Como lidar com pedido de empréstimo sem perder a amizade

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Um conselho é se mostrar disponível para ajudar, mesmo que não financeiramente - Envato
Um conselho é se mostrar disponível para ajudar, mesmo que não financeiramente

São Paulo, 02/09/2025 - Tomar um empréstimo em seu nome para terceiros ou ceder o seu cartão de crédito para amigo ou familiar é um tema delicado. Além de gerar desentendimentos, no limite pode até levar ao fim de uma relação.

Segundo um levantamento do Serasa, 82% dos brasileiros já emprestaram dinheiro a um amigo, 67% já pediram dinheiro emprestado e três em cada 10 pediram um empréstimo para ajudar um amigo. Nesse grupo dos que emprestaram dinheiro a um amigo, 61% se arrependeram.

A pesquisa realizada pelo Instituto Opinion Box, a pedido da Serasa, aponta que 40% já ficaram com o nome sujo por conta de um colega. O levantamento ouviu 909 pessoas, de diferentes faixas etárias e regiões do Brasil, entre 24 de junho e 07 de julho.

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Harion Camargo, planejador financeiro credenciado pela Planejar
"Seja consciente e precavido", aconselha Harion Camargo, planejador financeiro credenciado pela Planejar - Divulgação

Para evitar futuras dores de cabeça, o planejador financeiro credenciado pela Planejar, Harion Camargo, defende que a melhor saída é ser claro e direto ao negar o empréstimo ou o cartão de crédito para uma compra parcelada, principalmente se existe um vínculo muito próximo de amizade ou familiar.

“Seja firme ao falar. Deixe claro que não tem dinheiro, que não está muito bem de grana”. Ser consciente e precavido faz parte de uma vida financeira mais saudável, afirma ele. 

Há também um forte viés cultural de informalidade com relação ao dinheiro, observa. “O brasileiro tem um perfil de optar por acordos informais e isso atinge inclusive as relações financeiras. Até nas relações profissionais de trabalho há um cunho  pessoal - diferente de culturas mais diretas, como nos Estados Unidos e China”.

Ajuda não financeira

Outro conselho é se mostrar disponível para ajudar, mesmo que não financeiramente. Existem outros meios de prestar auxílio, seja com a busca por emprego ou venda de itens que a pessoa poderia se desfazer, acrescenta o planejador financeiro.

Além da questão cultural, a ausência de educação financeira do brasileiro resulta na falta de traquejo para dizer não a esse tipo de pedido. “Há uma falta de interesse da população em entender sua relação com dinheiro. As pessoas de maneira geral evitam esse assunto”, observa Camargo.

Se os laços de amizade ou familiares forem tão fortes a ponto de ficar impossível dizer não, você tem duas opções: emprestar sem contar com o retorno desse dinheiro ou buscar regularizar a negociação em termos oficiais, para ter alguma forma de proteção. “Se você faz na informalidade não tem nada que te respalde juridicamente”, alerta o educador financeiro.

Negociar para limpar o nome

Se você já está com o "nome sujo" no Serasa ou outro bureau de crédito por conta dessa situação, a recomendação é entrar no aplicativo da plataforma e entender quais são as suas dívidas.

“Veja as possibilidades de negociação, se é possível conseguir algum desconto. Regularmente, a Serasa realiza feirões para renegociação de dívidas”, aconselha Camargo.

Se você tem dívidas pendentes, seu CPF ou CNPJ (no caso do microempresário) fica "negativado", ou seja, com restrição de crédito. “O seu CPF fica bloqueado em boa parte das instituições financeiras. Em geral, a pessoa precisa usar o CPF do cônjuge ou de alguém próximo para novas operações até conseguir regularizar a situação”, aponta Camargo.

De acordo com informações disponíveis no site da Serasa, a negativação não acontece automaticamente a partir da existência de uma dívida. Primeiro, a empresa credora precisa registrar a dívida em órgãos de proteção ao crédito.

E a negativação do nome não acontece de uma hora para outra, sem aviso. Antes de acontecer, essas mesmas empresas enviam avisos ao consumidor, comunicando a situação e alertando sobre os riscos de restrição caso a dívida não seja quitada ou negociada. 

Entre as consequências desse calote, a sua possibilidade de obter crédito novamente cai drasticamente, seja via cartão, empréstimo ou financiamento.

Somado a isso, diversas empresas, como lojas, imobiliárias e construtoras, podem negar compras ou  novos contratos, por exemplo. Outro desdobramento importante dessa dívida é evoluir para protesto em cartório ou uma ação judicial.

E quando o empréstimo é para alguém da família?

A dificuldade de dizer ‘não’ pode estar relacionada à força dos valores familiares, no chamado ‘familismo', orientação cultural que valoriza as vontades da família em detrimento das necessidades do indivíduo, como explica a psicóloga Deusivania Falcão, professora da USP na área de psicogerontologia.

“Dentro da cultura brasileira, esse princípio foi construído ao longo da vida: acreditar que seu dever é sempre apoiar, doar e manter a harmonia no grupo familiar. Assim, negar um pedido de um filho ou neto pode ser interpretado, pela pessoa idosa, como uma forma de “fracasso” no cumprimento desse papel.”  
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Psicóloga Deusivania Falcão, professora da USP na área de psicogerontologia - Divulgação

O sentimento de culpa que algumas pessoas idosas carregam de não terem ajudado no passado também atua como impasse na hora de dizer ‘não’.

“Essa memória de dívida afetiva pode levá-las a se sentir obrigadas a dizer 'sim' agora", diz ela. Por isso, é muito importante fortalecer recursos psicológicos, como a autoestima e a confiança. "Quando a pessoa idosa acredita que tem valor e que pode se proteger, ela se sente mais segura para impor limites.” 

O Instituto Velho Amigo, organização sem fins lucrativos que atua na inclusão social de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social, atua nesse sentido. Para Amanda Borges, responsável pelo núcleo de convivência do instituto, o fortalecimento é essencial. “Nossa função é reforçar o protagonismo, garantindo a segurança financeira dos mais velhos em primeiro lugar, muito no sentido de apropriá-los a dizer não quando necessário”. 

Emprestei e não me devolveram o dinheiro, e agora?

E, de fato, pode ser necessário cobrar, afinal a vida do idoso tem muitos custos e imprevistos. A advogada Amanda Cunha, especialista em direito civil e direito do consumidor do Paschoini Advogados, instrui, como última medida, fazer um boletim de ocorrência em uma delegacia especializada em idosos, e entrar com uma ação judicial. “Print de celular, de conversa de WhatsApp, algum tipo de gravação podem ser usados como prova em um julgamento”, recomenda.

Vale destacar que se apropriar do dinheiro de uma pessoa idosa é crime, previsto no artigo 102 do Estatuto da Pessoa Idosa, por "apropriação ou desvio de bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento da pessoa idosa, dando-lhes aplicação diversa da sua finalidade", com pena de um a quatro anos, além de multa”, reforça a advogada. “Nestes casos, há uma dupla responsabilidade: cível, de devolver o dinheiro emprestado, e criminal."

As pessoas próximas podem ser alicerces na hora de instruir e ajudar a pessoa idosa a agir caso não haja a devolução do dinheiro. Segundo Cunha, a melhor saída é pedir ajuda para alguém de confiança. “Converse com alguém próximo que tenha mais conhecimento sobre o assunto para saber quais medidas tomar.”

Os canais de denúncia, como o anônimo Disque 100, e o Ministério Público podem ser saídas para relatar caso testemunhe uma pessoa idosa sofrendo extorsão de algum familiar ou amigo.  

Decidi emprestar mesmo assim, como me proteger?

Para a advogada, a melhor hipótese nesse caso é formalizar o empréstimo por meio de um documento simples, assinado pelas duas partes. “As próprias ferramentas de inteligência artificial indicam como montar. Basicamente, é um papel onde você coloca ali a qualificação das partes, o negócio que está sendo feito e como que vai ser pago, e então as partes assinam. Isso já resguarda, protege e comprova o empréstimo.”

Amanda Cunha instrui também fazer a transferência por meio de transação bancária, como o Pix, que gere comprovante. “Nunca saque dinheiro vivo, sempre opte por uma transação rastreável e que você consiga comprovar que o dinheiro foi emprestado”, recomenda.

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