Com avanço da automação e da IA, soft skills viram diferencial estratégico
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16/12/2025 | 08h00
São Paulo, 16/12/2025 -A fronteira tecnológica avança com rapidez nunca antes vista na história da humanidade. Saltos importantes ocorreram ao longo do tempo, mas em velocidades muito menores. “Isso é sem precedentes”, afirma o professor da FIA especialista em Gestão Estratégica com pós-doutorado em Inteligência Artificial (IA), Luís Guedes. Há, hoje, um “incremento da densidade digital”, segundo o professor e diretor dos departamentos de Sistemas de Informação e Operações da ISE Business School, Ricardo Engelbert. “Porque nunca tivemos tantos dados conectados a todo momento”, explica.
A aceleração na transformação tecnológica já vinha antes de a IA começar a se disseminar, mas é justamente essa ferramenta que agora começa a alargar essa fronteira, com impacto no mundo do trabalho. “Tudo o que for possível de ser otimizado e automatizado será. O trabalho repetitivo, compartimentado e com pouca exigência de habilidade social está em alto risco de ser substituído por máquinas’, afirma Guedes.
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É uma situação que explica a preocupação com desenvolvimento de habilidades. A atualização 2025 do Relatório o Futuro do Trabalho, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em parceria no Brasil com a Fundação Dom Cabral, aponta que 37% das habilidades dos trabalhadores brasileiros irão mudar até 2030, com quase 9 em cada 10 empresas no País buscando aprimorar as competências da sua força de trabalho nos próximos 5 anos, com foco em IA, big data, pensamento crítico, alfabetização tecnológica e lógica geral.
Relevância econômica
No entanto, com a máquina assumindo tarefas executadas por pessoas, as soft skills, que são habilidades interpessoais e pessoais, ganham projeção e relevância econômica, tornando-se o diferencial estratégico do trabalhador, de acordo com Guedes. Afinal, diz ele: “As competências comportamentais são, em sua acepção humana, incomputáveis”. E, claro, as mudanças no mundo corporativo proporcionadas pela tecnologia e a IA também alteram o foco nas habilidades comportamentais exigidas: as mais desejadas hoje, por exemplo, não são as mesmas da metade ou do final do século passado.
Se, por um lado, a IA reforça a importância das competências comportamentais, por outro, a especialista em inovação, professora na Singularity University e autora do livro Profissional do Futuro, Michelle Schneider, faz questão de ressaltar que o letramento tecnológico é indispensável ao lado do desenvolvimento de soft skills. "Em um mundo em que estamos muito perto de ter uma IA que muito em breve vai ultrapassar nosso QI, temos que ser melhor como ser humano”, diz ela. Nesse sentido, o investimento em soft skills contribui para isso.
Onde o impacto é maior
O relatório aponta que IA Generativa está transformando rapidamente as funções que exigem forte componente de escrita, síntese de informação e criação de conteúdo, em áreas como Marketing, Jurídico e Suporte ao Cliente, por exemplo. Segundo o estudo, o foco mudou da eliminação de empregos para a redefinição das tarefas e a necessidade de aumento de produtividade com ferramentas de IA.
Ao mesmo tempo, as mudanças com a automação e o avanço de novas tecnologias ou o aprimoramento delas impactam funções e trabalhos com mais rapidez. A ênfase, portanto, muda de habilidades puramente técnicas para habilidades que a máquina não consegue replicar facilmente, tais como:
Pensamento Crítico: O pensamento crítico e o pensamento analítico consolidaram-se como as habilidades mais demandadas globalmente. A necessidade de validar, questionar e refinar a saída da IA é a prioridade número um.
Resiliência e a Adaptabilidade: A capacidade de gerir a mudança constante e as habilidades de liderança à distância são apontadas como cruciais para manter o engajamento e a produtividade em um modelo de trabalho que híbrido.
Habilidades de Comunicação e Colaboração: Dada a complexidade crescente dos problemas e a natureza híbrida do trabalho, proporcionada pela tecnologia, comunicação, colaboração e liderança de pessoas passam a ser mais exigidas. Profissionais devem ser capazes de trabalhar em equipes multidisciplinares e gerenciar a execução em um ambiente de rápida mudança.
O papel das habilidades
Schneider diz que essas rápidas transformações mudam o valor do trabalhador, que deixa de ser apreciado apenas por sua formação, mas também por sua capacidade de adaptação. Com base na análise do estudo do Fórum Econômico Mundial, ela propõe uma outra leitura e organização das habilidades mais relevantes em quatro pilares interconectados:
| Pilar | Foco Principal | Habilidades-chave | O Motivo |
| 1. Mente Inovadora | Adaptação e Criação. Ser capaz de aprender continuamente para se manter relevante e criativo. | Curiosidade, Aprendizagem Contínua, Criatividade. | A validade das habilidades técnicas está encurtando drasticamente (cerca de 2,5 anos). O profissional deve ser "o quanto eu sou adaptável" (Profissional Plural). |
| 2. Letramento Tecnológico | Uso Estratégico da Tecnologia. Saber utilizar ferramentas de IA para aumentar a performance. | Habilidade Técnica (IA, Big Data, Cibersegurança). | A IA logo superará o QI humano. O risco é ser substituído por outro ser humano que usa a IA melhor. Não é preciso programar, mas sim usar a IA para ser mais produtivo e estratégico. |
| 3. Inteligência Emocional | Foco no Fator Humano. Desenvolver o lado humano para se diferenciar da IA. | Motivação, Autoconhecimento, Empatia, Escuta Ativa. | O sucesso depende mais do Coeficiente Emocional do que do QI, de acordo com o escritor Daniel Goleman. A inteligência emocional é o que nos torna "melhores em ser humano" em um mundo tecnológico. |
| 4. Saúde Mental | Sustentabilidade Pessoal. Garantir a base de resiliência e agilidade. | Resiliência, Flexibilidade, Agilidade. | Não há desempenho profissional sem saúde mental. O Brasil enfrenta um problema estrutural (País mais ansioso do mundo). É vital conhecer e impor limites para lidar com a alta demanda de adaptação. |
O diretor executivo da consultoria Michael Page, Lucas Oggiam, defende que, embora a IA tenha um potencial de impacto "muito forte", a mudança mais visível e atual nas soft skills ainda é um resquício da pós-pandemia, que impulsionou o uso de meios digitais e o trabalho remoto/híbrido. "Históricamente, as pessoas são contratadas por suas competências técnicas e demitidas pelas comportamentais. As empresas ainda têm dificuldades em identificar e priorizar as competências que deveriam ser a base mínima", afirma.
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Ainda assim, em vista da tendência de o mundo corporativo mudar cada vez mais rápido, ele considera fundamental que as pessoas desenvolvam rapidamente a flexibilidade, adaptabilidade e o desejo de aprender. "O impacto no desenvolvimento profissional é determinado pela disponibilidade da pessoa em aprender, e não necessariamente pelo tempo que ela passa na mesma empresa", declara.
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