Fundos da pessoa idosa são subutilizados e captam 67% menos que os de crianças

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Do total de fundos da pessoa idosa, 73,62% não conseguiram captar nenhum valor em 2023

Por Alessandra Taraborelli e Paula Bulka Durães

redacao@viva.com.br
Publicado em 03/09/2025, às 08h20 - Atualizado às 11h53

São Paulo, 03/09/2025 – A falta de divulgação e o desinteresse do poder público dificultam uma maior arrecadação do Fundo dos Direitos da Pessoa Idosa (FDI), cujo objeto é o financiamento de políticas públicas para a proteção dos idosos – que pode ser federal, estadual ou municipal.

A arrecadação do fundo se dá por meio do imposto de renda (IR), onde empresas e pessoas físicas podem destinar 1% do imposto devido para fomentar projetos que beneficiam pessoas com mais de 60 anos em situação de vulnerabilidade social.

Obtida com exclusividade pelo Viva, a pesquisa Panorama dos Incentivos Fiscais 2024, da Simbi, empresa de soluções em investimento social, revela que R$ 396 milhões foram movimentados dentro de 1.554 fundos em 2023.

Para efeito de comparação, o Fundo da Criança e do Adolescente (FDCA) movimentou R$ 528 milhões em 2023, segundo o levantamento do Simbi, valor 33,3% superior ao fomentado para projetos pensados para a população idosa.

O co-fundador da Simbi e um dos coordenadores da pesquisa Panorama dos Incentivos Fiscais 2024, Raphael Mayer, destaca o padrão de algumas grandes empresas em se mobilizar por mais questões que envolvem crianças e adolescentes em detrimento de idosos. “Se você for olhar nas pesquisas de doação no País, a educação ainda é um dos principais fatores de investimento, motivado pelo olhar que os jovens são o futuro, enquanto sabemos que a população brasileira está envelhecendo”, argumenta.

Do total de fundos da pessoa idosa, ainda segundo o levantamento da Simbi, 73,62% não conseguiram captar nenhum valor. A parcela restante (26,38%) dos fundos estruturados que captaram recursos entre 2020 e 2023 estão mais concentrados nas regiões Sudeste e Sul, que arrecadaram 52% e 29%, respectivamente. Isso revela uma alta concentração de recursos entre poucos fundos, enquanto a maioria não conseguiu atrair investimentos.

Leia também: Conferência livre debate políticas e direitos dos idosos em múltiplas velhices

A região Norte apresentou a pior arrecadação, de apenas 1%, distribuídos pelos fundos estaduais e municipais – hoje, a região tem 63 fundos ativos, em comparação com os 2.184 em operação pelo País. A região Centro-Oeste captou 4% e a Nordeste, 14%.

Para consolidar as informações, a empresa consultou 581 diários oficiais, 290 pedidos com base na Lei de Acesso à Informação, 46 legislações e 32 portais de transparência.

Neste período de quatro anos, apenas 13 fundos movimentaram mais do que R$ 5 milhões de acordo com o levantamento, totalizando R$ 156 milhões. Outros 53 fundos captaram entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões, somando, R$ 85 milhões. Já as captações abaixo de R$ 1 milhão atingiram R$ 57 milhões distribuídos em 344 fundos.

Tudo começa com a criação de um conselho

O primeiro passo para constituir um fundo da pessoa idosa é a criação de um conselho na esfera municipal, estadual ou federal, para gerir esses recursos. Os conselhos são formados por governantes e membros da sociedade civil, que abrem regularmente editais para projetos, de caráter contínuo ou não, destinados às pessoas idosas. 

Para o Secretário Nacional de Direitos da Pessoa Idosa e presidente do Conselho Nacional (CNDPI), Alexandre da Silva, além do processo legal, que limita abertura e pleno funcionamento dos fundos, os médios e pequenos municípios lidam com a falta de pessoas para formar conselhos.

“Estamos falando de municípios muito pequenos, com uma coordenação que trata da pauta da pessoa idosa, da pessoa com deficiência, LGBT+, da igualdade das mulheres. Como eles vão se organizar se já não existe um conselho formado? Então, há uma insuficiência de recurso humano que explica também um pouco dessa dificuldade.”

Além disso, ao contrário do fundo da pessoa idosa, o direcionado a crianças e adolescente é obrigatório por lei que os municípios criem conselhos de direitos consolidados pelo Estatuto da Criança do Adolescente (ECA), como explica a diretora executiva na Nexo Investimento Social, Stéfane Rabelo, e especialista em elaboração, gestão e avaliação de projetos sociais em áreas urbanas. 

“Os fundos para crianças e adolescentes são um mecanismo mais antigo. Do outro lado, os municípios não têm obrigação de criar conselhos da pessoa idosa, eles podem ficar tranquilos que não estão infringindo norma alguma”, explica. “Fora isso, só foi possível começar a destinar na folha o imposto de renda para os fundos destinados à população idosa há dois anos, é muito recente”.

A presidente da Comissão de Direitos da Pessoa Idosa da OAB Nacional, Rachel Cabus Moreira, destaca o fato que muitos locais não veem o tema do envelhecimento como prioridade. Ela cita como exemplo Alagoas, que teve o fundo estadual para pessoas idosas aprovado pela assembleia legislativa somente este ano.

“Falta interesse e prioridade de governantes e também da sociedade civil, que deveria provocar mais os políticos para que houvesse mudanças neste sentido”.

Entre 2020 e 2023, os Estados que mais receberam doações destinadas aos fundos da pessoa idosa foram São Paulo (26%), Minas Gerais (21,6%) e Paraná (11,6%). Quanto ao número de fundos ativos, nenhum Estado brasileiro opera hoje com 80% dos fundos em pleno funcionamento, de acordo com dados do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI). 

Em São Paulo, o Fundo Municipal do Idoso de São Paulo (FMID) financiou 12 projetos em 2023, segundo a ex-gestora de políticas públicas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Elizete Regina Nicolini. Um dos projetos citados por ela que usou o recurso foi o “Conecta Aí”, que promove aulas de letramento digital no entorno do bairro Higienópolis, além de outros para fortalecimento de vínculos, alfabetização, esportes e saúde, por exemplo.

"Essas iniciativas não substituem políticas públicas no caso da cidade de São Paulo, todos têm data para começar e acabar. Para projetos longevos, são destinados recursos da lei orçamentária”, explica.

Causa silenciada

A advogada da OAB Cabus relembra que o Estatuto da Pessoa Idosa, promulgado em 2003, garante  diversas prerrogativas aos idosos, mas poucos têm conhecimento. “Essas prerrogativas são respeitadas? Os idosos sabem o que eles têm direito?”, questiona.

Cabus ressalta a falta de conhecimento dos mais velhos como uma das causas da dissolução dos fundos e políticas públicas voltados para a população idosa. “Existe uma parcela de idosos altamente vulneráveis, sem políticas efetivas para eles. Embora tenham vários direitos, eles não têm qualquer informação, nem têm contato com pessoas qualificadas para lhes dar um atendimento adequado”, avalia. 

Tabu do envelhecimento

Para o secretário Alexandre da Silva, a pouca visibilidade das causas relacionadas aos mais velhos, em comparação às questões que afetam crianças e adolescentes, se deve ao tabu de envelhecer. “As pessoas  de 45 a 50 anos já estão antenadas para isso. Agora, as pessoas mais velhas e os mais jovens não querem falar do assunto”, comenta.

Silva cita como exemplo a repercussão da denúncia de adultização de menores na internet, amplificada pela denúncia do youtuber Felca, em comparação com a ridicularização do caso Paulo Roberto Braga, levado morto a uma agência bancária pela sobrinha para assinar um empréstimo em 2024. 

“Estamos falando de uma pessoa idosa, que precisava ser cuidada. Era um momento de ter uma mobilização nacional, assim como teve recentemente com a questão da adultização das crianças”, avalia.

Doações destinadas para pessoas idosas caem no Brasil

A pesquisa Doação Brasil, realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que mapeia o perfil dos doadores no País, mostra que a verba cedida para causas relacionadas à população idosa vem caindo desde o primeiro levantamento feito pelo IDIS: 21% em 2015, 18% em 2020, 11% em 2022 e, 8% em 2024. 

Já a causa infantil liderou como a mais procurada pelos doadores no ano passado, com 32% das arrecadações, seguida pelas situações emergenciais (30%), impulsionadas pelos desastres ambientais, como as enchentes no Rio Grande do Sul, e causas relacionadas à saúde (26%). 

Segundo Luisa Lima, gerente de comunicação do IDIS, essa queda pode ser atribuída ao fortalecimento de outras mobilizações paralelas, como pessoas em situação de rua e a causa animal. "Então, vemos campanhas para pessoas idosas recebendo cada vez menos", pondera. 

Para a gerente, doações com base nas leis de incentivo dependem da conscientização, transparência, visibilidade, comunicação e conexão. “Trabalhando essa conexão maior das pessoas com a causa, quando elas virem a oportunidade de fazer uma doação para o fundo do idoso, estarão mais sensibilizadas para isso. Acho que a gente tem que fazer um trabalho de conscientização e de ampliação do conhecimento desses fundos para a população em geral”. 

Transparência e prestação de contas

Uma característica importante dos fundos para pessoas idosas é a descentralização da gestão dos recursos nas três esferas, ou seja, cada município e Estado tem autonomia para formar o próprio conselho e prestar contas para a sociedade. A desvantagem dessa configuração, segundo Lima, é a falta de transparência. 

O levantamento mostra que as razões para não continuar doando mudaram. Não ter as condições financeiras necessárias segue como o principal motivo para deixar de doar de um ano para o outro, mas essa razão caiu significativamente nas três edições da pesquisa. Por outro lado, a falta de confiança e transparência como motivo cresceu.

Em 2020, apenas 4% dos não doadores indicaram a falta de confiança e transparência nas organizações como um obstáculo à doação. Em 2024, esse percentual atingiu 24%. Esse dado está alinhado com a informação de que o doador está cada vez mais cuidadoso ao escolher para quem doar. 

“A pesquisa do perfil dos doadores mostra que eles estão mais interessados em saber a destinação dos recursos. É um doador que demanda mais transparência e mais informação sobre o impacto que aquela doação que ele fez gera.”

Para Stéfane Rabelo, da Nexo, as próprias empresas acabam optando por doar para outras iniciativas pela falta de participação na escolha dos projetos e prestação de contas dos fundos. “A maior parte das empresas abre edital para selecionar quem e onde investir os recursos, elas querem selecionar projetos. A maior parte não faz repasse sem saber o que e quem ela está apoiando.”

Além disso, ela conta que  a maior parte dos fundos não se preocupa em fazer campanha de doação. "É um processo muito burocrático e muitos municípios e Estados não são transparentes na hora de divulgar como gastam e no que gastam esses recursos.” 

A falta de doação pode estar ligada a uma razão mais simples: a falta de fundos da pessoa idosa ativos no município, de acordo com Alessandra Araújo, advogada no escritório Paschoini Advogados. “O fundo pode não estar regularizado, o que impossibilita a doação. Mas os casos de má gestão da verba pública existem e não são poucos”, expõe. 

A advogada relata que há investigações de diversos órgãos oficiais, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público, que apontam subutilização dos fundos da pessoa idosa, seja por desvios diretos, falhas na estrutura e até manipulação contábil. "Esses casos evidenciam o descaso da política pública de envelhecimento, que revela uma falta de capacitação técnica para elaboração de projetos e articulação com a sociedade civil e mobilização desses recursos.”

Destinação do fundo

A doação para os fundos da pessoa idosa, independentemente se o fundo for nacional, estadual ou municipal, é feito pelo imposto de renda. Pessoas físicas ou jurídicas, que fizerem a declaração completa, podem destinar o valor do montante a pagar para um fundo de sua escolha. Esse valor será deduzidos do imposto devido, sem pagar nada a mais por isso. 

Atualmente, é possível destinar até 6% do imposto da pessoa física para fundos da pessoa idosa e até 1% no caso de empresas (pessoa jurídica).

Vale ressaltar que os fundos da criança do adolescente e os fundos da pessoa idosa não competem entre si – no caso das pessoas físicas, podem ser doados 3% para uma causa e outros 3% para a outra. 

Alguns portais da transparência, como o Fundo Nacional do Idoso (FNI) e o Fundo Municipal do Idoso (FMID) de São Paulo, prestam contas para a sociedade com informações sobre os projetos beneficiados, aberturas de editais, orçamento atualizado e o quanto é destinado para cada ação. 

O secretário Alexandre da Silva disse que este ano, os recursos nacionais devem ser realocados majoritariamente para a realização da 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI), que discutirá presencialmente, em Brasília (DF), com membros da sociedade civil, governantes, organizações e movimentos sociais, políticas públicas voltadas a pessoas idosas em vulnerabilidade social e que vivem múltiplas velhices. 

Além de ações formativas, de capacitação e grandes eventos como o CNDPI, os recursos também auxiliam na construção de cidades urbanas mais inclusivas para a pessoa idosa, como destaca o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAU USP, Adalberto da Silva Retto Jr.

“Atuar nas cidades para torná-las mais habitáveis e acessíveis a uma população que continua a crescer (em idade) significa torná-las mais inclusivas e equitativas. E não só para os idosos, mas para todos: quando se trata de urbanismo, nenhuma questão é exclusiva dos idosos. Assim, as ações a serem desenvolvidas no espaço urbano para melhorar a vida da população idosa, e promover sua integração, independência e inclusão social.”

Como fazer a doação

Veja o passo a passo do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para fazer a doação:

  • Com o programa do IRPF aberto, confira se a Opção pela Tributação marca “por deduções legais”;
  • Em seguida, selecione a opção “fichas da declaração” e role até encontrar “doações diretamente na declaração”;
  • Selecione a aba “fundo”, escolha para qual você quer doar: Criança e Adolescente ou Pessoa Idosa e clique em “novo”;
  • No canto inferior direito, é possível ver o valor disponível para doação. Você vai escolher para qual fundo vai fazer sua doação: municipal, distrital, estadual ou nacional;
  • Digite o valor que deseja doar e clique em “OK”. O valor da sua doação será incorporado ao valor da restituição;
  • Após o preenchimento de toda a declaração, vá ao menu, clique em “declaração” e “entregar declaração”;
  • Depois da entrega, clique em “Imprimir” e “imprimir Darf – Doações Diretamente na Declaração” referente ao ECA e/ou Pessoa Idosa;
  • Imprima a Darf e efetue o pagamento. O vencimento máximo é o último dia para a entrega da declaração.

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