Arábia Saudita volta a vender álcool após 70 anos; mas só para estrangeiros
Foto: reprodução Fayez Nureldine/Agência France
Por Joyce Canele
redacao@viva.com.brSão Paulo, 11/12/2025 - Nas últimas semanas, uma pequena loja no Bairro Diplomático de Riad, capital da Arábia Saudita, passou a receber um público que até então não tinha acesso permitido: estrangeiros não muçulmanos com status de residência premium, que vão comprar bebidas alcoólicas.
A mudança, observada de forma silenciosa e sem comunicado oficial, marca um novo capítulo na gradual flexibilização social promovida pelo governo da Arábia Saudita, que há mais de sete décadas mantém a proibição do consumo de álcool.
Segundo o jornal The New York Times, a loja, antes restrita a diplomatas, passou a permitir a entrada de residentes estrangeiros com o status premium, uma autorização cara e limitada, geralmente concedida a profissionais altamente qualificados ou com grande capacidade financeira.
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O fluxo de clientes aumentou rapidamente e, segundo frequentadores, filas de SUVs de luxo se tornaram rotina diante do complexo.
Mesmo sem qualquer sinalização clara na fachada, o estabelecimento opera com forte controle. Um segurança confere documentos de identidade e libera apenas quem atende às condições de elegibilidade.
Do lado de dentro, descrevem clientes, os corredores ficam lotados, com compras que somam milhares de dólares.
O sistema de preços é diferenciado, diplomatas pagam menos que os residentes premium, e valores chegam a superar 5x o preço de garrafas semelhantes nos Estados Unidos.
A operação, segundo relatos, indica envolvimento direto do governo saudita, o acesso está vinculado ao número de identificação oficial, há cotas mensais por pessoa e o aplicativo utilizado por diplomatas para entrar foi criado pela autoridade tributária e alfandegária do país.
Sem declarações públicas
A ausência de pronunciamentos oficiais sobre a ampliação do acesso ao álcool segue a lógica adotada pelo governo nos últimos anos. Mudanças sociais significativas têm ocorrido sem declarações públicas diretas, evitando possíveis reações negativas da população mais conservadora.
Especialistas apontam que essa é uma estratégia recorrente: alterações são implementadas nos bastidores, gradualmente, criando espaço para recuos caso haja rejeição interna.
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Foi assim com o fim da obrigatoriedade do fechamento do comércio durante os horários de oração, uma prática abandonada sem nunca ter sido oficialmente revogada.
Pressões econômicas e sociais
Segundo o jornal americano, a lenta abertura social da Arábia Saudita está diretamente ligada ao projeto de modernização liderado pelo príncipe Mohammed bin Salman.
Em uma década, o país deixou para trás restrições severas como a proibição de mulheres dirigirem e o poder ostensivo da polícia religiosa, e passou a sediar grandes eventos internacionais, festivais e festas abertas ao público.
Nesse contexto, a permissão ampliada para o consumo de álcool atende a múltiplos interesses. O governo tenta atrair profissionais qualificados para viver e trabalhar no país, além de se preparar para receber turistas em grande escala.
A Arábia Saudita sediará a Copa do Mundo masculina de 2034 e sabe que visitantes internacionais esperam encontrar bebidas alcoólicas disponíveis.
Há ainda uma motivação fiscal, pois o país enfrenta uma crise orçamentária e projeta déficits nos próximos anos.
A venda de bebidas sempre foi uma fonte relevante de arrecadação em centros turísticos da região, como Dubai, onde o álcool é amplamente comercializado.
O histórico da proibição
A Arábia Saudita proibiu o consumo de álcool na década de 1950, em uma decisão com raízes religiosas.
O Alcorão recomenda que muçulmanos evitem bebidas alcoólicas, e a proibição se tornou lei. Ainda assim, um mercado paralelo sempre existiu.
Bebidas ilegais produzidas de forma caseira circulam há décadas, assim como produtos importados que chegam por canais informais, muitos deles ligados a remessas diplomáticas, prática descontinuada em 2024.
A nova loja, inicialmente criada para oferecer uma alternativa controlada aos diplomatas, tornou-se agora o ponto central dessa transformação silenciosa.
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Localizada fora dos mapas e identificada apenas por indicações compartilhadas entre conhecidos, a loja funciona sob regras estritas e ainda envolve dúvidas entre os clientes, que não sabem se podem servir bebidas a amigos ou revender produtos.
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