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São Paulo, 23/07/2025 - Desde a chegada da Uber no País, pouco antes da Copa do Mundo sediada em território brasileiro, os aplicativos de transporte se tornaram uma opção de renda para motoristas parceiros. Em 2024, a quantidade de motoristas de aplicativo, dentre várias plataformas, chegou a 1,7 milhão de pessoas, de acordo com estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec).
O relatório aponta mudanças significativas no perfil destes motoristas no Brasil. A idade média, por exemplo, passou de 39 anos em 2022, para 41 anos no ano passado.
O grupo de profissionais com mais de 50 anos diminuiu na mesma comparação: agora, eles são 15% dos motoristas em circulação, contra 21% em 2022.
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O coordenador da pesquisa no Cebrap, Victor Callil, destaca a preocupação dos mais velhos em contribuir com a aposentadoria. “A partir dos 30 anos, notamos um aumento de quase 20 pontos porcentuais de pessoas que trabalham exclusivamente com os apps e fazem o recolhimento previdenciário, se comparado com as pessoas de até 29 anos.”
O estudo mostrou que 60% dos motoristas com 45 anos ou mais contribuem para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou para a previdência privada – considerando todas as idades, este número cai para 53%. “É significativo que o tema da aposentadoria apareça de maneira mais preocupada entre as pessoas mais velhas”, complementa Callil.
O fato de as pessoas mais velhas se atentarem para a necessidade de recolher aposentadoria não exime as empresas por trás dos aplicativos de participarem do debate, na opinião do advogado e professor de direito trabalhista da UFPR, Marco Aurélio Serau Junior. Em sua opinião, existe uma "exclusão previdenciária" dos motoristas parceiros, qualquer seja a idade.
"As empresas de aplicativo não recolhem a previdência por uma falta de regulamentação, logo o motorista autônomo precisa tomar a iniciativa. Na prática, o que vemos é uma exclusão, não porque a lei proíba, mas porque o motorista muitas vezes não recolhe ou faz o recolhimento incorreto, menor do que o governo exige.”
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De acordo com o estudo do Cebrap, 64% dos motoristas de aplicativo se identificam como negros – pretos e pardos – e 94% são homens. A pesquisa também indicou que a maioria tem ensino médio completo. O desemprego antes de entrar para os apps diminuiu: de 43% em 2022 para 31% no ano passado.
A renda extra é outro atrativo para se inscrever nas plataformas de corrida: em 2024, 42% dos trabalhadores disseram conciliar os aplicativos com outras atividades remunerativas. Para o advogado Marco Aurélio Serau Junior, esse é o caso expressivo dos aposentados.
O valor da aposentadoria é baixo, então as pessoas recorrem ao trabalho via aplicativo muitas vezes como uma forma de reinserção na atividade econômica.”
É esse o caso do assistente jurídico Adilson Nascimento, 58, que trabalhou com as plataformas durante a pandemia da Covid-19. Na época, ele e a esposa tinham uma empresa de eventos e outra de moda plus size, que tiveram os atendimentos supensos. Então, o paulista precisou recorrer às corridas para conseguir uma renda extra que complementasse a aposentadoria.
“A questão da flexibilidade do horário talvez seja a coisa mais interessante de se trabalhar na Uber. Você pode fazer o seu horário", diz Nascimento. Ele conta que o aplicativo exige um pouco de estratégia do motorista, "para não desgastar muito o carro ou não gastar muito combustível”.
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O motorista José Ferreira Pereira, 60, também destaca a vantagem da flexibilidade da atividade. Inclusive, ele optou por trabalhar exclusivamente com o aplicativo há sete anos. “Atuei por 24 anos como motorista de um colégio particular de Curitiba (PR). Depois que me aposentei, entrei para a plataforma para fazer um dinheirinho extra. Levo minha esposa para o serviço e rodo de quatro a cinco horas por dia até buscá-la de novo.”
De fato, a flexibilidade foi apontada por 74% dos motoristas parceiros como a principal vantagem de trabalhar com os aplicativos. Quanto à remuneração, 62% dos trabalhadores ganham menos do que três salários mínimos com as corridas. “A remuneração no começo era bem melhor, agora diminuiu um pouco, mas pelo menos ocupa a cabeça”, desabafa Pereira.
Tanto Adilson quanto José, relataram já ter passado por pelo menos uma situação de risco durante a jornada. “Eu quase sofri um sequestro em Jacareí (SP). Recebi um chamado de uma passageira para uma corrida, quando cheguei no local era uma rua sem saída, sem casa, sem nada. No momento em que dei ré no carro, uma viatura de polícia me parou e os policiais me alertaram que eu estava prestes a cair em um golpe.”
O coordenador de dados do Cebrap, Victor Callil, mostrou uma contradição constatada na pesquisa do Cebrap. Enquanto 60% dos motoristas se mostraram satisfeitos em continuar trabalhando com as plataformas, a maioria demonstrou não se ver atuando nos aplicativos até se aposentar.
“As pessoas não se veem no futuro trabalhando como condutores, é uma necessidade muito mais imediata de estar numa atividade econômica e conseguir renda, mas não é algo que se sustenta a longo prazo.”
A falta de regulamentação das plataformas de corrida faz parte de um amplo debate no Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que os aplicativos completaram 11 anos de operação no País.
Das iniciativas que tramitam na Câmara e no Senado, há um projeto do governo federal, o PLP nº 12/2024, atualmente em análise pela Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS). A proposta da União é garantir os direitos trabalhistas e previdenciários dos condutores, sem intervir na escolha de horários de jornada de trabalho. Com a aprovação do texto, o motorista será enquadrado como “trabalhador autônomo por plataforma”, sem reconhecer o vínculo empregatício e carteira assinada.
A lei também assegura uma remuneração mínima de R$ 32,10 por hora trabalhada, e coloca um limite de 12 horas diárias de jornada. No estudo do Cebrap, a média apontada é de R$ 47 por hora trabalhada em jornada semanal de 40 horas.
Segundo o professor Marco Aurélio Serau Junior, as propostas em tramitação, como a do governo federal, se pautam na garantia de direitos não necessariamente dentro das normas da CLT. “Não é necessariamente a atribuição de um veículo de emprego, mas geralmente a ideia de um trabalho autônomo com mais segurança”.
Para o advogado, a remuneração variável é um dos riscos para a integridade dos motoristas, assim como as jornadas exaustivas e a necessidade de suprir todos os custos do trabalho. “Existe uma dinâmica bastante contraditória aos princípios do direito trabalhista: se o motorista bate o carro, por exemplo, a responsabilidade pelos custos é dele; mas quando a corrida funciona, os lucros são compartilhados com a empresa”, explica.
No País, 39,3 milhões de pessoas trabalharam de forma irregular no 1º trimestre de 2025, o que representa 37,8% da população empregada, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Callil defende que a informalidade não aumentou com a operação das plataformas. "O mercado informal não cresceu com os aplicativos, não sofreu uma mudança substancial."
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