Neste fim de semana, evite sair de casa para beber, alertam especialistas e autoridades

Pablo Jacob/Governo de São Paulo

Até o momento, cinco mortes suspeitas foram confirmadas e nove estabelecimentos foram interditados - Pablo Jacob/Governo de São Paulo
Até o momento, cinco mortes suspeitas foram confirmadas e nove estabelecimentos foram interditados
Por Paula Bulka Durães paula.bulka@viva.com.br

Publicado em 03/10/2025, às 08h26 - Atualizado às 08h48

São Paulo, 03/10/2025 - As atenções do País inteiro estão voltadas para São Paulo, depois da notificação de 53 casos no Estado, em investigação ou confirmados, de contaminação por metanol – substância tóxica pertencente ao grupo dos álcoois. Até o momento, cinco mortes suspeitas foram confirmadas e nove estabelecimentos, entre eles bares, lojas de bebidas (adegas) e distribuidoras, foram interditados.

Pode parecer uma medida drástica, mas a recomendação dos especialistas ouvidos pelo Viva é evitar nos próximos dias o consumo de bebidas alcoólicas fora de casa, em bares e restaurantes, sobretudo de destilados listados nas investigações, como gim, vodca e uísque. Essa também é a instrução do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que, no começo da noite de quinta-feira, 2, pediu aos brasileiros que não consumam destilados nos próximos dias.

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“Não consumam bebidas alcoólicas em bares, restaurantes, fora das que vocês têm em casa, nesse momento. É um bom cuidado para se tomar”, defende o advogado Fernando Moreira, especialista em direito societário, governança e compliance. Já o delegado da Polícia Civil de São Paulo e professor de criminologia, Gustavo Mesquita, é categórico: “Nesse primeiro momento, evite consumir bebidas destiladas, sobretudo as bebidas que têm incidência de falsificação. Dê um passo para trás até que a situação se estabilize e a investigação corra”.

Por que evitar bebidas destiladas?

Além das ações da força-tarefa terem identificado casos que reforçam a hipótese de as pessoas contaminadas terem consumido gim, vodca ou uísque, a bebida destilada é alvo mais recorrente de falsificações e adulterações e sofre mais riscos no processo fabril, de acordo com o professor Thiago Carita Correra, do departamento de química fundamental do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).

“Existem duas etapas que liberam metanol durante a fabricação de bebidas alcoólicas. A primeira é durante a fermentação, em que a própria fruta e o micro-organismo responsável por fermentar a bebida pode gerar metanol em níveis basais. A outra maneira é durante a destilação.”

O professor explica que a etapa da destilação durante a fabricação é a mais propensa a falhas, uma vez que existe uma concentração de álcoois, incluindo o metanol, que precisa ser retirada, a chamada ‘cabeça de destilação’. “A primeira fração desse processo precisa ser descartada, porque é rica em metanol. Então, se ocorre algum problema e essa fração não é removida adequadamente, o metanol pode passar para o produto final em quantidades altamente tóxicas para o ser humano.”

Correra reforça que esse erro não é comum em grandes fabricantes que prezam pela segurança e fiscalização da operação. “As grandes empresas costumam fazer análises laboratoriais para garantir a qualidade da bebida, além de possuírem equipamento adequado. Nessas condições, o risco de a etapa de remoção da cabeça falhar é mínimo”, tranquiliza.

Para o delegado Gustavo Mesquita, tudo indica que os casos podem estar relacionados com a adulteração dos destilados. “Temos elementos suficientes para entender que se trata de adulterações dolosas, com intenção.”

Segundo Mesquita, existem duas formas de adulteração conhecidas: uma delas envolve a não remoção da ‘cabeça’ e a outra, a adição de metanol para alterar o volume da bebida. “Se eu aumento o volume, obtenho mais lucro, essa é a lógica do crime. Agora, nos laboratórios clandestinos ilegais, não existe necessariamente o cuidado de retirar a fração que concentra o metanol”, complementa.

Cerveja e vinho estão liberados?

O risco de a cerveja e o vinho conterem metanol, após o fim do processo fabril, é remoto, afirma o químico. Isso porque são bebidas que não passam pela etapa de destilação, restando apenas a fermentação liberar alguma quantidade de metanol, normalmente em índices baixos. “Os cereais utilizados na fermentação da cerveja tendem a não gerar tanto metanol. Se as investigações concluírem que o problema está na produção, é muito tranquilo consumir essas bebidas. Agora, se for uma adição feita depois, aí existe um risco maior”, diz Correra.

O próprio Ministério da Saúde sinalizou que os casos registrados no País de adulteração de cervejas são escassos, pela dificuldade de falsificar garrafas com tampa de “coroa” (pry-off) e pelas próprias características da bebida, que contém gás. Em 2020, pelo menos dez pessoas morreram após serem contaminadas por resíduos químicos utilizados para limpar o tambor de fabricação, ao beberem a cerveja Belorizontina, da Becker. Entretanto, esses produtos não têm relação com o metanol.

Como se proteger

O professor da USP relembra que o metanol não possui cheiro, gosto ou coloração característicos que permitam ser identificados a olho nu. “É impossível saber, do ponto de vista químico. Existem análises que podem ser feitas, mas o consumidor não pode contar somente com a observação”, esclarece.

Para o advogado Fernando Moreira, mesmo que o consumidor tenha poucos mecanismos à disposição para se proteger, é importante se atentar a três detalhes: frequentar estabelecimentos de confiança, solicitar que a garrafa seja servida na sua frente e sempre pedir a nota fiscal. “O cliente precisa ficar atento às características da garrafa, se o rótulo está bem colado e bem posicionado. Ele também pode pedir para que a garrafa seja aberta e servida ao seu lado, além de guardar a nota do que consumiu — pode ser uma foto até”, detalha.

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Moreira reforça que somente questionar o estabelecimento se o fornecedor da bebida é confiável ou não é pouco efetivo na hora de se proteger. “Esses lugares podem ter três, quatro ou até mais distribuidores. Nessa conta, pode haver um fornecedor excelente, um muito bom e um terceiro questionável. Nisso, se o consumidor pedir um respaldo, o comércio pode simplesmente omitir a informação.”

A diretora de Assuntos Jurídicos do Procon-SP, Patrícia Dias, pede cautela aos consumidores. “Desconfie de preços muito baixos, isso pode indicar adulteração, mas também sonegação de impostos. A outra questão é observar atentamente as embalagens do produto, lacre, tampa, rótulos e sempre pedir a nota fiscal, que facilita o rastreamento do consumo com a identificação do estabelecimento responsável por fornecer a bebida modificada.”

Confira as dicas dos especialistas

  • Evite sair para beber em bares, restaurantes e lojas de bebidas nos próximos dias;
  • Frequente estabelecimentos de confiança;
  • Desconfie de preços muito baixos;
  • Exija nota fiscal e ser servido na mesa;
  • Cheque atentamente as características da garrafa (confira aqui as instruções);
  • Se for beber em casa, opte por consumir de empresas que comprem diretamente do fornecedor oficial da bebida;
  • Denuncie estabelecimentos irregulares no telefone 151, do Procon.

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