Arquivo pessoal
Por Fabiana Holtz e Alessandra Taraborelli
[email protected]São Paulo, 23/07/2025 - Viajar é sonho, mas o que fazer com a casa? Que tal levar a casa junto para onde queira ir? Pois é esse o mote de vida dos viajantes que montam sua casa sobre quatro rodas, os conhecidos motorhomes, e vão desbravar o Brasil e o mundo.
O perfil do público disposto a encarar essa aventura vem mudando, principalmente depois da pandemia. “Inicialmente eram os mais velhos, perto de aposentar. Hoje vemos um público mais jovem, que está descobrindo que com o trabalho remoto e as novas tecnologias é possível levar uma vida na estrada”, afirma Renan Jereissati, que junto com a esposa Laís vive no motorhome.
O casal, com 31 e 32 anos, respectivamente, começou a construir o sonho de viver em um motorhome pouco tempo depois de iniciarem o namoro, em 2015. Eles traçaram um plano para dali cinco anos pegar a estrada. Decidiram iniciar a construção do seu próprio motorhome e se mantiveram firmes no propósito. Na data marcada, em janeiro de 2020, se casaram e partiram com o blog Traveleiros.
Hoje, com cerca de 6 milhões de seguidores nas redes sociais, o canal oferece conteúdo e cursos para estradeiros e apaixonados por viajar. Desde então já percorreram o Brasil e se preparam para rodar o mundo no ano que vem.
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A vida no motorhome, primeiramente, pede planejamento e metas realistas. “Você tem que refletir sobre qual é o seu real objetivo. Precisa ter um prazo para realizá-lo e foco. Pense nesse plano como se fosse uma vida convencional, como comprar a sua casa ou mudar de cidade ou de país”, explica Laís.
Outra dica para tirar esse sonho do papel é não esperar pelo momento perfeito. “Muitos ficam esperando as condições perfeitas. Só que, na prática, isso nunca vai acontecer e acaba postergando os planos. Determinar uma data é o primeiro passo para a concretização”, completa Renan.
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O montante investido pode variar consideravelmente também, a depender do estilo de vida da pessoa. E dentro dessa estratégia é preciso equilibrar a vida da estrada com a rotina profissional. “Tem que contabilizar tudo isso na sua planilha, inclusive a assinatura de provedor de internet. Recomendo assinar mais de um, além de plataformas de streamings para lazer”, aconselha Laís.
A dupla reforça, no entanto, que nenhum plano é infalível. “É preciso estar preparado inclusive para manter a calma na hora dos perrengues que surgem ao longo do caminho”.
Claudio e Cristina Sousa, 53 e 57 anos, respectivamente, começaram a vida de motorhome em 2019. Ele conta que sempre teve vontade de largar tudo e morar na estrada. A vontade surgiu ainda pequeno, quando Claudio conheceu a história de um viajante, Mário Fava, de Bariri, e sua expedição de 1928.
“Eu tinha isso na cabeça desde criança. Se ele conseguiu, eu também consigo", diz Claudio. Logo que conheceu a esposa, contou do plano e ela avaliou ser perigoso. Mas ele não desistiu, continuou pesquisando.
Depois de muito insistir, ele a convenceu a embarcar no sonho e, em 2019 eles compraram uma Kombi. A perua foi adaptada para motorhome e ganhou o nome de "Joselita". A primeira viagem foi de São Paulo ao Uruguai, durante 15 dias, percorrendo mais de 4 mil quilômetros.
Durante a pandemia do Covid-19 eles fizeram outras viagens menores. Em 2022 retornaram para a estrada, e foram até Ushuaia, a capital da província da Terra do Fogo, também conhecida como a "Cidade do Fim do Mundo", na Patagônia. Dali, subiram para o Alasca, uma longa viagem atravessando todo o continente americano.
Foi durante esta viagem que eles souberam que seriam avós e acabaram mudando alguns planos para estar junto da filha, que mora nos Estados Unidos, para o nascimento do primeiro neto.
A Joselita se tornou famosa nas redes sociais, onde o casal mantém vídeos contando sobre suas viagens e perrengues. Aliás, o primeiro grande perrengue que passaram foi a quebra do câmbio da Kombi, no Alasca, que os deixou parados por cinco dias em um posto, até chegar o guincho para levar a Joselita a uma oficina. O conserto resultou em seis meses de espera pelo carro, devido à dificuldade de encontrar peças e serviços especializados na região.
Joselita, aliás, ficou nos EUA e o casal já está com uma sprinter 517. A mudança se deu após decidirem que não fazia mais sentido manter a casa em que moravam em São Paulo e a trocaram pelo estilo de vida nômade.
Daicir, 69 e Maria Bertolini, 55 anos, também se aposentaram e colocaram o pé na estrada. Fizeram a primeira viagem em uma Dobló adaptada. O destino: Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile. “Nós atravessamos todo o deserto do Atacama, ficamos dois meses fazendo essa viagem. Nós montamos nossa casinha dentro da Dobló”, conta Maria.
A escolha por começar a viajar para fora se deu em razão de acharem que seria mais perigoso fazer esta aventura no Brasil. No entanto, após passarem por Minas Gerais, o casal se rendeu a roteirnos nacionais. Eles contam que já passaram por muitos lugares, e o objetivo é continuar viajando pelo País.
O público de viajantes motorhome vem crescendo. Prova disso é a Expo Motorhome, feira de campismo e caravanismo que recebe pessoas de toda a América Latina, em Pinhais (PR). A oitava edição, no ano passado, gerou R$ 500 milhões em negócios, 25% a mais do que na edição de 2023. Foram 153 expositores e mais de 24 mil visitantes.
A próxima edição será em novembro deste ano. O diretor geral da feira, Alexandre Boff, está otimista. A expectativa é de que o evento receba 35 mil pessoas e 800 carros no camping (próximo à feira), ante 25 mil visitantes e 670 carros de 2024.
Boff ressalta que o crescimento verificado no setor se deu durante a pandemia do Covid19 e foi se intensificando após. Para se ter ideia, ele estima que por volta de 2010 eram montados cerca de 50 equipamentos (trailer, motorhome, carro pequeno, entre outros) por mês. "Hoje eu acredito que sejam cerca de 500 equipamentos montados por mês", estima.
O diretor explica ainda que à medida que cresce o interesse das pessoas em ter um motorhome é necessário que as cidades oferecam estruturas para que eles possam parar com tranquilidade. Para isso, o executivo tem feito uma campanha junto as prefeituras do Paraná para que todas as cidades que contemplam o "Caminho do Paraná", tenham um ponto de parada por dois dias. "Por exemplo, o Paraná tem cerca de 399 municípios se o campista passar por todas as cidades ele vai viajar por 800 dias no Paraná", explica.
Ele acrescenta ainda, que esse movimento contribui para o comércio da cidade, já que essas pessoas consomem por onde passam. "Essas nove cidades pequenas no Paraná em que passamos por conta do evento, nós deixamos em torno de R$ 700 mil. Parece pouco, mas para cidades com 5 mil, 10 mil habitantes é bastante", explica. A ideia é levar este projeto para todo o País.
Fazer um planejamento financeiro é essencial para que você consiga se manter na estrada de forma divertida e segura. E, este planejamento deve começar antes mesmo de pegar a estrada, fazendo uma reserva para emergências.
Daicir Bertolini explica, por exemplo, que eles têm uma meta de gasto diário de R$ 100,00, onde o combustível é o item que mais pesa e, neste orçamento está incluído de comida a remédio. “Na última viagem fizemos 12.000 km, ficamos 7 meses na estrada. E nós fizemos uma média de R$ 98 por dia. É mais barato viajar do que ficar em casa”, compara.
A esposa Maria ressalta ainda, que para ficar dentro do orçamento é preciso não fazer extravagâncias, como passeios e restaurantes. “Não dá para fazer tudo, como se fosse uma viagem de férias, como se fossemos turistas. Selecionamos o que queremos fazer e compensamos em outras coisas”, explica. O casal compartilha um pouco da sua aventura nas redes sociais.
O planejamento financeiro inclui, além de combustível, alimentação, acomodações (estacionar em camping), higiene, lazer, IPVA, seguro, manutenção do motorhome e tudo que for necessário para a sua viagem além de uma reserva de emergência. “Onde estacionar é uma questão de segurança e representa mais um custo, que pode variar de R$ 20 a R$ 100 por dia”, afirma Renan.
Também é necessário ficar atento às regras que cada cidade tem para estacionar o motorhome e evitar incomodar os moradores. “Parar em Ilha Bela, litoral norte de São Paulo, por exemplo, tem uma multa de R$ 10 mil se você não chegar já com uma reserva”, conta Laís.
Para evitar problemas por onde passam, circula entre os viajantes o manual de “Boas práticas para o bom convívio social de motorhomeiros”, que tem entre as orientações: não soltar água servida em hipótese alguma na rua, guia, sarjeta ou diretamente no chão; não deixar o lixo na calçada, não fazer ligações clandestina, entre outros. Veja o manual:
Há diferentes categorias de motorhome disponíveis, e o tamanho pode variar de acordo com os seus planos.
A Duaron, que é referência desse segmento na América Latina, oferece no mercado modelos como camper, a partir de R$ 112,9 mil (Duaron); trailer, a partir de R$ 134.900; e motorhomes, a partir de R$ 430 mil o valor de montagem. Nesses casos o cliente precisa fornecer o veículo.
Os modelos campers podem ser instalados em caminhonetes médias, como Hilux, Ranger, Amarok, S10, e ficam prontos entre 60 a 120 dias, variando de acordo com o tamanho do projeto.
Em termos de impostos, você paga IPVA sobre o todo, montagem mais a casa. Somente no modelo trailer, que é o reboque, o IPVA se concentra apenas no veículo, segundo o time de consultores da Duaron. O trailer tem um licenciamento anual.
Os viajantes contam que no mundo das casas sobre rodas se encontram pessoas que gastam desde R$ 20 mil em uma Kombi adaptada a casais que investem acima de R$ 500 mil em um motorhome de luxo. E isso considera apenas a parte da casa planejada. Existem motorhomes que ultrapassam o valor de R$ 1 milhão, a depender dos itens incluídos no projeto. Vale notar que não existe opção de financiamento para camper, motorhome e trailer, explica a Duaron.
Mas, como lembra Boff, da ExpoMotorhome, quem não tem certeza se quer viajar em um trailer ou motorhome, o melhor é alugar. "É um casinha pequena que você pode parar onde quiser. Está vendo o mar, vai lá e para. Essa é a grande diferença. O aluguel é a melhor opção para sentir o processo e ver se é isso mesmo que a pessoa quer", explica.
O mercado de motorhome no Brasil se acelerou desde a pandemia levou a ajustes para atender a demanda e falta de mão de obra especializada. “O mercado está bastante aquecido e os modelos estão mais caros”, observa o casal do blog Traveleiros.
Em meados de 2022, a dupla quis construir a "casa dos sonhos" sobre um chassi de uma Mercedes Sprinter. Para isso contrataram uma empresa especializada. O prazo da montagem estourou em quatro meses. Após a entrega diversas falhas foram identificadas, inclusive o risco de incêndio. Entre muitas idas e vindas a questão foi parar na Justiça.
Aliás, a dica é pesquisar bastante sobre os fornecedores de motorhome e se há processos de clientes que dizem ter sido lesados. E, depois, buscar mão de obra especializada, diz Renan. “Não se forma profissionais capacitados, com conhecimento técnico, em tão pouco tempo”.
Eles ficaram um ano e meio com a van parada, aguardando a perícia e um laudo técnico. ‘Estacionados’ em uma cidade de Minas Gerais desde o ano passado, a dupla acompanha a montagem de sua nova casa móvel direto da fábrica da Sem Fronteiras. Agora, Renan e Laís se preparam para pegar a estrada em setembro, para passar o ano novo em Ushuaia, na Argentina. No médio prazo, também planejam o primeiro filho.
Com o objetivo de ajudar a comunidade que sonha pegar a estrada, o casal Renan e Laís lançou o primeiro curso online sobre montagem de motorhome e tem um site e aplicativo, o Nomadize, plataforma educacional e de comunidade sobre montagem de motorhome (artesanal e profissional) desenvolvida em parceria com a Sem Fronteiras.
Desde 2011 foram estabelecidas novas exigências no Código de Trânsito Brasileiro para conduzir esse tipo de veículo. Antes dessa data, o motorista deveria obrigatoriamente ter habilitação nas categorias C ou D. Atualmente, os motoristas habilitados com a categoria B podem dirigir veículos com peso bruto total do veículo de até 6 mil quilos. No documento do motorhome deve constar a classificação “especial/motor casa”.
No caso de veículos maiores, acima de 6 mil quilos, é preciso que a carteira de motorista seja da categoria C. Já a categoria D permite dirigir todos os veículos mencionados e também transportar acima de oito passageiros.
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