Publicado em 19/11/2025, às 12h32 - Atualizado às 12h33
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São Paulo, 19/11/2025 - Marisol, da periferia, diz que boas ideias não faltam — o que falta é capital. Vanuza percebe que há mais mulheres empreendendo, mas o crédito ainda é difícil. Emili aprendeu, da maneira dura, a importância do planejamento financeiro. Cláudia Rangel encara a tecnologia como desafio, mas descobriu na inteligência artificial (IA) uma aliada para produzir bolsas. As histórias, idades e trajetórias dessas mulheres são diferentes, mas têm em comum o desafio de empreender após os 50 anos.
Neste 19 de novembro, dia do Empreendedorismo Feminino, há motivos para celebrar, mas também para refletir. Elas buscam redes de apoio, trocam experiências, procuram mentoria e se fortalecem em grupo para enfrentar barreiras, como o acesso ao crédito e à tecnologia.
“Tivemos algumas melhoras, mas não nas questões que significariam avanços mais estruturais. Nós ainda estamos caminhando a passos muito pequenos. Precisamos evoluir muito no acesso ao capital e ao mercado”, afirma Ana Fontes, empreendedora social, CEO e fundadora da Rede Mulher Empreendedora e do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).
Vanuza Assis, 52 anos, é uma mulher negra que encontrou no empreendedorismo uma forma de recomeçar. Hoje vende produtos de saúde e bem-estar para complementar a renda. Mas, em suas quatro primeiras décadas de vida, cuidou de todos à sua volta: filha, marido, mãe, sogra e sogro. “Eu cuidei de todos, esqueci de mim”, recorda.
Segundo o Sebrae, há 2,7 milhões de mulheres com mais de 50 anos empreendendo no Brasil, como Vanuza.
Eu pensava que estava sozinha. Só queria voltar ao mercado de trabalho. Mas não. Hoje, 50 anos não é mais o fim, é o começo de uma nova jornada”, diz.
Vanuza Assis, 52 anos, uma mulher negra que encontrou no empreendedorismo uma forma de recomeçar - Arquivo pessoal
A virada veio aos 40, quando decidiu olhar para si mesma. Fez faculdade, matriculou-se em cursos e entrou no mundo digital. Mesmo assim, aos 48, teve de se reposicionar no mercado de trabalho. Apaixonada por trabalhar, conta que esse foi um momento difícil, marcado pelo etarismo.
Empreender, algo que nunca havia cogitado, tornou-se o caminho possível. “Foi a oportunidade que eu tive de voltar”, resume. Desde então, foi eleita três vezes Mulher de Valor no Espírito Santo, em referência à sua liderança no empreendedorismo.
A diretora técnica do Sebrae, Margarete Coelho, vê nesse movimento um novo perfil de empreendedora: “Mais consciente, estratégica e engajada com causas sociais“.
Emili Rosieli, 50, tem acompanhado as transformações de perto. Ela é uma empreendedora social que ensina outras sobre a importância da organização, do planejamento e de estar em uma rede de apoio.
É uma lição que aprendeu de maneira difícil. Seu primeiro empreendimento formal foi um salão, que fechou pouco tempo depois. De lembrança, ficou por anos o carnê — e o aprendizado.
"Hoje, quando paro para pensar, acredito que fui corajosa, mas inconsequente. Peguei um empréstimo no Bandes, saí com um carnê enorme. Eu tinha ganhado meio lote da minha avó e, ali, construí um salão de beleza e uma salinha de estética. Eu não sabia nada."
Desde então, já teve vários projetos e sucessos. Um deles é a ONG Mulher que Lidera, que oferece uma rede de apoio e conhecimento para empreendedoras de Cariacica, no Espírito Santo. O grupo já reúne cerca de 600 mulheres, inclusive Vanuza.
Ela conta que hoje se sente realizada como empreendedora, mas que errou e "chorou muito" até aprender. "É isso que tento passar para as mulheres hoje. A gente precisa dessa organização e planejamento”. Para Emili, empreender significa liberdade: financeira e geográfica.
Pequenos negócios
Em sua maioria, as mulheres empreendedoras brasileiras são chefes de domicílio, com escolaridade crescente e um perfil cada vez mais diverso, afirma a diretora do Sebrae.
“A contribuição dessas mulheres para a economia brasileira é imensa. Os pequenos negócios, onde elas têm grande presença, representam 97% das empresas do País e respondem por cerca de 30% do PIB”.
Margarete Coelho acrescenta que, mesmo assim, as mulheres ainda faturam menos que os homens à frente de empresas semelhantes e pagam, em média, mais juros, mesmo quando o risco de inadimplência é similar.
Segundo pesquisa do Instituto RME, uma em cada três empreendedoras é mãe e 69,4% sustentam outras pessoas com suas rendas individuais. Essas mulheres estão, ainda em 2025, ligadas à economia do cuidado, que é o cuidado com a família, filhos, idosos e doentes. "Elas acabam dedicando menos tempo aos negócios“, diz Ana Fontes.
Difícil acesso ao crédito
Segundo a pesquisa Mulheres Empreendedoras e seus Negócios 2025, do Instituto RME, 65,5% das entrevistadas nunca tentaram acessar crédito. Segundo Ana Fontes, elas responderam que não se sentem confortáveis e acolhidas quando vão ao mercado financeiro buscar recursos.
“O território do dinheiro sempre foi visto como um território masculino, e isso faz com que muitas mulheres ainda tenham receio de cuidar da parte financeira dos negócios”, acrescenta. Parte delas, diz, ainda delega essa função a homens.
O Instituto RME lançou um fundo que oferece até R$ 12 mil em crédito por empreendedora, totalizando R$ 2,5 milhões.
Apesar dos avanços — impulsionados, por exemplo, pela presença de influenciadoras que falam sobre finanças —, Ana ressalta que essa é uma mudança lenta.
A linguagem do mercado financeiro foi construída por homens, para homens, sem levar em consideração a realidade das mulheres“.
Empreender por necessidade
Além do crédito, outro fator que influencia o empreendedorismo feminino é a necessidade — ainda hoje, o principal motivo para abrir um negócio. Marisol Blanco, 63, é moradora de Perus, bairro da periferia de São Paulo. Venezuelana, conta que tem sido difícil abrir um negócio ou conseguir um emprego estável.
Antes de imigrar, era empreendedora na área social, atuando como facilitadora de metodologias participativas e gestora de processos de organização da sociedade civil. Agora conta que seu emprego mais estável tem sido como instrutora de espanhol. Ela cita a burocracia como um dificultador, mas não é o único.
“Temos muitas ideias prontas para serem transformadas em projetos executáveis; não é isso que está faltando. O que falta são oportunidades de apoio financeiro, ou seja, capital inicial", conta a empreendedora.
Natália Cunha, diretora do Museu das Favelas, afirma que na periferia o empreendedorismo feminino acontece por sobrevivência, mas também como independência, resistência e avanço social. Além disso, destaca que a velocidade atual da comunicação aumentou as possibilidades de organização.
“Acredito que saber nomear as coisas muda muito. Quando a gente começa a falar que a mulher pode criar essa autonomia, desempenhar outros papéis, ser dona do seu próprio negócio, isso se conecta em várias escalas“.
Natália também chama atenção para o recorte racial: mulheres negras ainda enfrentam mais dificuldade em se posicionar como empresárias. “É difícil para a mulher preta, depois de ter ficado tanto tempo nesses lugares de cuidado e não podendo fazer uso dessa autonomia, saber como fazer também. Então, a gente aprendeu a nomear o empreendedorismo — e que bom que sim, que bom que as mulheres estão ocupando esses lugares. Mas há essa diferença que precisa ser observada“.
A pesquisa do Instituto RME confirma essa desigualdade. Mulheres negras representam 37% das empreendedoras que pediram crédito de até R$ 2 mil, enquanto, entre as brancas, esse percentual é de 22%. Já nos empréstimos entre R$ 20 mil e R$ 30 mil, as brancas são 20% das solicitantes, e as negras apenas 6%.
Tecnologia e redes sociais
O acesso à tecnologia também é um dos desafios para as mulheres empreendedoras, segundo especialistas. Embora haja exceções, como Vanuza, que é influenciadora, mulheres com mais de 50 anos têm de lidar com uma tecnologia que não existia quando nasceram, como as redes sociais. Nesse desafio, a Marisol foi ajudada por uma iniciativa do Museu das Favelas em parceria com a Meta: o Favela Tech.
Projeto Favela Tech - Arquivo pessoal
Esperançosa, conta que o Favela Tech foi uma oportunidade de reforçar conhecimentos anteriores e aprender novas competências digitais, inclusive sobre IA.
Já Cláudia Rangel, de 55 anos, lembra que na pandemia sua empresa de decoração fechou. Por isso, tentou voltar ao mercado empresarial como secretária. Após um ano e meio sem conseguir, apostou na costura.
“Ser empreendedora com mais de 50 anos traz muitos desafios, principalmente no que diz respeito à tecnologia. É muito difícil para as pessoas que estão fora do mercado de trabalho tradicional entrar nesse meio da IA”, conta Cláudia.
Atualmente, produz bolsas exclusivas com materiais sustentáveis em sua loja online, a Proposytal Bolsas. Mas o que tornou isso possível foi o programa Ela Pode IA, com foco em ensinar empreendedoras a usar a IA, de uma parceria do Instituto RME.
Luciana Padovez Cualheta, pesquisadora do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), é otimista quanto ao futuro do empreendedorismo feminino no Brasil. Ela observa o aumento de iniciativas voltadas a ensinar tecnologia a empreendedoras e afirma que a IA pode ajudar a diminuir diferenças etárias, por exemplo, criando versões iniciais dos negócios sem que seja necessário saber programação.
Mas alerta que, “por questões de viés de gênero e estruturais, as mulheres recebem menos capacitação em tecnologia e procuram menos sobre o tema por acharem que isso não é coisa para mulheres”.
Segundo a pesquisa do Instituto RME, apenas 2,4% empreendem com tecnologia e informação. Luciana ainda cita um estudo da Harvard Business Review que mostra outro desafio: o viés dos investidores. Ao assistirem à mesma apresentação de negócio, preferiram quando foi um homem que apresentou. Houve diferença inclusive nas perguntas: aos homens, eram questionados ganhos e perdas; às mulheres, mitigação de riscos e problemas do negócio.
“Eu tenho a sensação de que, no Brasil, seria pior. Porque o mercado de venture capital americano, de forma geral, é mais maduro que o nosso. Talvez ainda nem tenhamos consciência do tamanho do problema, como lá (nos EUA)”.
Startups fundadas ou cofundadas por mulheres queimam 25% menos caixa e geram 35% mais retorno sobre o investimento do que aquelas lideradas exclusivamente por homens, segundo estudo da Boston Consulting Group (BCG).
“Elas têm uma gestão mais eficiente desse recurso; ainda assim, recebem menos dinheiro, e isso impacta na taxa de sobrevivência desses negócios”.
Se as estatísticas mostram um cenário de desigualdades persistentes, as trajetórias pessoais — como as de Vanuza, Emili, Marisol e Cláudia — revelam o outro lado: capacidade de adaptação, redes de apoio e criatividade para transformar limitação em oportunidade.
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