300 mil brasileiros aguardam justiça pelos confiscos da poupança na era Collor

Pedro França/Agência Senado

Nesta semana, uma nova decisão do Supremo definiu que receberão em cima das correções monetárias somente quem aderir ao acordo coletivo - Pedro França/Agência Senado
Nesta semana, uma nova decisão do Supremo definiu que receberão em cima das correções monetárias somente quem aderir ao acordo coletivo
Por Paula Bulka Durães [email protected]

Publicado em 10/07/2025, às 12h02

São Paulo, 10/07/2025 - Trinta e cinco anos após os confiscos da poupança no governo Collor, ao menos 300 mil brasileiros aguardam na Justiça uma resolução, de acordo com a Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo). 

A novidade é que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou por unanimidade, em sessão virtual encerrada em 30 de junho, a constitucionalidade do Plano Collor I e decidiu que o direito de receber diferenças de correção monetária decorrentes do plano está condicionado à adesão a um acordo coletivo já homologado pela Corte.

Antes disso, em maio deste ano, o STF prorrogou por mais 24 meses o prazo para aderir ao acordo coletivo, a pedido da Febrapo, do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

O STF também julgou em 2022 constitucional os planos econômicos planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II, que congelaram aplicações nos bancos ou os ganhos em cima da inflação.
Em outras palavras, só tem direito a receber o valor confiscado pelo governo Collor e com correção monetária o cidadão que tenha aceitado entrar na Justiça via acordo coletivo.
"Essa pressão para aderir ao acordo é absurda”, afirma a diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e  membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP, Renata Abalém. Na opinião dela, as decisões recentes do STF representam um retrocesso e são favoráveis aos bancos. 
“Quem tinha mais idade na época e aplicou na caderneta de poupança já morreu e não recebeu o dinheiro de volta", diz a advogada.
Por sua vez, a diretora executiva da Febrapo, Ana Seleme, defende a adesão ao acordo. “O acordo é calculado com base em fatores pré-estabelecidos para cada plano econômico, que calculam uma indenização base, com correção monetária pelo índice de inflação (IPCA) até este ano, em março de 2025, e já garantiu o pagamento de mais de 326 mil pessoas, em valores que superam R$ 5 bilhões. Mas ainda restam cerca de 300 mil poupadores originais ou seus herdeiros que podem aderir”.
Além dos acordos coletivos ligados a instituições financeiras, muitas pessoas lesadas no confisco resolveram acionar a Justiça em processos coletivos, com advogados particulares ou representantes de grupos de poupadores prejudicados pelos planos econômicos.
Esse foi o caso de Aparecida Matias, 54, que teve a poupança confiscada em 1990, pelo Plano Collor I, dinheiro que seria usado para pagar contas e investir em uma reforma. No começo dos anos 2000 ela entrou em uma ação coletiva para recuperar o dinheiro perdido. O retorno veio somente em 2015, quando a dona de casa foi atrás da associação que entrou com o processo e conseguiu a indenização. 
“O governo ficou com todo o nosso dinheiro. Eu recebi só 80% do que perdi lá atrás. Conheço pessoas que, na época, ficaram com depressão, gente que perdeu a casa. Tive que pressionar a associação que representou a minha ação por um retorno”, desabafa Aparecida.
O assistente de transportes, Elvis Tavares, 48, é filho da servidora pública Vildalia Macedo, que morreu em decorrência de um infarto em 2005 sem reaver o dinheiro confiscado. A profissional de limpeza contava com a indenização para ajudar financeiramente os quatro filhos. 
“Ela sempre dizia que uma hora o ‘dinheirinho’ ia sair, com juros e correções monetárias, e tinha esperanças que fosse resolver várias situações, como dívidas que ela carregava na época. Minha mãe sempre trabalhou ganhando um salário mínimo e morreu sem ver a cor desse dinheiro. Até hoje não fomos notificados sobre o processo”, relata Tavares.

Quem pode aderir ao acordo coletivo

O acordo coletivo pode ser aderido por poupadores e seus herdeiros que entraram com uma ações individuais ou coletivas em até 20 anos depois da criação de cada plano econômico a qual o processo se refere (Bresser, Verão, Collor I e Collor II ).
Os brasileiros que aguardam uma decisão igual a de outro processo já julgado, devem ter entrado com esse pedido até 11 de dezembro de 2017 ou no prazo de até 5 anos depois da decisão coletiva que estão baseados.
O pagamento do ressarcimento deve ser feito em até 15 dias úteis depois da confirmação de adesão, de acordo com o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec). Não é preciso ser filiado a alguma associação de poupadores. O prazo para aderir o acordo coletivo é de 24 meses a partir de maio de 2025. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) possui um portal para quem decidir entrar no acordo. Quem acatar a proposta, terá o processo judicial extinto. 

Como foi o confisco

Um dia após ser proclamado presidente da República, em 16 de março de 1990, Fernando Collor de Mello reafirmou, em rede televisionada para todo o País, o plano econômico que confiscou cerca de 80% do dinheiro aplicado em cadernetas de poupança dos brasileiros da noite para o dia. 
“A sociedade quer ações concretas agora, já. Submeto hoje ao legislativo as primeiras medidas que estamos adotando com vistas a execução do projeto de reconstrução nacional", declarou Collor em pronunciamento oficial.  
A decisão polêmica foi anunciada na tarde do mesmo dia pela equipe da ministra da Economia na época, Zélia Cardoso de Mello, para combater a hiperinflação que assolava o Brasil. Estima-se que o governo tenha congelado então o equivalente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. 
Durante a campanha presidencial, Fernando Collor de Mello já dava indícios que tomaria uma atitude radical caso fosse eleito. Oposição direta ao governo de José Sarney, Collor e sua equipe econômica estudavam um plano para conter a hiperinflação no País, que chegou a atingir 84,3% em março de 1990
A decisão desastrosa teve um embasamento, uma vez que o Banco Central (BC) não tinha ferramentas na época para conter a inflação, de acordo com o professor Leonardo Weller, professor de economia da FGV EESP, e autor de artigos e análises sobre os planos econômicos. 
“O que os economistas pensaram é que, na ausência de instrumentos de política monetária, vamos, por lei, retirar a liquidez de circulação. E eles fizeram isso com o confisco. O grande problema dessa época é que a inflação era inercial, ou seja, praticamente todos os contratos eram indexados à inflação passada. A conclusão foi que a inflação caiu, mas não foi o suficiente e a economia passou por uma recessão horrível”, descreve o pesquisador. 
O economista reforça que na história da economia mundial, alguns países realizaram confiscos, frente às perdas da Segunda Guerra Mundial, como o Japão e a Hungria. “Os países assolados pelas grandes guerras tomaram decisões parecidas. No Brasil, a decisão de incluir a poupança nos confiscos afetou a população toda, incluindo os mais pobres. Foi um período traumático que gera impactos até os dias de hoje, principalmente para as pessoas mais velhas, que ainda se sentem receosas de botar dinheiro no banco”.
Weller esclarece que hoje, o risco de um confisco das poupanças no País é praticamente nulo, assim como de um cenário de hiperinflação. 
“As instituições democráticas são mais sólidas hoje. O STF tem força para derrubar uma medida provisória, assim como o Congresso, e o Banco Central é independente e atua com vigor na política monetária do País”.

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