Adultização de crianças e infantilização de adultos; é só 'trend' de redes sociais?

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Uso de chupeta por adultos pode indicar medo de responsabilidades, avalia psiquiatra

Por Alessandra Taraborelli e Paula Bulka Durães

redacao@viva.com.br
Publicado em 14/08/2025, às 12h25

São Paulo, 14/08/2025 - Que as redes sociais são um fenômeno, ninguém tem dúvida. Seja para o bem ou para o mal, elas estão aí para divertir, aquecer o coração, mas também gerar polêmicas. Nesta semana, dois assuntos chamaram muito a atenção: jovens adultos usando chupetas, alegando que o acessório os acalma, e crianças e adolescentes agindo como adultos, de forma sexualizada.

Do exterior, como China e Estados Unidos, vieram posts e vídeos mostrando adultos chupando chupeta para aliviar estresse, dormir melhor e até dizendo que o acessório ajuda na abstinência ao hábito de fumar cigarro. O tema viralizou e já se vê nas redes sociais e também nas ruas adultos usando chupeta.

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Algumas pessoas estão aproveitando para embarcar na trend do momento e se divertir. Mas essa inversão de papéis é preocupante do ponto de vista psicológico.

O ator Ary Fontoura, 92 anos, que é conhecido nas redes sociais por postar vídeos bem-humorados, se posicionou sobre o assunto. Mais cedo nesta quarta-feira, 14, ele apareceu com uma chupeta na boca e comentou: "Isso é uma loucura gente, usar chupeta para tirar o estresse. É a criança virando adulto, é o adulto virando criança. Onde que vai parar isso?" E termina com a frase: "Alexa, dispara um meteoro na Terra."

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Adultos infantilizados

O Viva conversou com Alaor Carlos de Oliveira Neto, coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e com o psicólogo parental Filipe Colombini para tentar entender o motivo que tem levado adultos a adotar um hábito de quando eram crianças. Para os especialistas, usar chupeta é mais um modismo, uma necessidade de o jovem adulto pertencer a um grupo e de ganhar likes nas suas redes. 

“É uma forma de dizer: estamos aqui, somos um novo grupo, com novas atitudes e novas formas de pensar e queremos ter espaço no mundo”, avalia o psiquiatra Neto, citando movimentos de ruptura liderados por jovens no passado, como os ultraromânticos e os punks, para quebra de padrões e hábitos. 

Colombini ressalta que não existe razão médica e nenhuma evidência científica até o momento, nem na literatura, que embase esse tipo de comportamento e modismo. 

“Isso, de fato, pode ser encarado mais como movimento social, cultural de jovens, e acaba virando uma trend da internet. 
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Alaor Carlos de Oliveira Neto, coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz - Divulgação

Usar chupeta teria um efeito placebo, com as pessoas achando que  isso vai dar algum alívio ou alguma sensação especial, assim como acontece com tratamentos sem qualquer base científica, explica.

Neto ressalta ainda que este movimento pode fazer parte do medo que os jovens têm de virarem adultos. Ele lembra, por exemplo, que há 30 anos as pessoas em torno de 20 anos já tinham filhos. Hoje, o mais comum é ter filhos perto dos 30 anos ou mais velhos. “Cada vez mais, as novas gerações estão postergando etapas da vida. Se antes era muito comum o jovem sair de casa com 16 anos, hoje a gente vê com muita naturalidade eles com 30, 40 anos morando com os pais. Existe sim, dentro da nossa própria estrutural social uma mudança, onde a existe a postergação da vida adulta”, avalia.

Colombini ressalta que nas redes sociais  proliferam referências infantis se tornando "trends". “É bem difícil viver em um mundo de intensas transformações, principalmente para o adolescente encarar as demandas, sejam de trabalho, sejam de sobrevivência do mundo adulto. Acho que esse é interessante a gente ter essa reflexão sociocultural”, sugere.

Limites são necessários

Os dois profissionais avaliam que, embora seja um modismo, os pais precisam ficar atentos, impor limites e estabelecer regras aos filhos, e tentar entender o que está levando o indíviduo a ter este comportamento. Neto ressalta que é muito importante escutar os filhos. “Mais do recriminar, escute seu filho, tente entender o que está faltando. Os pais têm que entender que isso é uma forma de os jovens se comunicarem, no sentido de trazer alguma demanda dele: 'eu preciso do meu espaço, da minha autonomia', e ajudá-lo com apoio, perguntar o que falta, o que precisa. É entender isso e não ficar brigando”, orienta.

Riscos reais

Embora o hábito possa parecer inofensivo, ele é prejudicial e pode causar danos reais à saúde bucal. De acordo com a doutora Diana Fernandes cirurgiã-dentista, a pressão constante da chupeta sobre a arcada dentária pode provocar movimentação dos dentes, alterar a mordida e até deslocar a mandíbula, causando desequilíbrios musculares e funcionais.

O uso prolongado e frequente da chupeta em adultos pode gerar várias consequências, como:

- Alterações dentárias e mandibulares: problemas como mordida aberta, mordida cruzada e desalinhamento dos dentes são comuns quando há estímulo mecânico contínuo sobre a arcada dentária.

- Complicações na fala e mastigação: “A chupeta muda a posição da língua e pode causar distorções na pronúncia de sons, além de prejudicar a mastigação pelo mau encaixe da mordida”, diz a dentista.

- Risco de infecções: quando mal higienizada, a chupeta pode se tornar um foco de bactérias e fungos, elevando o risco de infecções orais e respiratórias.

- Problemas na ATM e dores faciais: a pressão na articulação temporomandibular pode levar a dores no rosto, estalos ao abrir a boca, e até cefaleias tensionais.

Ela ressalta ainda que o impacto pode ser ainda mais preocupante em pessoas que já possuem predisposição a disfunções na ATM ou desalinhamento dentário

“Trata-se de um hábito deletério, sem comprovação de benefícios psicológicos reais e com potencial de causar danos estruturais. Ao invés de aliviar o estresse, a chupeta pode gerar problemas que demandam tratamentos complexos e prolongados”.

O fenômeno da adultização

Outro tema que ganhou destaque esta semana é o de crianças e adolescentes que são expostas nas redes sociais agindo como adultas – com dancinhas, poucas vestes e poses sugestivas – são debate quente nesta semana depois da repercussão da denúncia do youtuber Felipe Bressanim, 27, conhecido como Felca. 

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O vídeo publicado na quarta-feira passada, 6, acumula 38 milhões de visualizações, e evidência menores de idade colocados em posições vexatórias pelos próprios pais ou adultos responsáveis, com material publicado nas plataformas digitais que alimenta o desejo de predadores sexuais.

Uma simples foto de uma criança pode cair na malha de redes de pedofilia, que condicionam o algoritmo das redes sociais para reproduzir predominamentemente conteúdos do público infantil. 

Um estudo da organização sem fins lucrativos ChildFund, divulgado em maio, mostrou que 54% dos adolescentes brasileiros, de 13 a 18 anos, já sofreram algum tipo de violência online. Desses jovens, 65% afirmaram não terem supervisão dos pais para navegar na internet. 

Em junho, o Viva revelou a facilidade com que os jovens conseguem encontrar links de servidores de predadores sexuais em redes sociais como o TikTok, Instagram, Discord e a plataforma de jogos, Roblox. 

Leia também: Crianças e adolescentes estão expostas à violência em plataformas digitais

A adultização e a violência on-line estão interligadas, uma vez que a exposição de crianças e adolescentes nas redes pode afetar o desenvolvimento social e psicológico do indivíduo, como explica a psicanalista e mestre em psicologia do desenvolvimento pela UFBA, Lais Flores. 

“A adolescência é o momento de afirmação do eu, de experimentar as relações sociais e de sair do núcleo familiar para as relações de fora. E nessa fase do desenvolvimento, o risco de a gente antecipar a vida adulta e retirar esse momento das crianças e dos adolescentes afeta a saúde mental e pode resultar em um excesso de ansiedade, de excesso de angústia e em um medo excessivo de sair.”

A psicóloga lembra que a adultização de jovens não é uma novidade: populações mais vulneráveis vivem essa realidade na pele. “Esse processo sempre ocorreu nas classes sociais mais baixas, quando crianças e adolescentes precisavam trabalhar, cuidar dos irmãos e contribuir no sustento da família. Mas esse processo agora é amplificado pelas redes sociais”, explica. 

Co-autora do "Guia para a articulação entre as escolas e a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente", Flores reforça o papel não só das famílias, mas da própria escola na formação de uma rede de apoio às vítimas de exposição on-line.

“A escola não é uma instituição total, ela não está fechada em si mesma, ela está dentro de um contexto e os outros atores precisam ser acionados para que essa proteção seja efetiva. Do porteiro ao diretor, todos precisam estar atentos para acionar serviços de saúde, assistência social, capacitação familiar, conselho tutelar.”

Recentemente, o governo federal se juntou ao debate iniciado na Câmara dos Deputados e afirmou estar elaborando um projeto de lei para regulamentar o acesso de crianças e adolescentes nas redes sociais. Na Casa, tramita com urgência o texto que proíbe o uso de publicidade direcionada através da coleta de dados de menores de idade. 

Para o defensor público federal e especialista em direitos humanos e sociais e inclusão social pela USP, André Naves, apesar da importância de fortalecer a legislação, o desafio não está restrito ao campo jurídico, e sim ao político e econômico. 

“As leis, por mais avançadas que sejam, pouco valem se não saem do papel para se transformarem em políticas públicas que atuem na realidade social. Nosso arcabouço legal, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Civil da Internet, é um dos mais avançados do mundo. O problema é que temos uma política econômica submetida aos interesses corporativos, que desmantelam os investimentos públicos que são a alma de qualquer proteção social.”

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