação, explica Suzuki.
“A dica é começar com o básico: ouvir os colaboradores, criar canais de diálogo, medir o clima organizacional e agir com base nesses dados. A partir daí, é possível estruturar iniciativas que façam sentido para a cultura da empresa e tragam resultados consistentes”, afirma.
Suzuki cita uma pesquisa feita pela Universidade da Califórnia revelou que trabalhadores quando estão felizes são em média 31% mais produtivos, três vezes mais criativos e têm capacidade de vendas 37% maior. Além disso, empresas com culturas organizacionais saudáveis têm um turnover até 50% menor, conforme a Harvard Business Review.
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