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Por Manuela França
redacao@viva.com.brSão Paulo, 23/09/2025 - No mês do estagiário, uma pesquisa inédita do Instituto Locomotiva encomendada pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) revelou um cenário preocupante para o futuro da engenharia no Brasil. Apenas 12% dos estudantes do Ensino Médio manifestam interesse em cursar Engenharia, o que representa cerca de 2,3 milhões de jovens em todo o país, segundo estimativa baseada na PNAD 2024. O número contrasta com a atual demanda de mercado: o Brasil tem um déficit estimado de 75 mil engenheiros, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Além da baixa atratividade do curso, o estudo também identificou que mais de um terço dos estudantes se sente inseguro em relação à matemática, um dos pilares das ciências exatas. A média de segurança declarada pelos jovens em relação à disciplina foi de apenas 5,2 em uma escala de 0 a 10.
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A pesquisa também aponta que 79% dos estudantes acreditam que as falhas na educação básica desmotivam a iniciar ou manter um curso de graduação. Dentre os fatores que mais desestimulam os jovens a seguir carreira na engenharia, aparecem:
Mesmo entre os que demonstram interesse pela área, 23% apontam a questão financeira como fator decisivo para uma eventual desistência. Além disso, 8 em cada 10 estudantes afirmam que os cursos de Engenharia são caros.
Outro dado que reforça a tendência de afastamento é a preferência por disciplinas de Humanas: 49% dos jovens se identificam mais com essas áreas, enquanto apenas 28% preferem Exatas.
Em entrevista ao Viva, o CEO do CIEE, Humberto Casagrande, afirmou que o setor vive uma crise que pode se agravar nos próximos anos. Ele cita como exemplo a queda no número de vestibulandos da Escola Politécnica da USP, que passou de 20 mil para 5 mil em uma década, e a alta taxa de evasão nos cursos de engenharia, que chega a 50%.
“Estamos diante de um risco real de um apagão de mão de obra qualificada em engenharia. O mercado precisa sim, mas os estudantes estão cada vez mais distantes da área”, afirma o CEO.
Diante desse cenário, Humberto comenta que o CIEE articula o Movimento Pró-Engenharia, uma iniciativa conjunta com instituições como a Poli, Escola Mauá, Mackenzie, FEI e o Instituto de Engenharia. O objetivo é estimular o ingresso e a permanência de jovens na área, com ações como:
O movimento busca desmistificar a engenharia e apresentar as oportunidades concretas que a área oferece, inclusive fora do canteiro de obras, como em engenharia ambiental ou tecnológica.
Questionado sobre as causas da rejeição à matemática, Casagrande acredita que há uma combinação entre ensino deficiente e menor resiliência dos jovens. Para ele, embora o curso de engenharia seja exigente, é preciso estimular a superação e o comprometimento.
"Resiliência é a palavra do jogo. Estudar engenharia exige sacrifício, mas vale para uma vida inteira. É necessário que os jovens compreendam que o esforço de 3 ou 4 anos no curso, mesmo com dificuldades, trará resultados positivos para uma carreira longa e promissora", afirma.
Ele ainda diz que o ensino da matemática muitas vezes não é apresentado de forma atrativa ou prática, o que contribui para a percepção de dificuldade.
“Quando o aluno não vê a aplicação concreta do que está aprendendo, perde o interesse e a motivação para continuar”.
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Para o estudante de engenharia Thiago Rodrigues, a percepção de dificuldade e a exigência de dedicação integral nos primeiros anos são fatores que afastam muitos jovens da área. Ele observa que, enquanto cursos de humanas permitem maior flexibilidade para estágios e trabalho, a engenharia retarda o ingresso no mercado.
“Mesmo com o déficit de profissionais, o retorno financeiro muitas vezes não compensa a carga de esforço. Por isso, muitos engenheiros acabam migrando para áreas como o mercado financeiro ou startups”, explica.
Thiago também comenta que a formação em engenharia é valorizada em outros setores. Em sua função de recrutamento em um banco, ele afirma buscar candidatos com esse perfil. “A engenharia desenvolve raciocínio lógico, organização e perseverança, habilidades que servem para qualquer carreira”, pontua.
Se o déficit de engenheiros já é alto, o de mulheres na área é ainda maior. A estudante Ágata Oliveira, que cursa Engenharia Civil, relata ter enfrentado desafios tanto acadêmicos, relacionados à matemática, quanto no ambiente profissional. Ela conta episódios de preconceito de gênero em canteiros de obras, onde percebeu julgamentos por parte de colegas homens, especialmente do setor operacional.
“Nos escritórios, o ambiente foi mais acolhedor. Havia mais mulheres, mais respeito, e o foco era realmente no trabalho técnico”, diz a estudante.
Para Ágata, é preciso campanhas para combater estereótipos e ampliar o conhecimento sobre as diversas áreas da engenharia. Ela defende que as escolas mostrem desde cedo que a engenharia vai além das obras.
A baixa representatividade feminina também foi apontada por Thiago: “Na minha turma da faculdade, as meninas são minoria”. Segundo ele, muitas mulheres acabam optando por áreas da engenharia mais voltadas à pesquisa ou biológicas, evitando setores mais técnicos, com ambiente historicamente masculino.
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Thiago e Ágata concordam que escolas, universidades e empresas devem trabalhar em conjunto, para tornar a engenharia mais atrativa. Entre as sugestões apontadas estão:
Ambos, já tiveram experiências de estágios e acreditam que falta capacitação prática em muitos cursos e que o mercado valoriza quem tem domínio de ferramentas essenciais, como aplicativos e planilhas.
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