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Gestão de patrimônio em vida: abrir holding ou fazer doação?

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Chefe da família pode decidir separação de bens ainda em vida - Envato
Chefe da família pode decidir separação de bens ainda em vida
Por Alessandra Taraborelli [email protected]

Publicado em 28/03/2025, às 09h00 - Atualizado em 09/04/2025, às 09h43

A gestão de patrimônio tem se tornado uma grande preocupação para famílias e empresas, que buscam evitar conflitos entre os herdeiros após a morte do ente querido. O objetivo essencial da gestão de patrimônio é garantir a sua preservação e o crescimento seguro ao longo do tempo, contemplando, inclusive, a sucessão familiar.

Para famílias e empresários, essa prática pode ser uma ferramenta importante para evitar a dispersão dos bens e permitir a redução legal de impactos tributários, além de assegurar um processo de sucessão mais organizado,  eficiente e tranquilo.

Pensando em evitar imbróglios futuros, os fundadores e acionistas da Natura, Antônio Luiz da Cunha Seabra e Guilherme Peirão Leal, optaram pela doação em vida. No final de 2024, Seabra anunciou a redução da sua participação na companhia de 14,36% para 4,79%, após doar para sua esposa e seus quatro filhos. Logo depois, no final de janeiro, foi a vez de Leal informar que estava reduzindo sua participação de 7,166% para 4,166%, porque doou as ações ordinárias para seus três filhos.

As ações foram doadas com reserva de usufruto vitalício da integralidade dos respectivos direitos políticos e econômicos, ou seja, mantendo suas posições de controle acionário na Natura. 

Cláusula de usufruto nas doações

O usufruto garante ao doador o direito de continuar utilizando e usufruindo dos bens doados até seu falecimento, evitando a perda imediata do controle sobre o patrimônio transferido. Desde que constituída conforme a lei e mediante os instrumentos corretos, é uma ferramenta muito útil e segura no planejamento familiar, permitindo a antecipação da transferência de bens em vida sem, por outro lado, deixar o doador desprovido de acessar e utilizar aqueles bens e seus frutos (como aluguéis e outros rendimentos).

Tanto na doação de bens quanto na holding familiar, os custos incluem registros de bens imobiliários, taxas cartorárias, honorários contábeis e advocatícios. Além da taxa de constituição de pessoa jurídica, no caso da holding. E, nos dois casos é necessário levar em conta a tributação sobre a transferência de bens, como o ITBI, ITCMD e, em certos casos, Imposto de Renda.

De acordo com Luiz Augusto de Borborema Blasch, CFO do Borborema Blasch & Hebron Advogados Associados e membro do Instituto Brasileiro de Planejamento Sucessório, é prudente que as famílias não adiem as estratégias de sucessão. "O momento exige antecipação e adequação às novas diretrizes. A espera pode comprometer o patrimônio em virtude de novos encargos tributários. É necessário compreender de que forma essa legislação pode afetar tais processos para orientar as melhores decisões", diz. Não é à toa que, agora, há um impacto visível no mercado: aumento médio de 40% na procura por escritórios especializados, segundo ele.

A escolha entre doação ou criação de holding familiar, segundo especialistas, depende do perfil patrimonial e dos objetivos familiares. A holding pode reduzir impostos sobre rendimentos e permitir uma gestão mais estruturada dos bens, enquanto a doação pode simplificar a sucessão e evitar tributação futura.

É importante lembrar que, ainda que a doação seja feita com reserva de usufruto, o doador deixa de ser proprietário dos bens. Nesse contexto, o planejamento envolvendo estruturas jurídicas, como é o caso da holding, pode permitir uma gestão mais adequada dos bens por parte do doador. “A depender do cenário, ambos os instrumentos são viáveis e indicados de forma concomitante, por terem abrangência e finalidade diferentes”, avalia o advogado tributarista e professor da FIPECAFI Fabio Pereira da Silva.

Segundo ele, a gestão de patrimônio é algo muito importante para a sucessão, mas traz desafios que incluem a falta de um planejamento prévio adequado, divergências familiares, carga tributária elevada, burocracia legal e riscos de disputas judiciais. 

O professor avalia que antes de se decidir entre a doação ou criação de uma holding familiar, deve-se avaliar diferentes cenários de tributação, preferências no controle dos bens, segurança jurídica, custos envolvidos, direitos sucessórios dos membros da família, existência de estrutura familiar prévia, além de riscos de futuras disputas judiciais. Tudo isso, em meio a uma reforma tributária que pode impactar os negócios. 

Por outro lado, a falta de gestão de patrimônio pode causar prejuízos e se arrastar por anos se mal planejada. É o caso das Casas Bahia, em que mais de uma década após a morte do fundador Samuel Klein, os três filhos do empresário e os herdeiros de um quarto filho, que está sendo questionada a paternidade, ainda travam uma disputa judicial pela partilha dos bens. A herança não pode ser movimentada enquanto não houver uma decisão sobre a paternidade. 

Além disso, valores de patrimônio, assinaturas em documentos, entre outros itens, são pontos de discórdia entre os possíveis herdeiros. 

Reforma Tributária

Caso a reforma tributária seja aprovada pelo Congresso, o planejamento sucessório ganha ainda mais relevância. A progressividade das alíquotas do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), o aumento potencial de tributos sobre bens no exterior e a possibilidade de novas cobranças sobre planos de previdência são fatores que tornam o planejamento indispensável para diminuir e evitar riscos fiscais. 

Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do CARF
Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do CARF - Divulgação

As alterações do ITCMD podem aumentar os custos de heranças, alerta Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão do ministério da Fazenda.

A reforma cria um cenário em que imóveis que hoje podem ser tributados a 4%, como em São Paulo, passarão a ter alíquotas maiores, chegando ao teto de 8% ou mais.

"Além disso, novas propostas discutidas no Senado sugerem aumentar o teto para até 16%, o que tornaria o planejamento sucessório indispensável para reduzir custos e evitar surpresas fiscais”, afirma.

O planejamento sucessório oferece aos proprietários e herdeiros um ambiente seguro e estruturado para a transmissão de bens, proporcionando tranquilidade e garantindo a preservação do patrimônio familiar para as futuras gerações, pontua  Paulo Akiyama, advogado especialista em direito civil da Akiyama Advogados. 

“Em um cenário econômico que aponta para novos rumos, o planejamento sucessório é uma ferramenta eficaz de organização patrimonial e redução de custos tributários."

O especialista ressalta, no entanto, que antes de tomar qualquer decisão, é preciso realizar um estudo minucioso do patrimônio, prever o que o futuro sucedido deseja aos seus sucessores, além de entender como será feita a distribuição do patrimônio. “Nem sempre constituir uma holding é vantajoso no aspecto fiscal. É importante realizar um estudo aprofundado do desejo do futuro sucedido e o que ele espera de seus sucessores”, alerta Akiyama.

Cuidados legais 

No caso da doação, é importante estabelecer regras claras, incluir cláusulas, por exemplo, de incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão, além de garantir a equidade entre os herdeiros para minimizar contestações. Os advogados recomendam registrar devidamente todas as doações para evitar conflitos num futuro processamento do inventário.

No caso da holding familiar, a maior parte dos riscos está nos casos de planejamento inadequado, podendo gerar conflitos familiares, questionamentos por parte do fisco, riscos sucessórios, dificuldades na gestão empresarial e altos custos de manutenção. Tais riscos são minimizados por meio de estudos detalhados de planejamento patrimonial, que analisam a viabilidade da constituição de uma holding e sua manutenção ao longo do tempo, inclusive com uma avaliação de possíveis alterações legislativas e seus impactos no planejamento.

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