Foto: Reprodução You Tube
Por Fabiana Holtz
redacao@viva.com.brSão Paulo, 06/08/2025 - A jornada do apostador brasileiro foi tema de um painel durante a segunda edição do “Futuro da educação financeira no Brasil”, evento promovido nesta quarta-feira na capital paulista. A discussão foi comanda por Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), ao lado das antropólogas Patrícia Araújo e Jullyane Carvalho Ribeiro, da consultoria Kyvo, especializada em inovação.
Juntos, eles apresentaram resultado de um levantamento com apostadores espalhados pelo Brasil. “É fato que as apostas online são parte do cotidiano de milhões de brasileiros”, afirmou Billi, ao pontuar que classe, gênero e geração moldam o jeito de jogar e de lidar com o dinheiro. Diante dessa realidade, a educação financeira precisa ir além da razão. “É preciso escutar, acolher, se adaptar. O desafio não é só informar, é dialogar com a realidade”, acrescentou.
Leia também: Vício em apostas: saiba identificar os sinais e como ajudar quem precisa
O levantamento identificou dois universos entre os apostadores, com perfis bem específicos: o de plataformas de apostas esportivas (Bets) e o do adepto dos Casinos. “Descobrimos nesse estudo a existência de economias afetivas (que evitam a participação de instituições financeiras nas transações) e que o endividamento é normalizado”, conta a antropóloga Patrícia Araújo.
No caso das bets, o ambiente é de jogo coletivo e técnico, onde a prática é mais comum entre os homens e há uma mistura de diversão e renda extra. Nesse universo, os pesquisadores identificaram um discurso de controle e método, com a normalização das perdas como parte do jogo.
No âmbito dos casinos, a pesquisa apontou um público predominantemente feminino. Segundo o levantamento, temos aqui um jogador solitário e com motivação emocional, quase sempre financeira. Também envolve mais compulsão e dificuldade em parar, com impacto emocional e financeiro mais severo.
Para o estudo foram realizadas 60 entrevistas presenciais em seis capitais, nove entrevistas com especialistas do mercado e da regulação, além da análise de redes sociais com mais de 5.800 menções. Foram definidos também dois grupos focais: de apostadores ativos e ex-jogadores.
Outra questão identificada pelas antropólogas foi que o ex-apostador tem um perfil mais fluído, ou seja, ele para por falta de recursos, mas não significa que não voltará a apostar. E quanto ao gênero, estruturalmente se observa que as mulheres jogam mais do que realmente assumem e silenciam sobre o assunto. Já os homens apostadores gostam de demonstrar técnica e domínio de jogo.
Segundo as antropólogas, as mulheres quando se envolvem com o jogo se mostram muito mais isoladas e envergonhadas, enquanto os homens discutem o assunto na mesa de bar. “Mas apenas dizer que homens jogam mais do que mulheres não explica esse universo”, aponta Jullyane Carvalho Ribeiro, ao ressaltar a complexidade do tema.
No recorte por classe social, o estudo apontou que os mais endinheirados (A/B) jogam bastante também, mas narram o comportamento pelo viés da performance, técnica e controle, enquanto as classes menos favorecidas (C/D/E) atribuem o comportamento a urgência e ansiedade.
Na avaliação de Billi, nesse contexto a educação financeira no Brasil ainda é falha porque não conversa com moralidades, afetos, urgências territoriais e regimes de tempo do dinheiro. “Muitos não entendem o sentido da palavra risco. O vício em apostas hoje é encontrado até em comunidades indígenas na Amazônia”, afirmou, reforçando a dimensão do problema.
Para citar apenas um exemplo de como ainda temos um vasto campo para desbravar, Billi conta que em várias regiões do País, a Anbima descobriu grupos de amigos, vizinhos, parentes, que se uniam para a criação de um tipo de fundo de investimento organizado informalmente. “Isso, simplesmente por não confiar nas instituições financeiras”.
Realizado na capital paulista, o evento é promovido pela Anbima, B3, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Febraban, FGC e Sebrae.
Política de comentários
Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.