IA apela para nosso lado humano, mas não serve para tudo, diz filósofo Luciano Floridi

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O filósofo Luciano Floridi é referência global na área de Ética Digital - Reprodução - Instagram
O filósofo Luciano Floridi é referência global na área de Ética Digital
Por Felipe Cavalheiro [email protected]

Publicado em 20/06/2025, às 11h24 - Atualizado às 11h46

São Paulo, 20/06/2025 - O debate acerca das implicações éticas da Inteligência Artificial tem crescido, envolvendo especialmente as tecnologias que conversam com o usuário, chamadas de LLM (do inglês “Large Language Model”) ou que produzem conteúdos como textos e vídeos, as IAs Generativas. Além dos aspectos técnicos,  o filósofo italiano Luciano Floridi ressalta a questão ética. "A IA é a boneca perfeita", diz, quanto ao apelo das grandes empresas de tecnologia, que ele considera "apenas marketing".

Autor do livro “A Ética da Inteligência Artificial: Princípios, Desafios e Oportunidades”, publicado no Brasil pela PUCPRess, Floridi falou com o Viva sobre a importância do País no cenário global e esclareceu as discussões sobre persuasão e transparência das IAs. 

Diretor fundador do Yale Center for Digital Ethics, já colaborou com a Comissão Europeia, diversos governos e multinacionais; sempre focando os estudos na filosofia da informação; área na qual tem mais de 300 publicações. 

Ele defende “entender melhor para projetar melhor”, de modo a aproveitar as melhores práticas no uso da tecnologia. Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva:

Viva: O que significa para o senhor ter o livro traduzido no Brasil? Como está o país no cenário global de IA? 

Floridi: O Brasil é o caso significativo de um quarto ator no cenário da IA. Sempre falamos sobre esses três: Estados Unidos e China, que produzem a tecnologia, e a Europa, que regula. Mas o resto do mundo - que inclui Brasil, Canadá, Austrália, Israel, Coreia do Sul; países poderosos e influentes - parece não ser considerado. É quase como ter um quadrado e sempre falar sobre um, dois e três, enquanto você perde um canto.

Por isso fiquei muito satisfeito em ter o livro traduzido para o português, permitindo esse tipo de conversa.  E isso significa se envolver com uma grande economia em uma perspectiva que enriquece, amplia o quadro e proporciona a verdadeira diferença.

Alguns reclamam que muitas vezes as empresas forçam o uso da IA, aplicando em momentos desnecessários, ou nos quais o usuário não gostaria...

Hoje, as empresas estão cada vez mais promovendo a IA como serviço, mesmo quando não é estritamente necessário. Em algum momento, isso não será mais escolha nossa. Imagine um motor de buscador que não oferece nenhuma alternativa além de uma interface de IA. Isso apresenta um problema específico, que é o uso excessivo da IA, mesmo quando não precisamos dela.

A analogia aqui é como usar o carro para ir até a esquina comprar leite. Se você sair de casa, caminhar até lá, comprar o leite e voltar, é mais eficiente e sem a necessidade do carro. Às vezes, a IA é um pouco assim; você não precisa dela para tudo. Então, por que ela é imposta? A resposta é que esse é o modelo de negócios dessas empresas. Elas investiram uma quantidade incrível de dinheiro e precisam ver algum retorno sobre esse investimento. Esse retorno sobre o investimento é o que está impulsionando a imposição. 

Mas, assim como não caminhamos entre Rio e Petrópolis, a analogia é a mesma. Agora, eu vou usar o carro. A mensagem aqui é: use-a para o que é bom, mas não a sobrecarregue, principalmente quando não precisar.

A IA fala e age como se fosse humana, e muitos acreditam. Isso apresenta um risco? 

A antropomorfização faz com que a IA pareça conosco, fale como nós. Precisamos lembrar que essa é a interface. É como dar uma boneca para uma criança que finge chorar quando você brinca com ela. Ela não chora, certo? Ela não tem sentimentos. É um brinquedo feito para apelar ao nosso lado humano. A IA é feita da mesma forma. Mas é muito mais poderosa porque nos conhece muito mais. Ela sabe seu aniversário, sabe que tipo de comida você gosta, onde passou suas férias, seu trabalho, sua família, seus amigos, seu time de futebol, ela sabe tudo. É a boneca perfeita.

Quase toda semana alguém diz: "Eu conversei com uma IA. Ela me entende melhor do que meus amigos.” Isso é uma boa engenharia. A interface fez um bom trabalho.

Somos informados pelos engenheiros de IA que ela realmente é superinteligente, uma nova forma de vida. E, honestamente, isso é apenas marketing.

É muito silício, muita eletricidade, estatísticas, dados. Não há nada mais. Infelizmente, é tão sofisticado que nos faz acreditar que sim. 

Então, como crianças e seus brinquedos, sabemos que sendo bem educadas, elas vão crescer. Mas nós, adultos, precisamos de uma nova forma de educação e precisamos dizer às empresas para parar de usar todos esses dados, todos esses recursos humanos para nos fazer acreditar que isso é mais do que um “pedaço de tecnologia.”

Um ponto importante em seu livro é que a Inteligência Artificial não pensa de verdade. No entanto, muitas empresas usam esse apelo. 

Todas essas coisas estúpidas como "Agora estou pensando, estou raciocinando" são só uma forma de vender o produto, fazendo acreditar que há mais do que muitos dados sendo analisados estatisticamente para fornecer uma resposta. Imagine se o Google dissesse na sua próxima busca: "Obrigado, Luciano, pela sua busca. Deixe-me procurar a melhor resposta para sua pergunta. Espero que você esteja feliz hoje". Apenas me dê a resposta!

Como uma analogia, pense nos cavalos de potência (HP). Quando o carro foi criado, as pessoas já tinham cavalos e estavam bem com eles. Então, para vender melhor, eles inventaram a equivalência entre o motor e quantos cavalos poderiam fazer o mesmo trabalho. Mas hoje, você procuraria os cavalos reais dentro do motor com 1.000 HP, como se houvessem 1.000 cavalos dentro? Não, é uma metáfora. Espero que um dia a IA seja como HP. Ninguém está procurando os cavalos, ninguém está procurando inteligência, é apenas um motor. Incrível, super poderoso, extraordinário, está mudando nossas vidas. É uma revolução.  Mas inteligência? Nem a de um cachorro, quem dirá a de um humano.

Essa maneira de a IA simular a fala humana e ser constantemente presente pode ser benéfica para quem tem dificuldade online?

Em termos de acessibilidade, é uma ótima coisa; porque a IA se torna uma interface muito amigável. Lembre-se: em algum momento, você tinha que digitar tudo em uma tela para fazer as coisas acontecerem. Mesmo com a internet, para se conectar você tinha que escrever o protocolo, pressionar a tecla Enter, especificar e assim por diante. Hoje, nós apenas clicamos e nem pensamos que há algo por trás. O mesmo com a IA. Esse ponto final é quando não a veremos mais. Será apenas algo normal, da mesma maneira em que assumimos que há eletricidade em todo lugar.

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