Venda de medicamentos em supermercados ganha força no Congresso

Envato

Projeto que autoriza venda de medicamentos em supermercados tem como relator o senador Humberto Costa (PT-PE) - Envato
Projeto que autoriza venda de medicamentos em supermercados tem como relator o senador Humberto Costa (PT-PE)

Por Júlia Pestana, da Broadcast

redacao@viva.com.br
Publicado em 16/07/2025, às 17h51

São Paulo, 16/07/2025 - Após anos de resistência de entidades da saúde e da indústria farmacêutica, o projeto que autoriza a venda de medicamentos em supermercados ganhou força no Senado e deve ser votado na primeira semana de agosto, disse o senador e relator do projeto, Humberto Costa (PT-PE), ao Broadcast.

O texto atual, ajustado por emendas do autor do projeto, Efraim Filho (União-PB), aproximou os setores envolvidos de um consenso ao permitir a instalação de farmácias completas dentro dos supermercados, desde que atendidas as exigências sanitárias da Anvisa. Antes, a proposta previa apenas a liberação da venda de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs) nas gôndolas dos supermercados, tal como ocorre em países como Estados Unidos e Reino Unido.

Segundo o relator, que também já foi ministro da Saúde, o texto está "bem encaminhado" e os ajustes finais devem contemplar todos os setores. "Acredito que não haverá resistência do Ministério da Saúde e nem da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma)", disse ele sem no entanto detalhar quais seriam as alterações finais.

A nova proposta permite que supermercados instalem um espaço específico para a venda de medicamentos, inclusive os que exigem prescrição médica, dentro da área de vendas. O espaço poderá ser operado diretamente pelo supermercado ou em parceria com redes farmacêuticas, deverá cumprir com exigências sanitárias e ter a presença de um farmacêutico.

O economista e ex-diretor da Anvisa, Ivo Bucaresky, lembra que o tema já foi discutido no passado, inclusive durante o governo Dilma Rousseff, quando chegou a ser proposto por meio de medida provisória. "Esse assunto volta de tempos em tempos, impulsionado principalmente pelo interesse comercial dos supermercados e distribuidores", afirmou.

Para ele, o avanço recente da proposta se deve a intensificação do "lobby" do setor supermercadista, combinado a um momento de fragilidade política e econômica. "Com o aumento da inflação e do custo de vida, ganha força o discurso de que a medida trará mais concorrência e preços mais baixos."

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, defende que a proposta pode impactar o preço final ao consumidor, com a redução de custos logísticos e operacionais. "O projeto também abre espaço para parcerias com farmácias já existentes, inclusive de pequeno porte, sem provocar fechamento de lojas."

No entanto, Bucaresky afirmou que, na prática, a instalação de farmácias dentro dos supermercados pode levar ao fechamento de pequenas farmácias, o que reduziria a concorrência em muitos municípios e levaria à alta nos preços. "As pequenas farmácias dependem da venda de medicamentos com prescrição para sobreviver. Se perderem essa receita, muitas terão que fechar. E, com menos concorrência, a tendência é que os preços subam, e não o contrário."

O que dizem as farmácias

O presidente da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, afirmou que a proposta respeita o "princípio de livre concorrência", mas representa apenas o surgimento de novos competidores, sem trazer ganhos para as farmácias já em operação. A preocupação da entidade é sanitária e regulatória, e não comercial. "Não há como ser contra a proposta, mas as farmácias vão precisar ser mais competentes para manter seu espaço no mercado", disse.

Barreto pondera que, diante da nova proposta, as farmácias até podem se beneficiar do fluxo de clientes que circulam pelos supermercados. No entanto, reflete que caso o texto seja aprovado, a tendência é que as redes varejistas passem a instalar farmácias próprias dentro das lojas, como forma de reduzir os custos das unidades hoje localizadas em galerias.

O analista do BTG Pactual, Luiz Guanais, é contrário a essa ideia e prevê que as varejistas não vão abrir farmácias próprias no curto e médio prazo, por exigir altos investimentos e infraestrutura robusta. "No longo prazo, a nova regulamentação pode apenas abrir espaço para movimentos de consolidação e reorganização do setor", disse.

Já as pequenas farmácias independentes serão as mais prejudicadas pela nova proposta, segundo o presidente da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (Abcfarma), Rafael Espinhel, uma vez que essas já contam com margens de lucro muito apertadas e operam, muitas vezes, como único ponto de acesso a medicamentos em comunidades e cidades pequenas.

Apesar das cinco maiores redes farmacêuticas concentrarem 32% das vendas do Brasil, o mercado farmacêutico ainda é pulverizado: dentre 93 mil farmácias no País, 58 mil são de microempresas optantes pelo Simples Nacional. Segundo Espinhel, as pequenas farmácias respondem por 58% do setor e têm faturamento mensal entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. "Elas não têm escala, publicidade integrada ou estrutura subsidiada, como os grandes supermercados."

Espinhel também defende que a regulação preveja critérios técnicos e revisões periódicas. Para ele, o fortalecimento de modelos associativistas - que agrupam pequenas farmácias com ganhos de escala - seria uma alternativa mais realista e sustentável.

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Últimas Notícias