Facebook Viva Youtube Viva Instagram Viva Linkedin Viva

Clubes de leitura no cárcere carregam esperança e dignidade

Envato

Programas se consolidaram, porém ainda enfrentam forte resistência das parcelas mais conservadoras da sociedade - Envato
Programas se consolidaram, porém ainda enfrentam forte resistência das parcelas mais conservadoras da sociedade

Por Fabiana Holtz e Paula Bulka Durães

redacao@viva.com.br
25/12/2025 | 16h00

São Paulo, 25/12/2025 – Diversos grupos de leitura já atuam dentro de presídios no País com o benefício da remição da pena, amparados pelo sistema legal brasileiro. Esse cenário se consolidou especialmente a partir de uma recomendação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) de 2013, e veio a ser reforçado pela resolução nº 391, desde 2021. Um trabalho humanitário e silencioso que segue firme, apesar dos obstáculos.

Seus efeitos positivos entre os internos e no ambiente carcerário são nítidos, conforme os mediadores desses grupos. Entretanto, a ideia de oferecer benefícios à população carcerária ainda enfrenta forte resistência das parcelas mais conservadoras da sociedade.

Leia também: Clubes de leitura se ramificam e ganham força com benefícios para saúde

“A ideia de formar os grupos de leitura em presídios no nosso caso surgiu a partir de uma sugestão do doutor Dráuzio Varela”, conta Luciana Gerbovic, que, em parceria com Janine Durand, trabalha na mediação desses clubes em presídios como o de Tremembé (SP) desde 2016, além de ser sócia-diretora da Escrevedeira Centro Cultural Literário. O início do programa Remição em Rede alcançou 10 unidades prisionais no Estado de São Paulo. As duas também são parceiras no projeto “Mulheres do Brasil”.  

[Colocar ALT]
Reflexos positivos para a saúde física e mental dos internos é inegável, diz Luciana Gerbovic
Foto: Arquivo pessoal

Ao todo, o programa formou oito mediadores na ala masculina em Tremembé ao longo de seus três anos de duração. Quando elas chegaram à unidade já existia um programa anterior, que chamava Café Literário.

Ao descrever seu cotidiano, Gerbovic afirma que “é aprender a trabalhar no caos, fazendo o que é possível”. Mas, segundo ela, o impacto no ambiente prisional é visível, que melhora até no momento das visitas das famílias.

O clima muda, a conversa muda, o comportamento fica claramente melhor e diminui a violência.”

A dupla concluiu dois programas no Tremembé e no momento iniciou um no presídio feminino em Santana (SP) e outro em Iperó, segundo a mediadora, que também é professora e escritora.

Seu trabalho pode ser conhecido mais a fundo no livro Clubes de Leitura: uma aposta nas pequenas revoluções, lançado em 2024 pela Companhia das Letras.

Como funciona o benefício?

De acordo com a Resolução nº 391, do CNJ, o interno em regime fechado ou semi aberto tem um prazo de 21 a 30 dias para ler uma obra e entregar uma resenha.

Com base nesse relatório de leitura, que é analisado por um avaliador, depois por uma comissão de avaliação e segue para o juiz, é possível reduzir até quatro dias da pena por livro lido.

De acordo com a lei, o interno pode ler até 12 obras em um período de 12 meses e reduzir sua pena em até 48 dias.

O programa Remição em rede tem o seu próprio modelo de relatório, com todas as exigências do Estado, mas vai além. Eles também formam pareceristas para que os funcionários que vão analisar os relatórios tenham um olhar mais compreensivo com as dificuldades dos internos.

Parceiros e o olhar punitivista da sociedade

O maior empecilho, na avaliação de Gerbovic, está na visão punitivista da sociedade. “Vejo uma desumanização dos presídios. O desejo de impor castigo em cima de castigo, com aquele discurso do bandido bom é bandido morto”, lamenta.

Por outro lado, há quem apoie os projetos, como a Associação Paulista de Bibliotecas e Leitura (SP Leituras) - uma organização social sem fins lucrativos, que tem como propósito idealizar e desenvolver projetos que contribuam para o incentivo ao direito e à promoção da cultura, leitura e literatura.

Leia também: Conheça 12 autores negros da literatura brasileira

“Conseguimos formar uma biblioteca circulante no começo do projeto com apoio de doações da Planeta, Todavia, Record e Boitempo. Ela rodava em 10 unidades. A Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), que abre as portas das unidades prisionais para a gente, é outra grande parceira”, conta a mediadora.

Programa em unidades Sócio-Educativas

Rafaela Deiab apresenta um livro, está vestida de blusa vermelha
Rafaela Deiab vê desafios na empreitada e busca manter parcerias e a atuação da Companhia das Letras como fomentadora tem sido bastante satisfatória 
Reprodução Facebook

Rafaela Deiab, editora executiva de educação da Companhia das Letras, recorda que o projeto de clube de leitura da editora começou nos presídios na carceragem feminina em Santana, em 2005, também por sugestão do doutor Dráuzio Varela.

Em outro passo dentro desse tema, eles chegaram a fechar uma parceria com a Funap, que foi encerrada durante a pandemia.

“Também firmamos uma parceria com a CNJ no projeto Fazendo Justiça, que trabalha com unidades Sócio-Educativas. Um antigo desejo nosso”, conta Deiab.

Leia também: Biblioteca portátil: 8 aplicativos para ler livros grátis direto no celular

O projeto piloto teve início em quatro unidades, com o objetivo de garantir aos internos acesso a cultura por meio de atividades e leitura. Esse projeto, realizado em unidades no Pará, Paraná, Pernambuco e Roraima, terminou em agosto deste ano. “Construímos acervos específicos para cada unidade, de acordo com os interesses locais.”

Para 2026, a Companhia das Letras pretende levar o projeto para os Estados do Mato Grosso, Acre, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Tocantins e Rio Grande do Sul.

“Com o tempo entendemos que o nosso papel é bem melhor executado como fomentadores, com foco na formação de mediadores e na curadoria do projeto. Não temos como dar conta da burocracia jurídica que a questão envolve”, explica.

Trabalho com internas

Em Santana, no presídio feminino, o trabalho é específico com mães. O grupo, integrado em média por 15 mulheres entre mães e grávidas, realiza a leitura de livros infantis na ala materna. “Conversamos com elas sobre esses livros, para elas lerem para seus bebês ou para suas crianças nas visitas”, destaca Gerbovic.

A curadoria, tanto para o público masculino como feminino, é diversa. “Tem literatura clássica, contemporânea, estrangeira, HQ. Praticamos muito a escuta ativa para orientar essa escolha”, afirma. Segundo ela, o principal objetivo desse trabalho, além da remição, é formar leitores e dar uma condição de cidadania a essas pessoas.

Leia também: Livros retratam a luta estudantil contra a repressão militar

Luciana Gerbovic diz ver a literatura como um direito humano e fundamental. E a partir da literatura, acrescenta ela, o mundo se amplia e o interno volta a ter sonhos. “A literatura serve muito como uma porta de entrada para que se vá atrás de outros direitos”.

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Gostou? Compartilhe

Últimas Notícias