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Publicado em 30/09/2025, às 17h04 - Atualizado às 17h27
São Paulo. 30/09/2025 - Desde que Federação Internacional de Tradutores marcou a data de 30 de setembro como o Dia Internacional da Tradução, em 1991, a profissão passou por grandes mudanças. A maior delas, talvez, a tradução automática. Atualmente o uso da Inteligência Artificial para este fim é conhecido, mas a tradução e a IA estão ligadas desde o começo.
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Foi durante a guerra fria, em 1954, que o cientista norte-americano Warren Weave apresentou ao mundo um dos primeiros sistemas de IA da história: um computador capaz de traduzir, do russo para o inglês, 40 palavras por minuto. Na época o invento foi tido pelos jornais como revolucionário, e o futuro para os Estados Unidos conseguirem ter acesso fácil e barato a ciência soviética. No entanto, apenas 12 anos depois, o Governo Americano declarou não ter uso prático para a invenção.
Após 71 anos do primeiro tradutor automático, como estão as novas tecnologias; e como os tradutores convivem com elas?
O tradutor de Weave era relativamente simples: as palavras de um dicionário em inglês eram convertidas em códigos e inscritas em uma fita, que então era inserida no computador. As palavras equivalentes do russo recebiam o mesmo código, e a máquia imprimia o texto traduzido.
Já os tradutores automáticos modernos usam um Processamento de Linguagem Natural (NPL). Com as mesmas lógicas dos Chatbots, toneladas de dados são usados para tornar o resultado mais "humano"; seguindo os seguintes passos:
Após gerar a frase, o modelo de IA continua em evolução constante: conforme o retorno do usuário, a máquina recalcula o significado de cada palavra em cada contexto. Alguns modelos também oferecem opções diferentes para cada palavra, moldando a frase dependendo da escolha do usuário.
Com estes passos, os tradutores automáticos atuais se tornaram muito mais eficazes. Como exemplo, segundo um estudo da Universidade de Malaga, a ferramenta DeepL alcança uma precisão de 89%. Outro estudo, da Associação de Globalização e Localização (GALA) comparou o resultado do DeepL e do Google Tradutor em seis aspectos gramaticais, encontrando uma precisão volúvel, mas ainda alta.
Categoria | DeepL | |
---|---|---|
Ambiguidade | 64.5% | 74.4% |
Falso cognato | 69.4% | 83.3% |
Regência Verbal | 57.4% | 91.5% |
Concordância nominal | 90.2% | 92.7% |
Subordinação | 74.7% | 72.5% |
Verbo tempo/aspecto/modo | 69.0% | 71.6% |
O nível de precisão alcançado pelas IA's surpreendeu inclusive os tradutores. A professora doutora da USP Lenita Esteves, especialista na tradução literária, conta que "30 anos atrás, eu tinha certeza que uma máquina jamais faria uma tradução minimamente viável. Porque os exemplos que a gente tinha eram toscos, ridículos e a gente até usava como piada".
Hoje, Esteves usa as ferramentas de IA tanto no próprio trabalho, deixando que o computador faça um primeiro "rascunho", quanto encoraja o uso em sala de aula.
"Eu trago a IA para as aulas para mostrar os problemas que ela apresenta, como ela falha e como nós podemos nos valer dela; não deixando que tome a nossa posição profissional."
Apesar disso, a opinião não é compartilhada por todos na academia. Esteves conta que alguns professores voltaram a pedir trabalhos escritos a mão, para assim garantir um ambiente controlado e evitar o uso da IA. Apesar de dizer aos seus alunos que " vamos trabalhar com IA, quer vocês queiram, quer vocês não queiram", ela também compreende a reação dos colegas, pois todos foram pegos desprevenidos, com motivos para temerem este lado da evolução tecnológica.
A tradutora juramentada Juliana Vermelho conta que, desde o terceiro livro que traduziu, já usa diferentes modelos de tradutores automáticos para adiantar a parte mais massante e repetitiva do trabalho. Antes de entrar na área da linguagem,Vermelho atuou por 10 anos na área da computação, na qual é mestre em Ciência da Computação com ênfase em Inteligência Artificial.
O que motivou Vermelho a entrar nas letras foi, justamente, a velocidade na qual os conhecimentos na Informática tem de ser substituídos e perdem o valor, em comparação aos conhecimentos da literatura. Hoje, ela entende que o quanto menor for o medo da tecnologia, mais produtivo será para o profissional. Por outro lado, é justamente esta necessidade do uso das tecnologias que pode excluir alguns profissionais.
"Muito se ouve que a IA tira empregos, mas cria novos. Mas, quem está perdendo trabalho não é a mesma pessoa que está ganhando o trabalho novo. Eu acho que é ainda mais claro para os 50+."
O tema é sensível para qualquer profissão. Esteves acredita que a presença de um tradutor fazendo a agência da IA é fundamental. No entanto, após ver o uso da tradução automática carregando diversos erros em empresas ou até jornais, ela acredita que a palavra final é mercadológica. "Eu falo para os meus alunos 'Vocês não podem perder a agência, vocês não podem deixar tudo na mão da máquina'. Mas no mercado, o comercial e a queda de custos falam muito mais alto", explica.
Vermelho, por sua vez, acredita na separação do cotidiano e profissional. A tradutora conta de um evento internacional, em 2017, no qual os organizadores decidiram usar a apenas a tradução automática. No entanto, mesmo com a grande evolução das IAs desde então, decidiram não repetir a experiência em 2025. Para os casos mais vitais, como cúpulas da ONU, ou estudos médicos complexos, Vermelho acredita que dificilmente irão abandonar a segurança do humano.
Por outro lado,Vermelho lembra que ninguém vai contratar um tradutor para fazer uma viagem internacional com a família, ou legendar um vídeo de 20 segundos do Instagram. Nestes casos, quando nem se cogitaria um profissional, a Vermelho acha a IA muito bem-vinda.
Pense no brigadeiro. É extremamente fácil de fazer, e da para fazer sozinho em casa sem problemas. Mas, quando for o seu casamento, você vai querer contratar uma confeiteira, por mais que seja o mesmo processo. Acredito que com a tradução será algo parecido"
Ambas as tradutoras consideram que é o futuro pode ser imprevisível, mas algumas coisas ainda permanecem exclusivas do humano. Esteves explica que hoje é possível treinar uma IA para copiar estilos, ou traduzir uma obra pensando em diferentes públicos, o que é muito positivo. Mas, na tradução literária, existe uma sensibilidade que a máquina ainda não atinge "O texto literário, em geral, é muito singular, cada um tem uma aura única, e a Inteligência Artificial não chegou neste nível de excelência" explica ela.
Já Vermelho conta que, nos textos acadêmicos, o humano segue vital por conta da produção de conhecimento novo. Contando de um caso do último livro que traduziu, a tradutora se deparou com um termo novo, que o autor havia escolhido por ter um duplo significado em inglês. Não existindo um equivalente para esta ambiguidade no português, ela decidiu por manter o termo original, com uma nota explicativa.
Após este caso, Vermelho entende que essas escolhas, que muitas vezes envolvem traduzir ou não, entender o significado profundo de cada palavra ou até criar palavras novas, são os momentos mais prazerosos da tradução, e não podem ser replicados pela máquina.
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