Investida dos EUA contra Brasil pode envolver Big Techs sob Seção 301; o que é isso?

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Trump ameaça acionar Seção 301 sobre Brasil, o que revela incômodo das 'big techs' - Adobe Stock
Trump ameaça acionar Seção 301 sobre Brasil, o que revela incômodo das 'big techs'

Por Circe Bonatelli, André Marinho e Aramis Merki II, da Broadcast

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Publicado em 11/07/2025, às 11h10

São Paulo, 11/07/2025 - A investida do governo de Donald Trump contra o Brasil revelou o incômodo causado por uma série de discussões locais que conflitam com o interesse das big techs, as companhias gigantes do mundo digital, como Alphabet (Google), Amazon, Apple, Meta (Facebook, Instagram e Whatsapp) e Microsoft, cujos donos são, em parte, apoiadores do presidente norte-americano.

Além do tarifaço, Trump prometeu que vai acionar o Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), no âmbito da Seção 301, para investigar o Brasil. Ele alegou que o País tem cometido ataques repetidos ao comércio digital envolvendo companhias de lá, embora não tenha feito uma acusação específica. No máximo, citou os bloqueios de contas de usuários de redes sociais pela Justiça brasileira.

"Me parece claro que, entre outros fatores, a medida de Trump é uma forma de pressão política e econômica em virtude de uma discordância sobre como o Brasil vem lidando com temas que impactam empresas de tecnologia baseadas nos Estados Unidos", afirmou Luis Fernando Prado, fundador do escritório Prado Vidigal e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria).

"É uma resposta bastante dura e inédita no contexto das regulações digitais. Ao mencionar a investigação referente à Seção 301, o recado de Trump é que as repercussões econômicas ao Brasil podem ser ainda maiores", acrescentou. "Os efeitos podem ser bastante nocivos para todo setor tecnológico brasileiro, que depende de uma boa relação com os Estados Unidos para prosperar."

O que é a seção 301?

A Seção 301 autoriza o presidente americano a tomar todas as medidas apropriadas, incluindo retaliação tarifária e não tarifária, para obter a remoção de qualquer ato, política ou prática de um governo. Os brasileiros já haviam enfrentado o dispositivo no final da década de 1980, em um caso de propriedade intelectual.
Os EUA acusavam o Brasil de impor leis que restringiam o acesso de empresas de tecnologia americanas ao mercado nacional. O USTR concluiu que o País promovia práticas discriminatórias contra grandes companhias como a IBM. Assim, em 1985, decidiu ativar a Seção 301.
As tensões entre os dois países duraram ao longo da etapa final da década, mas o Brasil começou a abrir o mercado gradualmente a partir do governo de Fernando Collor. Washington também reclamava do fato de o Brasil não conceder patentes para produtos farmacêuticos e para processos de fabricação de medicamentos, com intenção de manter preços baixos. Em resposta, o USTR abriu a investigação sob a Seção 301 em 1987.
Os EUA chegaram a suspender benefícios tarifários ao País sob o Sistema Geral de Preferências. O governo brasileiro rejeitou a pressão, mas em 1996 decidiu conceder as patentes para medicamentos.

Retaliações

O analista da corretora Avenue, Bruno Yamashita, acredita que o Brasil terá espaço limitado para retaliar com foco nas big techs. Mesmo que essas empresas sejam tidas como "protegidas" de Trump e, portanto, um potencial alvo de medidas brasileiras, é preciso lembrar que as redes sociais estão consolidadas por aqui e servem como ferramentas para milhares de empreendedores de pequeno porte. "Pela relevância que diversas plataformas têm para a economia brasileira e para diversos negócios no Brasil, eu acredito que o governo vai ter bastante parcimônia para tomar decisões."

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), Andriei Gutierrez, acredita que a abertura da investigação no âmbito da Seção 301 pode ter como desdobramento retaliações dos EUA com mais impactos sobre empresas locais de tecnologia. "Os serviços digitais podem ser taxados dependendo de como vai ser essa investigação, que prevê medidas de retaliação. Não sabemos como vai caminhar", afirma.

O Brasil exportou para os EUA, ano passado, um total de US$ 235 milhões em softwares para dispositivos eletrônicos (computadores, tablets, celulares, etc) e US$ 610 milhões em serviços variados de tecnologia da informação, de acordo com levantamento da Abes. Essas exportações não serão alvos da elevação das alíquotas anunciadas na quarta-feira, 9, que afetam apenas produtos enviados para os EUA, não serviços, categoria na qual se enquadram os softwares.

O sócio do Madrona Advogados na área de comércio internacional, Lucas Spadano, concorda que a abertura de um processo no âmbito da Seção 301 pode levar a mais tributações ou restrições comerciais nas exportações brasileiras. "Podem ser impostas mais tarifas ou restrições quantitativas aos produtos e serviços brasileiros", estima. Spadano aponta ainda que as medidas da seção 301 já foram acionadas para discutir a tributação de serviços digitais em alguns países, principalmente europeus.

Spadano acrescenta que, se o Brasil retaliar os EUA com taxação de serviços, pode haver impacto negativo para o segmento de data centers e computação em nuvem. Isso porque cerca de 60% dos dados brasileiros estão alocados em centros que ficam fora do País, sobretudo nos Estados Unidos. "Naturalmente, o País vai evitar 'dar tiros no pé'. Além disso, é algo sujeito a consultas públicas, então a sociedade e os setores interessados poderiam se manifestar", diz.

Marco civil

No mês passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento envolvendo o Marco Civil da Internet e que teve como consequência prática o aumento na responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos ilegais postados por seus usuários. Portanto, as plataformas agora podem ser responsabilizadas civilmente mesmo sem uma ordem judicial, desde que tenham sido notificadas e não removam conteúdos considerados ilegais, algo que foi muito criticado pelas big techs.

Pela frente, o Brasil vai definir o marco regulatório de inteligência artificial, que pode imputar mais obrigações às empresas. Outro tópico que vai e vem é a vontade do governo Lula de taxar as big techs pelo excesso de tráfego gerado nas redes. A ideia seria destinar o dinheiro para fundos setoriais voltados à difusão da internet.

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