Claudio Marques / Viva
São Paulo, 25/08/2025 - Prestes a completar 80 anos, em outubro, o médico epidemiologista especializado no estudo do envelhecimento Alexandre Kalache, além de uma das autoridades mais respeitadas da gerontologia mundial, é ele próprio uma inspiração em longevidade. Um contato com ele basta para ver que se trata de uma pessoa ativa e saudável. Mas admite: “Eu tenho uma carga genética maravilhosa”.
São 60 anos de trabalho, sendo 50 dedicados à gerontologia: é presidente do ILC-BR (sigla em inglês para Centro Internacional de Longevidade) e co-diretor do Age-Friendly Institute.
Nesta conversa com o Viva, feita durante o MaturiFest, ele conta quais os elementos que considera fundamentais para envelhecer bem e reflete sobre questões sociais que impactam esse processo. A seguir, os principais trechos.
Eu não vim aqui (participar do Maturifest) fazer uma apresentação, não vim apresentar dados, eu vim aqui celebrar, porque sou amigo do Mórris Litvak. Tive o privilégio de, há 10 anos ou um pouco mais, ter percebido que esse cara tinha uma força que poderia revolucionar essa área do emprego, empregabilidade das pessoas 50+. Por que isso é importante? Do alto dos meus 50 anos trabalhando em gerontologia, um dos meus papéis é identificar pessoas que podem abrir novas fontes, e no caso a empregabilidade é fundamental.
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Por que eu sou feliz hoje? Porque eu tenho os quatro elementos fundamentais que permitem que eu possa ter qualidade de vida na idade que eu tenho, 80 anos. São eles, eu ter saúde (1) e eu ter conhecimento (2), estou sempre procurando aprender e manter a minha curiosidade nesse mundo, com uma revolução tecnológica que vai em paralelo à revolução da longevidade.
O terceiro pilar fundamental para me dar felicidade é ter o direito de participar integralmente da sociedade.
Mas para a maioria das pessoas no Brasil que estão envelhecendo precariamente e precocemente, elas precisariam ter o direito de participar por meio do emprego, porque a pensãozinha no final da vida, sabemos, não vai dar para manter o mesmo padrão de vida.
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E o último pilar é você ter segurança, proteção, ter certeza que há um teto decente sobre a cabeça, que você tem comida na prateleira e um dinheirinho no bolso para ou gozar da vida ou pagar o médico, ou pagar aquilo que o SUS ainda não está podendo cobrir. Então, tudo isso faz com que você possa ter qualidade de vida na medida em que envelhece.
Em um país muito desigual como o nosso, nós ainda temos pessoas que estão fora disso. A preocupação é como os nem-nem (jovens que nem trabalham nem estudam) vão envelhecer.
Um terço dos jovens que têm entre 19 e 30 anos nem trabalha nem estuda e isso não é um bom começo. Eles não vão poder envelhecer bem, pois não estão fazendo o pé de meia e nem adquirindo conhecimentos que manteriam a sustentabilidade do seu processo de envelhecimento.
E há os sem-sem: aqueles que caíram fora do mercado de trabalho porque não tiveram oportunidades de renovar as suas habilidades. E eu não estou falando de um médico ou um outro profissional qualificado, estou falando de um mecânico de automóvel, que hoje está com 45, 50 anos. Ele aprendeu tudo sobre mecânica há 25 anos e hoje percebeu que ele não aprendeu eletrônica e o seu empregador não investiu nesse recurso. Ele perde o emprego, fica sem remuneração, sem renda e ainda está muito distante, se tem 45, 50 anos, da tal da aposentadoria. Então, ele nem tem renda nem emprego. Esses me preocupam.
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É preciso revolucionar o processo de curso de vida de pessoas que não estão dando certo. E num País que envelhece tão rapidamente como o Brasil, essas pessoas são preciosas.
Vamos ter de investir nas pessoas que têm 40, 50, 60 anos, para ver se conseguimos nos tornarmos um País vital, sustentável, ou vamos continuar a exportar minério de ferro e soja para os outros países, sem sequer determinar a que preço, é o que estamos nos tornando?
O capital mais importante que o País tem, não é energia eólica, não é minério de ferro, não é soja, é gente, e gente velha. O Brasil está se tornando um país de gente velha, e rapidamente.
Eu tenho a satisfação de dizer que como diretor do Age Friendly Institute, lá de Boston, eu pude servir de ponte, para trazer aqui para o Brasil essa metodologia que nasceu lá, o CAFE, o Certificado de Age Friendly Employer. Hoje, são 19 empresas importantes e influenciadoras. E esse é o futuro, para que a gente possa valorizar o único recurso renovável que uma sociedade tem: gente.
É também preciso saber empreender. Aquela história de ter um emprego para o resto da vida, que valeu para a minha geração, já não serve mais. Você tem que aprender a ser empreendedor. E isso exige qualificações e habilidades.
Aprender, aprender sempre. Essa é a chave para um bom envelhecimento.
Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecerem. Nós estamos envelhecendo despreparados, em pobreza, sabendo que antes de 2040, a população vai estacionar e começar a diminuir. O único grupo etário que vai continuar crescendo ao longo do século XXI é o de pessoas idosas. Nós somos recursos indispensáveis para a sustentabilidade do País. Se “desaproveitarmos” pessoas idosas, já não há mais jovens... E o pior é que apesar de termos cada vez menos jovens, ainda há desperdício, nem trabalha no meio distrito. Como é que este País vai dar certo, gente?
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