Fux indica que deve isentar Bolsonaro da acusação de golpe de Estado

Victor Piemonte/STF

Fux - Victor Piemonte/STF
Fux

Por Pepita Ortega, Lavínia Kaucz e Gabriel Hirabahasi, da Broadcast

redacao@viva.com.br
Publicado em 10/09/2025, às 20h04
Brasília, 10/09/2025 - O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, indicou que deve isentar o ex-presidente Jair Bolsonaro da acusação de ter tentado um golpe de Estado no País para evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva ou para promover uma ruptura em janeiro de 2023. Fux disse que as “condutas praticadas por Bolsonaro durante mandato não configuram crime de golpe de Estado”, porque ele era o presidente em exercício à época. Também disse que a acusação se baseia em “alegações genéricas” contra o ex-presidente.
Fux é o terceiro ministro a votar no julgamento.  Até a publicação desta reportagem, a sessão ainda não havia sido encerrada. Ainda faltam mais dois ministros a apresentar seus votos: Carmen Lúcia e Cristiano Zanin.
 Durante a leitura de seu voto, que começou pela manhã e entrou pela noite, Fux disse ter analisado as acusações contra Bolsonaro “conduta a conduta” e que a “responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável”. Segundo Fux, “é preciso dividir acusações, elas não podem estar num contexto global. divisão a fatos ocorridos no curso do mandato e posteriores à saída do cargo”.
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O ministro disse que “as condutas praticadas durante o mandato não podem configurar crime de golpe de Estado, pois este pressupõe a prática de conduta tendente a retirar o mandatário do cargo ocupado e era ele o mandatário".
 O ministro criticou, ainda, a Procuradoria-Geral da República por não ter, segundo ele, descrito a conduta individualizada de cada um dos acusados no processo.
“A petição não pareceu cuidar de descrever conduta individualizada, adota narrativa desprendida da cronologia dos fatos alegados”, alegou.

Petição

 De acordo com o ministro, a acusação se baseia em alegações genéricas contra Bolsonaro. Disse que “é desarrazoado equiparar palavras a atos efetivos de violência, como um ataque com faca”.
“Não se pode aceitar a pretensão de imputar responsabilidade por crimes praticados por terceiros no 8 de janeiro (de 2023) como decorrência de discursos e entrevistas ao longo do mandato. A hermética petição da Procuradoria-Geral da República não estabelece ao certo o fundamento da responsabilidade do demandado, por instigação ou omissão, configurando indevida imputação alternativa”, declarou.
 Segundo Fux, “ainda que se pudesse sustentar que no momento de seus discursos o réu (Bolsonaro) tivesse consciência sobre a ocorrência sobre fatos praticados por terceiros meses depois, seria necessário demonstrar que esse resultado é consequência normal, provável, previsível daquela manifestação”. "Além de faltar o dolo, falta também o nexo de causalidade entre as condutas do réu e os eventos de 8 de janeiro de 2023”, completou.
 Fux argumentou que “não cabe a nenhum juiz assumir o papel de inquisidor, vasculhar mais de 70 milhões de MB de documentos à procura das provas que se encaixem na retórica acusatória e nem corrigir contradições internas, ainda que tenhamos juízes instrutores”.

Garnier

Fux votou para absolver o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, das acusações de crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado por “não existir prova suficiente”. Em seguida, indicou que Garnier não pode responsabilizado pelos crimes de dano qualificado e ao patrimônio tombado. Um pouco antes, Fux também defendeu absolver o almirante da acusação de organização criminosa. Assim, o ministro votou pela absolvição do almirante de todos os crimes imputados a ele pela Procuradoria-Geral da República.
 Segundo Fux, a atuação atribuída a Garnier, de participação em reuniões da cúpula das Forças Armadas sobre a minuta do golpe e a colocação de tropas à disposição do ex-presidente Jair Bolsonaro para um golpe “somente seriam puníveis se houvesse o início” do crime, se o militar tivesse “prestado” apoio ao plano de golpe.
“Colocar à disposição é uma coisa, prestar é outra”, apontou, argumentando ainda que “estar à disposição não é auxílio material concreto”. “Entre o apoio e a prestação de auxílio há uma enorme distância que não foi percorrida pelo réu”, anotou.

Anuência

 Na visão de Fux, “não há elemento material que indique anuência” de Garnier a algum plano golpista, “de modo que a postura passiva em reuniões revelam inexistência de tipo de adesão à organização criminosa que não era organização criminosa”.
Em sua avaliação, há “dúvida” quanto à postura de Garnier nas reuniões citadas pela Procuradoria-Geral da República e o órgão não comprovou a “conduta ativa” do almirante “no sentido de praticar crimes contra o Estado de Direito”.
Em seu voto, Fux ressaltou a “necessidade de início de execução” para a configuração de crimes de atentado e argumentou que a conduta imputada a Almir “não preenche as elementares” dos tipos penais.
 Segundo o ministro, o “ajuste” do golpe não é punível se o crime “não chega pelo menos a ser tentado”. O raciocínio do ministro é o de que, “mesmo “com provas cabais de atos preparatórios, não há crime a ser punido”, vez que a cogitação é um “irrelevante penal”.

Mauro Cid

Fux tambem votou para livrar Mauro Cid da condenação pelos crimes de organização criminosa, mas no sentido de condená-lo pela tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito. Fux, no entanto, decidiu "absorver" a acusação de golpe de Estado na abolição do Estado de direito, o que reduzirá a pena total do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
 Fux argumentou que "Mauro Cid não pode ser responsabilizado criminalmente pelo crime de organização criminosa", pois "não há qualquer prova nos autos de que o réu se uniu com mais de quatro pessoas em unidade de desígnios para, de forma duradoura, praticar um número indeterminado de crimes destinados à tomada de poder no Brasil".
 Também disse que as "mensagens que o réu trocou com militares da cúpula do governo federal ostentam um caráter ilícito, mas não de maneira a preencher as circunstâncias elementares do tipo de organização criminosa".
 Em relação à união dos crimes de abolição do Estado de direito e golpe de Estado, Fux disse que expôs suas razões nas premissas teóricas de seu voto.  "Em razão das premissas teóricas lançadas no início do voto, considerei o crime de golpe de Estado absorvido pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito. Por essa razão, analiso a prática desse crime pelo réu Mauro Cid", argumentou.

Cogitação

Anteriormente, Fux afirmou nesta quarta-feira, 10, que “ninguém pode ser punido pela cogitação” de um crime. “A cogitação pode limitar-se a conceitos internos existentes apenas no psicológico do indivíduo ou revelar-se externamente em fenômenos concretos, a exemplo de reuniões para traçar estratégias ou documentos que materializem aquele plano. Mas, em qualquer caso, os pensamentos e desejos criminosos, embora de apreciação sob critério religioso ou moral, escapam à consideração do direito punitivo”, apontou.
 O ministro ainda citou outras condutas “que não atraem qualquer resposta penal”, como os atos preparatórios, consistentes na consecução de meios para garantir o sucesso da empreitada criminosa. “Ainda quando a vontade violada e penal se anuncie por palavras ou escritos, não pode haver crime, senão se vai além da expressão inócua de um pensamento. A lei só incrimina as manifestações orais ou escritas de ideias quando já de si mesmas criam uma situação de lesilidade ou periquitação ao bem”, indicou.

Estado de Direito

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, defendeu nesta quarta-feira, 10, que o crime de abolição de Estado de Direito “pune conduta deliberadamente dirigida a conduzir a nação a um estágio de regime autoritário”, devendo ser rejeitada “interpretação ampliativa para abranger condutas que configurem mera irresignação com a resultado eleitoral, sem capacidade ou dolo de arruinar as multifacetárias instituições” que garantem a democracia.

Segundo Fux, o autogolpe tentado pode configurar crime de tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, o governo legitimamente constituído quando qualificado pela violência sobre a ameaça, e consistente em conduta capaz de eliminar todas as instituições basilares do Estado democrático e direito. “Fecha tudo”, disse. “Suprime por completo a liberdade de expressão, o devido processo legal, a separação de poderes, a alternância do poder por meio de eleições livres e justas”.

De outro lado, segundo Fux, não se poderia cogitar incidência do crime de tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído por “ausência de deposição de um governo legitimamente constituído, sob pena de violação a artigo 5º da Constituição. “Ainda sobre delitos de golpe de estado, deve se consignar atos a depor governo legitimamente constituído. Deposição do governo é o que exige a lei”, anotou.

Nessa linha, Fux ponderou que golpes de Estado não resultam de “atos isolados”, mas de grupos organizados, exigindo meios concretos de execução, como em casos de golpe militar ou interferência estrangeira. Nessa linha, o ministro argumentou que grupos organizados possuem vantagem sobre grupos desorganizados quando se trata de deposição de governo. Assim, “turbas desordenadas ou iniciativas esparsas não configuram golpe”, ponderou o ministro.

Antes da ponderação, Fux destacou que “não há crime sem lei anterior, nem pena sem condenação”, frisando que é vedado ao julgador “distorcer os limites semânticos estabelecidos pelo legislador para punir qualquer erro”. “Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se fizer por conta própria, tudo se torna um certo e obscuro”, anotou.

Palavras-chave Bolsonaro Fux julgamento

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