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De Cazuza aos dias atuais: a luta contra a Aids continua, inclusive para 60+

Montagem: Reprodução, arquivo pessoal e @cazuzaoficial

Lucinha Araújo e ativistas relatam desafios, tratamentos e o retorno da discussão ampliada sobre o HIV - Montagem: Reprodução, arquivo pessoal e @cazuzaoficial
Lucinha Araújo e ativistas relatam desafios, tratamentos e o retorno da discussão ampliada sobre o HIV
Emanuele Almeida
Por Emanuele Almeida

Publicado em 01/12/2025, às 08h00

São Paulo, 01/12/2025 — “Câncer você não escolhe, Aids sim”. É com essa frase que Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, aborda a atenção e os cuidados sobre a infecção e o tratamento do HIV no Brasil atualmente. Aos 89 anos, ela relembra momentos com o filho, que morreu em decorrência da doença, e fala sobre os projetos que lidera para a conscientização sobre a doença.

Mãe de Cazuza com cabelos escuros e blusa preta e colar dourado
Foto: Arquivo Pessoal

Cazuza teve o diagnóstico de Aids – doença desenvolvida quando o sistema imunológico é afetado pelo HIV – em 1987, momento em que pouco se sabia sobre a doença e, principalmente, sobre o tratamento. Lucinha conta que o filho sempre lutou e acreditou que uma cura surgiria, mesmo que ele não conseguisse se beneficiar dela.

O diagnóstico de Aids do cantor veio depois, ao manifestar os primeiros sintomas da doença: pneumonia, febre e convulsões.

Entre 1980 e 1990, foram notificados mais de 25 mil casos de Aids no Brasil, 80% deles em homens, segundo informações do Ministério da Saúde. Cazuza foi um deles. Mas, diferentemente da maioria das pessoas, o cantor teve acesso às melhores condições de cuidado enquanto estava doente, apesar do prognóstico negativo da época.

Lucinha relembra a personalidade forte do filho e o exemplo de força e coragem que ele demonstrava para todos enquanto enfrentava a doença. Ela e o pai de Cazuza, o produtor musical João Araújo, sempre ficaram muito impressionados com a resiliência e a coragem do filho.

“Cazuza sempre foi uma presença forte que inspirou a mim e ao João. Sinto que nunca mereci ser sua mãe, mas aproveitei cada momento com ele, apesar da sua curta vida”.

Aumento de casos entre os 60+

Lucinha Araújo aponta que, hoje, as crianças que frequentavam a Sociedade Viva Cazuza são adultos que conseguem viver bem com o HIV, sem desenvolver a Aids. Mas, apesar da diminuição significativa da transmissão de mãe para filho, os casos de infecção ainda crescem em algumas faixas etárias.

A maior concentração dos casos de Aids no Brasil de 1980 a junho de 2024 foi observada em indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, com predomínio no sexo masculino (68,4%). Contudo, a faixa etária de 60 anos e mais apresentou um aumento de 33,9% no número de casos quando comparados os anos de 2015 e 2023 (de 2.216 para 2.968 casos).

Dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) apontam que, de 1980 a junho de 2024, foram registrados mais de 1,16 milhão de casos de Aids no Brasil, com uma média anual de 36 mil novos casos nos últimos cinco anos. Desse total, 66,3% ocorreram em pessoas do sexo masculino.

Segundo o programa, os números gerais de casos voltaram a crescer depois da pandemia e chegaram aos patamares registrados antes do período de covid-19, mas mesmo assim com tendência de queda. Estados que tiveram aumento de casos entre 2022 e 2023 foram o Acre, Tocantins, Ceará e Roraima, diferentemente do movimento de retração em estados das regiões Sul e Sudeste.

Gráfico que mostra variação de diagnósticos de aids por idade
Apesar da retração, o número de diagnóstico ainda preocupa especialistas. Fonte: Boletim Epidemiológico 2024 Ministério da Saúde

O médico geriatra e doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com atuação nas áreas de sexualidade e envelhecimento, Milton Crenitte, aponta que o aumento de casos em pessoas mais velhas envolve fatores complexos, como a falta de políticas públicas que abordem a prevenção de pessoas idosas ao HIV e a outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e atendimento precário do sistema de saúde.

“Por um lado, muitas pessoas idosas não se veem vulneráveis a adquirir o vírus, e, por outro, os profissionais da saúde, médicas e médicos, não veem pessoas idosas vulneráveis na questão do HIV”.

Ele destaca também a necessidade de levar a geriatria e a gerontologia para a infectologia, para que as pessoas que estão envelhecendo com HIV tenham, além da terapia antirretroviral para controlar e deixar o vírus indetectável, um cuidado garantido para a saúde mental, questões ósseas, musculares e neurológicas.

Sobre prevenção, o especialista destaca que é preciso entender que o método de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis é único e singular para cada pessoa e tem que ser adaptado ao contexto de cada um.

“Além da camisinha, eu posso negociar com ele outras possibilidades de prevenção combinada que estão disponíveis no SUS, inclusive, como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ou Profilaxia Pós-Exposição (PEP)”.

Histórias cruzadas

Hoje, já com os cabelos grisalhos, Teresinha Martins, que convive com o HIV há três décadas, trabalha no Grupo de Incentivo à Vida (GIV), projeto que tem o objetivo de acolher pessoas diagnosticadas com o vírus. Com mais de 20 anos de casa, hoje ela é diretora.

Assim como Cazuza, Teresinha também foi diagnosticada na década de 80. Com 21 anos na época, ela se sentiu perdida com o anúncio da doença e lembra que passou por diversas fases físicas e psicológicas para entender o que estava acontecendo e conseguir conviver com a enfermidade.

Leia também: Vendas da 1ª injeção preventiva de longa duração contra HIV

Teresinha trabalha no escritório do GIV
Teresinha Martins, que convive com o HIV há 30 anos, é diretora no Grupo de Incentivo à Vida (GIV). Foto: Emanuele Almeida

A diretora do GIV não fez parte do grupo majoritário de pessoas que foram diagnosticadas no início do surto de HIV no Brasil. Por ser uma mulher com o vírus, teve dificuldade para aceitar e comunicar o diagnóstico a outras pessoas: “Você se sente inseguro e pensando no que as outras pessoas iriam achar, ainda mais porque ter o vírus naquela época era uma sentença”. 

E o prognóstico para a doença não era bom. “Não havia tratamento que me ajudasse naquele  momento”, relembra.

Ela só voltou ao médico 10 anos depois, quando os primeiros sintomas de Aids começaram a aparecer. Teresinha teve pneumonia, muita fraqueza e emagreceu bastante. "Passei longos momentos sofrendo". Mas a partir dali, já existia tratamento, e foi quandop ela conheceu o grupo.

Grupos de apoio 

O GIV é um grupo ativista criado em 1990 que promove ações pelos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids, assim como daquelas que convivem e cuidam de pessoas diagnosticadas. Desde a sua fundação, sua sede se encontra na Vila Madalena/SP e funciona de terça a quinta, a partir das 14h.

O grupo surgiu na mesma época que a Sociedade Viva Cazuza, criada por Lucinha e voltada a oferecer apoio e assistência a crianças portadoras do vírus HIV. A mãe do cantor deu início ao projeto para conseguir sobreviver à perda do filho e começou com a ideia após ser voluntária em hospitais que tratavam da doença.

“Optei pelo projeto de ajudar crianças porque fui aconselhada. As crianças não faziam ideia do que estava acontecendo, e queríamos apoiá-las nisso. Já o auxílio direto a adultos era mais complexo e até mesmo mais difícil, já que muitos eram diagnosticados com a doença em estágio avançado e seria mais difícil para o projeto agir”, explica.

 Apesar disso, a sociedade se comprometeu a atender, pelo menos uma vez por semana, 250 adultos soropositivos e oferecer cesta básica. “Neste grupo vinham todos os tipos de pessoas, idosos também. Mas sempre muito tímidos, com vergonha de interagir e serem reconhecidos”, conta a sobrinha de Lucinha, Fabiana Araújo, que trabalha junto com a tia.

A Sociedade Viva Cazuza não existe mais nos mesmos moldes de quando foi criada. Lucinha explica que há seis anos, a infecção vertical — passagem do vírus HIV de mãe para filho — foi se extinguindo, e poucas crianças iam até o grupo.

“Chegou um momento em que apenas uma ou duas crianças iam até a Sociedade; quando outras iam, não eram diagnosticadas, apenas precisavam de acolhimento. Assim, o grupo foi perdendo seu propósito, e minha idade foi ficando avançada”, explica Lucinha.

Então, em 2020, a Sociedade Viva Cazuza foi descontinuada. Mas, na mesma sede, há agora um centro para crianças em vulnerabilidade social, gerenciado pela prefeitura do Rio. Além disso, Lucinha dá continuidade ao trabalho com adultos soropositivos, a partir do oferecimento de cestas básicas no mesmo espaço.

A Aids não acabou

Fabiana Araújo ressalta a importância de trazer a Aids de volta ao conhecimento da população. Isso porque, apesar de os casos de mortalidade terem diminuído nos últimos anos, ainda há pessoas que desenvolvem a doença.

Teresinha, do GIV, aponta que, apesar de muitas campanhas acontecerem na primeira semana de dezembro, a doença acontece o ano todo. “A gente que trabalha com isso, vive a conscientização todos os dias de todos os anos”, destaca.

O vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Veriano Terto, aponta também que é preciso diversificar a comunicação sobre a doença por idade.

Hoje tudo ainda é voltado para a Aids geral, sem realmente olhar para grupos que têm a doença”.

Ele ressalta que, muitas vezes, as mensagens são falhas e podem acabar culpabilizando o soropositivo, como se a realidade com a doença fosse ainda mais triste para essas pessoas, principalmente as mais velhas. “Mas essas variações precisam ser olhadas de maneira correta para que a comunicação pública e políticas públicas as alcancem corretamente”, observa.

Sobre ações públicas para promoção da prevenção Lucinha conta que participou de uma campanha do Ministério da Saúde para conscientização: "Esperamos que saia em breve”, conta.

Capa de álbum de Cazuza
Foto: reprodução @cazuza.oficial

A sobrinha de Lucinha e prima de Cazuza, Fabiana, relembra a coragem e a luta que o cantor teve para conseguir comunicar ao público sobre a doença, após dois anos do diagnóstico. “Quando ele decidiu contar, usava uma frase: ‘quem não se mostra, não se encontra”.

Ela aponta que a frase forte do cantor o fez ter coragem de escrever e contar a sua história com a doença por meio da música, talento que sempre demonstrou desde criança. 

Foi essa mesma força que fez Teresinha continuar na luta, no tratamento e ser aberta e sincera com quem convive com ela. “Ter um apoio é muito importante; poder ter um espaço onde você consegue compartilhar com outras pessoas e ouvir. Porque ainda há muitas pessoas sendo diagnosticadas, que se sentem isoladas e precisam de um lugar seguro. Quando encontramos apoio e vemos outras pessoas na mesma situação, a gente acaba encontrando e dando respostas”.

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