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Tarifa dos EUA pode afetar preços no Brasil de três formas, duas delas inflacionárias

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Eventual aumento da oferta no mercado interno de produtos como café poderia ajudar no combate à inflação; BC  não deve alterar política monetária - Envato
Eventual aumento da oferta no mercado interno de produtos como café poderia ajudar no combate à inflação; BC não deve alterar política monetária

Por Daniel Tozzi Mendes, Anna Scabello e Cícero Cotrim, da Broadcast

redacao@viva.com.br
Publicado em 13/07/2025, às 12h00 - Atualizado às 18h11
São Paulo e Brasília, 13/07/2025- Economistas de instituições do mercado financeiro divergem sobre quais serão os principais efeitos da nova tarifa de 50% dos Estados Unidos para o Brasil sobre a inflação doméstica. Já para ex-diretores do Banco Central, o tarifaço não deve mudar os rumos da política monetária da instituição.

Na avaliação de economistas, o impacto das medidas na inflação tende a zero - refletindo, por um lado, uma alta modesta do dólar em relação ao real, e, por outro, algum impacto para baixo na atividade econômica.Há, por um lado, temor de que a diminuição das compras de produtos brasileiros pelos Estados Unidos provoque enfraquecimento do real, justamente em um momento em que o câmbio jogava a favor do combate à inflação. Fontes da área econômica do governo já relataram à Broadcast que, se aplicadas, a tarifa de 50% jogaria um "balde de água" fria na desaceleração da inflação.

Ao mesmo tempo, o virtual fechamento do mercado dos EUA cria a possibilidade de itens que originalmente seriam exportados, como café, aço e carne bovina, permanecerem no mercado interno, o que aumenta a oferta e, em tese, diminui os preços domésticos.Há ainda um terceiro efeito previsto, de aumento na pressão inflacionária, caso o governo brasileiro decida retaliar os EUA elevando tarifas de bens importados dos Estados Unidos.

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Em relatório, economistas do Bradesco calculam que, se a tarifa de 50% for confirmada, haveria acréscimo de 0,35 ponto porcentual à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2025.

Nos cálculos do banco, o tarifaço levaria a uma redução de US$ 15 bilhões nas exportações do Brasil - o equivalente a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Assim, para manter a conta corrente estável, o câmbio poderia ter uma depreciação da ordem de 6%, o que acarretaria uma inflação mais alta. "Os impactos seriam percebidos ainda neste ano, com IPCA pouco abaixo de 5,5%", dizem.Efeito oferta

Para a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Ângelo, a tarifa, a princípio, traz viés de baixa à projeção de inflação da casa, de 5% no final de 2025, dada a possibilidade de crescimento da oferta no mercado doméstico."Parte expressiva da nossa produção de carne bovina é exportada para os Estados Unidos, teríamos mais oferta de carne internamente, contribuindo para reduzir os preços", diz ela. O cenário traçado pela casa contempla câmbio de R$ 5,50 no final do ano, estimativa que também ganhou grau de incerteza por conta do tarifaço.

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O economista do Santander Brasil Adriano Valladão acrescenta que, além da carne bovina, o aço e o café são outros itens que podem ter oferta aumentada no País com o fechamento do mercado dos EUA. Ele avalia, porém, que o impacto de alívio sobre o IPCA será pouco relevante. Primeiro porque, no caso do café e da carne bovina, não deve haver dificuldade para que o Brasil encontre novos mercados consumidores, redirecionando essas exportações.
Em relação ao aço, Valladão observa que se trata de um item que afeta a cadeia produtiva de diversos setores da indústria, mas cujo impacto no preço tende a demorar a ser repassado para os bens. "Por isso, é difícil imaginar algum efeito desinflacionário que vá além de 0,1 ponto no IPCA. No cenário de hoje, o repasse do aumento da oferta tende a ser zero", diz.
Já o economista João Fernandes, da gestora Quantitas, considera que com as novas tarifas, o câmbio se estabilizaria em uma faixa de R$ 5,6 a R$ 5,8, o que mais do que compensaria qualquer efeito de melhora nos preços internos por aumento da oferta. "O efeito líquido seria um IPCA 0,40 ponto porcentual mais alto", calcula.
O cenário, diz ele, pode se agravar ainda mais em caso de retaliações por parte do Brasil, já que aproximadamente 50% das importações provenientes dos EUA são máquinas e equipamentos, cujos preços afetam bastante o custo de produção local. Esse efeito, contudo, seria mais difuso no tempo, de acordo com o economista. "No pior dos cenários, as tarifas podem aumentar o IPCA entre 0,60 e 0,70 ponto porcentual em um horizonte de 12 meses", calcula.

Política monetária

Os ex-diretores do BC lembram que a moeda americana valorizou 2% em relação à brasileira entre a última terça-feira, véspera do anúncio, e as 15 horas da última sexta-feira, de R$ 5,4458 para R$ 5,5549. Mesmo com essa elevação, o dólar continua caindo cerca de 10% frente ao real este ano. A cotação também continua abaixo dos R$ 5,60 usados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) nas mais recentes projeções de inflação.

Ao mesmo tempo, é consenso no mercado que as tarifas devem ter impacto negativo, embora moderado, no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) - o que ajudaria o BC a levar a inflação para a meta. O Goldman Sachs, por exemplo, estima que as taxas impostas por Trump podem reduzir o PIB brasileiro em 0,3 a 0,4 ponto porcentual. A XP Investimentos vê um efeito negativo de 0,3 ponto este ano, e de 0,5 ponto no próximo.

"Não parece algo a que o BC precisaria reagir", diz o economista Alexandre Schwartsman, sócio da consultoria Pinotti & Schwartsman Associados e ex-diretor de Assuntos Internacionais da autoridade monetária. "Se o câmbio for para R$ 6, teria 1 ponto a mais de IPCA vindo do dólar ali na frente. Mas, até agora, são efeitos que, no conjunto da obra, não são tão grandes."

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Schwartsman calcula que as tarifas podem resultar em um fechamento de 0,3 a 0,4 ponto porcentual no hiato do produto brasileiro, se mantidas. Isso equivale a um efeito negativo de 0,05 a 0,25 ponto na inflação em quatro trimestres. Mercado e autoridade monetária concordam que o hiato está positivo, e o BC vem repetindo que a desaceleração da economia é um passo importante para controlar a alta dos preços.

O economista Fabio Kanczuk, ex-diretor de Política Econômica do BC e hoje diretor de macroeconomia do ASA, uma instituição financeira, manteve a expectativa de um corte de 0,25 ponto da Selic no fim deste ano, a 14,75%, e queda dos juros a 13% no fim de 2026. Ele considera que não deve haver mudanças na condução da política monetária por ora, uma vez que os dados ainda não sugerem impacto relevante sobre a inflação.

O analista pondera, no entanto, que os impactos das tarifas sobre o PIB brasileiro vão se manifestar por meio de uma redução da demanda externa - ou seja, via redução de exportações - , com um resultado menos intenso. Esse tipo de efeito, ele explica, se manifesta indiretamente, via mercado de trabalho, com impacto nas empresas que dependem de exportações.

Por isso, segundo Kanczuk, o comportamento do câmbio vai ser o principal determinante do comportamento dos preços. "O efeito é menor do que um efeito típico sobre a economia. A conta típica é que exportamos 2% do PIB para os Estados Unidos, e vamos perder, sei lá, 0,5% do PIB. Então, falam que o hiato vai abrir 0,5 ponto do PIB, mas não, é menos, porque é uma demanda indireta", afirma o analista. "Tem esse efeito de menos atividade econômica, mas toda cara é que é menos relevante do que o câmbio."

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