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São Paulo, 29/09/2025 - Nos últimos dias, pelo menos duas pessoas morreram por intoxicação por metanol na cidade de São Paulo e em São Bernardo do Campo, na região metropolitana. Outros 10 casos são investigados por possível contaminação pela mesma substância, segundo informações do Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do Estado de São Paulo.
A principal suspeita é de que a contaminação esteja relacionada à adulteração de bebidas alcoólicas como gim, whisky e vodka vendidas em bares e adegas. Mas, afinal, o que é o metanol e quais efeitos ele pode provocar no organismo?
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A substância, também conhecida como álcool metílico, é um biocombustível altamente inflamável. Ela pode ser produzida por diferentes processos, como a destilação destrutiva da madeira, o aproveitamento da cana-de-açúcar ou a partir de gases de origem fóssil.
De acordo com Alvaro Pulchinelli Junior, médico toxicologista, patologista clínico e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), a substância é amplamente utilizada na indústria química, atuando como solvente, na fabricação de tintas e vernizes e em processos de refinamento. "É basicamente uma substância de uso industrial, não tem uso caseiro ou não profissional", destaca.
O metanol, segundo o médico, não deve estar presente em nenhum alimento ou bebida. Em alguns casos, no entanto, o material é utilizado na produção de bebidas falsificadas. "O metanol não tem cheiro nem gosto específico. Ou seja, a pessoa não consegue identificar na bebida adulterada. Ela ingere sem se dar conta", detalha Pulchinelli.
Os primeiros sintomas após a ingestão são parecidos com sinais de embriaguez, como fala pastosa e reflexos diminuídos.
Algumas horas depois, após a metabolização, a substância também causa náuseas e vômitos, além de efeitos no sistema nervoso central que vão desde sonolência até a perda de visão, um dos principais impactos do consumo.
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"A pessoa passa a ter visão borrada, brilhante e diminuição da visão. Isso é extremamente importante, pois pode evoluir para um quadro de cegueira", destaca o toxicologista.
No domingo, 28, a Associação Brasileira de Neuro-oftalmologia (ABNO) divulgou um alerta sobre o risco de neuropatia óptica por metanol, uma doença grave que pode causar cegueira irreversível.
Conforme o documento, mesmo com tratamento, muitos pacientes apresentam sequelas visuais permanentes. "Por isso, trata-se de uma emergência médica e oftalmológica: quanto mais rápido o atendimento, maiores as chances de salvar a vida e preservar a visão", diz o texto.
Os impactos podem surgir após uma única ingestão da substância e os especialistas alertam que não existe uma dose segura para o consumo. "É claro que, quanto maior a exposição, mais grave será o quadro. Mas isso não significa que, por ter ingerido apenas uma dose ou uma única cerveja adulterada, a pessoa não terá consequências", alerta Pulchinelli.
Em caso de suspeita de intoxicação, a recomendação é procurar um médico o mais rápido possível. Alguns dos sintomas - náuseas e vômitos - podem ser confundidos com uma ressaca normal, apesar de acontecerem em um grau mais forte. A indicação de Pulchinelli é ficar atento às alterações no sistema nervoso central, principalmente relacionadas à visão.
"Vá direto para o médico. Não ache que ficar em casa vai fazer os sintomas passarem, você vai estar perdendo um tempo precioso para a introdução do antídoto", recomenda Pulchinelli.
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Mesmo sem sintomas, também é importante procurar atendimento médico caso haja desconfiança em relação à procedência da bebida consumida, diz o patologista.
A Secretaria da Saúde de São Paulo recomenda que bares, restaurantes e locais que realizam a venda de bebidas alcoólicas verifiquem com atenção a procedência dos produtos oferecidos pelos fornecedores.
A pasta ainda recomenda que a população compre apenas bebidas de fabricantes legalizados e que possuam rótulo, lacre de segurança e selo fiscal, "evitando opções de origem duvidosa e prevenindo casos de intoxicação que podem colocar a vida em risco".
A facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) pode estar por trás dos recentes casos de intoxicações provocadas por bebidas alcoólicas adulteradas em São Paulo, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF).
Em nota divulgada neste domingo, 28, a entidade diz suspeitar que o metanol usado para adulterar as bebidas pode ser o mesmo importado ilegalmente pela facção para misturar aos combustíveis.
Há um mês, uma grande operação do Ministério Público de SP contra o crime organizado constatou o uso de combustível adulterado em postos alvos. Os estabelecimentos usavam 90% de metanol - o máximo permitido é de 0,5% da substância na gasolina e no álcool.
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Para a ABCF, o fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e formuladoras de combustível "diretamente ligadas ao crime organizado", pode ser a causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores. Investigações do MP apontam que o PCC importa o metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis.
Ainda segundo a entidade, a facção e seus parceiros podem "eventualmente ter revendido tal metanol para destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores".
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